O ano é 1903. Comerciantes exibiam uma grande variedade de alimentos em suas barracas espalhadas pelas ruas de pedra da cidade de Nápoles, na Itália, oferecendo desde massa frita até ensopado de peixe. Nesse cenário, vendedores de maccheroni se destacavam, preparando longos fios de massa em enormes caldeirões com água fervente. As pessoas que optavam pela macarronada a comiam usando suas próprias mãos, muitas vezes em uma única bocada.

Por mais distante que essa cena pareça da realidade atual, ela era bastante comum entre os séculos 17 ao 19. Naquela época, o macarrão era considerado uma comida de rua, amplamente consumido pela classe trabalhadora com as mãos, no meio da via pública — como é possível conferir em um vídeo gravado em 1903. Assista abaixo.

Nápoles ficou historicamente conhecida como a capital da massa. Com a abundância de trigo na região e o fácil acesso à água, a cidade rapidamente se tornou um centro de produção de massas. Nos pátios, prateleiras repletas de macarrão secando ao sol eram mais comuns do que bancos e se tornaram parte da paisagem local.

Fabricantes de macarrão em Nápoles — Foto: Domínio público
Fabricantes de macarrão em Nápoles — Foto: Domínio público

As ruas foram dominadas por barracas de vendedores de maccheroni, como era chamado na época, fazendo do prato um elemento essencial da vida dos trabalhadores de Nápoles. O macarrão era preparado em imensos caldeirões e servido em porções generosas, que os clientes rapidamente levavam à boca e ingeriam de uma só vez. Esse hábito não apenas rendeu aos napolitanos a fama de “comedores de macarrão” (mangiamaccheroni, em italiano), mas também começou a atrair turistas curiosos para testemunhar esse jeito tão diferente de comer.

Os mangiamaccheroni ganharam notoriedade ao serem representados em pinturas, ilustrar cartões-postais da cidade e serem descritos em guias turísticos. Eles passaram a ser uma atração para aristocratas e ricos que passavam por Nápoles, a ponto de alguns chegarem a pagar para assistir ao curioso espetáculo. Muitas vezes, os visitantes jogavam moedas para os meninos de rua, conhecidos como lazzaroni, que disputavam a chance de devorar o macarrão “à moda napolitana”. A cena gerava alvoroço e servia de entretenimento para os espectadores.

Das mesas da elite às ruas de Nápoles

No entanto, o macarrão nem sempre foi visto como uma comida de rua na Itália. Durante séculos, a massa era consumida apenas pela elite em eventos especiais, enquanto os camponeses a desfrutavam como um luxo. Originalmente considerado uma iguaria, o prato foi introduzido a cidade da Sicília por mercadores árabes por volta do século 12. Ou seja, ao contrário do que muitos acreditam, o macarrão não tem origem italiana.

A massa só chegou a Nápoles cerca de 300 anos depois, passando a ser consumido com talheres. Contudo, no século 17, a inflação fez com que os preços da carne e dos vegetais explodissem, enquanto o do trigo, caiu. A classe trabalhadora, cuja alimentação era baseada em peixe e repolho — tanto que eram chamados de mangiafoglie (“comedores de folhas”) —, precisou substituir sua dieta por alimentos à base de trigo, como pão e massas. Assim, o macarrão, antes símbolo de sofisticação, acabou ganhando as ruas de Nápoles.

O prato era considerado vantajoso, por ser altamente calórico e fornecer a energia necessária para o trabalho. A água do cozimento chegava até a ser enriquecida com gordura de porco e uma pitada de sal por alguns comerciantes. Fora isso, o único complemento era queijo ralado, já que o molho de tomate só se tornou popular muito tempo depois, no final do século 19.

Porém, se o valor nutricional era um ponto positivo, o sabor deixava a desejar. Como a produção era feita na própria rua, as condições sanitárias também não eram as melhores. Os ingredientes da massa eram misturados em grandes bacias e batidos em uma prensa mecânica, e longos fios eram pendurados em suportes de cana ou espalhados sobre grandes panos colocados no chão para secar ao sol. Dessa forma, era comum encontrar moscas e outras sujeiras no macarrão.

Foto mostra barraca onde o macarrão era produzido — Foto: Wikimedia Commons
Foto mostra barraca onde o macarrão era produzido — Foto: Wikimedia Commons

O fim dos mangiamaccheroni

Com o tempo, a tradicional maneira “à moda napolitana” de comer macarrão foi se perdendo, assim como a reputação de Nápoles como a capital da massa. Com a ascensão de Benito Mussolini ao poder no início do século 20, o líder implementou políticas de industrialização em diversas áreas de produção, incluindo as massas napolitanas. A medida visava reduzir a dependência do país de produtos importados.

Como consequência, a fabricação de macarrão passou a ser realizada em fábricas do norte da Itália, que utilizavam prensas elétricas e áreas próprias para a secagem, permitindo a produção de massas mais limpas e padronizadas. Com a industrialização do produto e sua presença nos mercados, os talheres passaram a substituir as mãos, agora acessíveis nos lares para o consumo.

(Por Camilla Almeida)