Faz alguns dias que estou no Rio de Janeiro; primeiramente, em Maricá, onde se pode ver avanços interessantes nas políticas públicas voltadas para uma melhor assistência social – que vai desde a Mumbuca, moeda social, até transporte coletivo gratuito e de qualidade – posteriormente, no Rio, lugar ímpar no quesito multiculturalismo. Aqui, nas ruas, nos jornais, nas praias, nos museus, nos morros, nos teatros as manifestações culturais pululam extraordinariamente, fruto de ações governamentais e de iniciativas privadas. Todos, ainda que esporadicamente, deveríamos beber desse caldo cultural.
Leia Também:
– Invisibilidade social
-“Democratização do acesso ao cinema no Brasil”
-Gerânios, Divino…
-O Beijo no Asfalto e a pós-verdade
-A parábola da ilha desconhecida
–Uma vela para Willian
-Os sinais
-A greve mais justa da história
Das mais variadas manifestações artístico-culturais que tive o privilégio de desfrutar, indo do samba no Amarelinho (Cinelândia) até a exposição “A memória é uma invenção”, no Museu de Arte Moderna (MAM), mostra coletiva com 300 obras que vêm do acervo do MAM, do Museu de Arte Negra/IPEAFRO e do Acervo da Laje, fiquei impressionadíssimo com o show, no teatro Rival, do MPB4.Para os que não tiveram o privilégio de conhecer o melhor e um dos mais longevos grupos vocais brasileiro, deixo aqui algumas referências: formando em 1965, em Niterói, o MPB4 ainda conserva dois membros da primeira formação, oriundos do Centro Popular de Cultura da UNE, o grupo ficou nacionalmente conhecido, ao cantar “Roda Viva”, com Chico Buarque, no festival da Record, em 1967. Mesmo nos Anos de Chumbo, o 4 sempre teve engajamento político e por isso quase sucumbiu. Faz 57 anos que nossos ouvidos e corações são presenteados pela sensibilidade e sonoridade dos 4 vocalistas.
O show de quase duas horas foi emocionante, um repertório eclético, fugindo um pouco dos estereótipos (ainda que belíssimos) que normalmente marcam os artistas. Como não se emocionar ao ouvir “No fim do mundo há um tesouro/ Quem for primeiro carrega o ouro/ A vida passa no meu cigarro/ Quem tem mais pressa que arranje um carro/ Prá andar ligeiro, sem ter porque/ Sem ter prá onde, pois é, prá quê?” (Sidney Miller). Ou a inédita, na voz deles, “O cantador” (Dori Caymmi): “Ah! se eu soubesse ao menos chorar/ Cantador, só sei cantar/ Ah! eu canto a dor de uma vidaperdida sem amor/ Ah! eu canto a dor de uma vida perdida sem amor”, entre inúmeras outras pérolas do cancioneiro popular.
Se nada de extraordinário acontecesse, já seria uma noite perfeita; mas nos primeiros acordes de “Apesar de você” (Chico Buarque) o grito latente, preso na garganta daqueles que lotavam o teatro ecoou: – Fora, Bolsonaro! Fora, Bolsonaro! Fora, genocida! Era a minha gente dizendo que “Amanhã há de ser/Outro dia”. Essa e outras canções de protestos levaram-nos de volta no tempo, quando sonhadores e cabeludos, enfrentávamos a cavalaria com bolinhas de gude e vamos enfrentar o “capetão” sem nos endurecermos ou perdemos a ternura, como diria Ernesto (Chê)Guevara; ainda mais, compreendo nossos contrastes sociais e emocionais nesta “Medeia brasileira” que é a peça “Gota d’água” (Chico Buarque e Paulo Pontes): “Deixe em paz meu coração/ Que ele é um pote até aqui de mágoa/ E qualquer desatenção, faça não/Pode ser a gota d’água”.
*SÉRGIO EDUARDO CINTRA é professor de Linguagens e de Redação em Mato Grosso. Foi vereador em Cuiabá e Diretor Executivo da Funec.
CONTATO: sergiocintraprof@gmail.com
FACEBOOK: www.facebook.com/sergio.cintra.77