No extremo oeste do Mar de Weddell, em uma das regiões mais remotas e inóspitas da Antártida, cientistas que buscavam vestígios do Endurance (o navio do explorador Ernest Shackleton, que naufragou em 1915) se depararam com uma descoberta surpreendente. Sob uma antiga plataforma de gelo de 200 metros de espessura, estavam milhares de ninhos circulares dispostos em padrões estranhamente geométricos.
Com a ajuda de um robô aquático, os oceanógrafos verificaram tratar-se de uma imensa colônia de peixes, organizada com uma precisão quase arquitetônica. Detalhes do achado, descritos como um “fenômeno novo e incomum, capaz de redefinir a compreensão sobre ecossistemas antárticos”, renderam um artigo publicado nessa terça-feira (28) na revista Frontiers in Marine Science.
Acaso revelou um mundo oculto
Essa descoberta ocorreu durante a Expedição ao Mar de Weddell de 2019, organizada logo após o desprendimento do colossal iceberg A68, em 2017. Com cerca de 5.800 km², o bloco se separou da plataforma de gelo Larsen C, abrindo um corredor natural para pesquisa científica em áreas antes inacessíveis.
A bordo do navio de pesquisa polar SA Agulhas II, a equipe operava veículos subaquáticos autônomos (AUVs) e um robô operado remotamente (ROV) para mapear o fundo do mar e procurar pelos destroços do Endurance. Ao registrar imagens de alta definição do leito oceânico, o dispositivo revelou mais de mil ninhos circulares, cuidadosamente limpos de uma espessa camada de detritos de plâncton.
Os ninhos não estavam espalhados aleatoriamente. Havia um padrão, com curvas, grupos e áreas densamente povoadas – quase como se fosse uma vizinhança subaquática. E os construtores desses “bairros” eram ninguém menos do que membros da espécie notie-de-barbatana-amarela (Lindbergichthys nudifrons), conhecida também como “peixe-rocha”.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_fde5cd494fb04473a83fa5fd57ad4542/internal_photos/bs/2025/q/v/vGevE8TOavL4QPE6T05w/fmars-12-1648168-g001.jpg)
Cada ninho parecia ser guardado por um dos pais, que permanecia de vigília sobre os ovos, afastando predadores e mantendo o espaço limpo. Os cientistas acreditam que tal padrão de organização reflete uma sofisticada estratégia de sobrevivência coletiva, assim como também acontece com outros animais.
Segundo a chamada teoria do “rebanho egoísta”, indivíduos localizados no centro de um grupo ganham proteção adicional, enquanto os que ocupam as bordas, e que são geralmente maiores e mais fortes, defendem suas posições com mais vigor. É uma dança entre a cooperação e o instinto de autopreservação.
Do naufrágio à nova vida
Embora a missão de 2019 não tenha encontrado o Endurance (que só foi localizado em 2022, a 3.008 metros de profundidade), a expedição rendeu um dos registros ecológicos mais fascinantes do continente antártico.
O desprendimento do iceberg A68, que expôs áreas antes seladas por gelo durante milênios, possibilitou observar o ecossistema recém-iluminado pela ausência da cobertura glacial. E, com ele, vieram respostas e novas perguntas sobre como a vida se adapta a transformações tão bruscas no ambiente polar.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_fde5cd494fb04473a83fa5fd57ad4542/internal_photos/bs/2025/Y/d/cMFBOqTvG5WBIACii09Q/fmars-12-1648168-g002.jpg)
Para além de uma curiosidade científica, a descoberta levanta alertas urgentes sobre conservação. A região em que os ninhos foram encontrados é classificada como um Ecossistema Marinho Vulnerável. Isso significa que ele é um habitat delicado que desempenha papel crucial na biodiversidade local.
As novas evidências bastam para tornar o espaço uma Área Marinha Protegida no Mar de Weddell, uma proposta que já era debatida há anos por organismos internacionais. “Proteger essa região significa preservar não só pinguins e focas, mas também esses berçários secretos que sustentam toda a cadeia alimentar antártica”, afirmam os cientistas, em comunicado.
(Por Arthur Almeida)


