Graças à tecnologia, historiadores, restauradores e cientistas alcançaram uma incrível conquista: a restauração quase total de pinturas medievais na Catedral de Angers, na França, que permaneceram ocultas atrás de painéis de madeira por mais de 500 anos. Todo o processo levou dez anos para ser concluído, e o resultado foi um mural de estilo gótico que conta a lenda do bispo que deu nome a catedral.

A equipe desenvolveu o painel unindo digitalmente mais de 8.000 fotografias das paredes, capturadas no espaço atrás do painel — que não pôde ser removido devido à sua localização na estrutura das cadeiras que abrigam o coral da igreja.

De acordo com Emily Guerry, historiadora e professora da Universidade de Oxford, na Inglaterra, em entrevista ao portal de arte The Collector, as pinturas são “absolutamente sensacionais, mas tentar fotografá-las, passando dias avançando lentamente por um espaço estreito em meio à poeira e pombos mortos, tentando obter a luz e o ângulo da câmera idênticos para cada foto, foi um pesadelo”.

A equipe observa o resultado de seu trabalho — Foto: Hamilton Kerr Institute/University of Cambridge
A equipe observa o resultado de seu trabalho — Foto: Hamilton Kerr Institute/University of Cambridge

Segundo os pesquisadores, as imagens representam a lenda de Saint Maurille, bispo de Angers no século 5, que deu nome à catedral. No início de sua jornada religiosa, Maurille abençoou uma mulher estéril, que milagrosamente deu à luz. No entanto, o menino faleceu, apesar das suas orações. Envergonhado, Maurille jogou as chaves da igreja em um rio e fugiu, indo para a Inglaterra, onde trabalhou como jardineiro para o rei. Após algum tempo, ele descobriu que o menino na verdade havia sobrevivido, o que o motivou a retornar à Catedral de Angers, onde foi posteriormente canonizado.

As pinturas, feitas com tinta a óleo, apresentam semelhanças marcantes com obras realizadas com o mesmo material na Abadia de Westminster, em Londres. O retrato de Henrique III, rei da Inglaterra na época em que as obras foram produzidas, assemelha-se bastante ao que se encontra na capital britânica, sugerindo uma possível comunicação entre os grupos de pintores. As ilustrações da catedral até destacam viagens pelo Canal da Mancha, uma das principais rotas entre a França e a Inglaterra.

A equipe data as pinturas aproximadamente de 1270. A hipótese é de que elas possam ter sido encomendadas por Isabella la Blanche, meia-irmã de Henrique III, ou por seu filho Maurice, que tinha raízes francesas.

A descoberta das pinturas da Catedral de Angers em 1980 surpreendeu pela excelente conservação das obras, que resistiram devido a uma série de fatores. Após um incêndio na catedral no século 15, as pinturas passaram por um processo involuntário de revestimento, o que as protegeu da iconoclastia da Reforma Protestante, que visava destruir imagens sacras.

Catedral de Angers, na França — Foto: Wikimedia Commons
Catedral de Angers, na França — Foto: Wikimedia Commons

Além disso, a estrutura de madeira das cadeiras do coro foi construída apenas no século 16, o que acabou ocultando as pinturas durante a Revolução Francesa. Elas foram redescobertas séculos depois, quando um padre da catedral procurava um espaço para armazenamento. A partir dessa descoberta, projetos de documentação começaram, mas inicialmente em preto e branco. Esta é a primeira vez que as gravuras são exibidas com suas cores originais.

(Por Redação Galileu)