O estilo aguerrido e as boas atuações nos três primeiros meses no Corinthians fizeram com que Raniele, ex-jogador do Cuiabá, rapidamente caísse nas graças da torcida alvinegra. Porém, bem antes de se tornar um xodó da Fiel, o volante já havia conquistado respeito e admiração em Lagoa do Mamão.

Raniele é o filho mais ilustre do povoado baiano de apenas 2 mil habitantes, localizado na cidade de Baixa Grande, a 252 km da capital Salvador.

Na infância simples, sem luxos, mas também sem passar necessidades, o futebol sempre foi o passatempo predileto dele. Nos campos de terra de Lagoa do Mamão Raniele pegou gosto pelo esporte e desenvolveu seu talento.

Raniele e o irmão Eric na infância no povoado em Lagoa do Mamão — Foto: Arquivo pessoal

Raniele e o irmão Eric na infância no povoado em Lagoa do Mamão — Foto: Arquivo pessoal

No início, era atacante, inspirado no pai, Rubens, que fez fama na várzea, mas não conseguiu seguir a carreira como jogador profissional. Com o passar do tempo, porém, Raniele percebeu que seria melhor recuar.

– Lá eu era um pouquinho acima da média. Só que aí você vai saindo para outros lugares, vão chegando jogadores melhores, com mais capacidade técnica, e você vai para trás. Fui percebendo que eu levava mais vantagem jogando mais recuado. Nunca tive vaidade, o importante era jogar – relembra o jogador, que não se arrepende da decisão:

– Tenho minha capacidade técnica, mas meu negócio é correr, dar carrinho, disputar bola, fazer desarme.

A trajetória no futebol, entretanto, ficou por um triz de ser interrompida precocemente. Desiludido com a falta de oportunidades em times profissionais, Raniele entendeu que era preciso buscar um plano B aos 17 anos, após concluir o Ensino Médio.

– Eu fiz o Enem e consegui uma vaga para estudar Matemática lá no interior da Bahia. Também comecei a fazer um curso de redes de computadores em Feira de Santana.

A escolha pela matemática chama atenção porque Raniele diz que não levava jeito para as disciplinas de exatas. A explicação está no pai do jogador, que até hoje é professor da disciplina.

– Meu pai ensinou a minha mãe, meu irmão, a mim e a minha irmã. É um guerreiro – conta Eric Melo, irmão de Raniele.

Raniele, jogador do Corinthians, ao lado dos irmãos e dos pais — Foto: Arquivo pessoal

Raniele, jogador do Corinthians, ao lado dos irmãos e dos pais — Foto: Arquivo pessoal

Porém, o jogador não chegou a começar a faculdade. Antes de iniciar as aulas, ele recebeu uma nova oportunidade no futebol e seguiu sua peregrinação pelo mundo da bola. Passou por Fernandópolis, Ferroviária, Taubaté, Penapolense, Portuguesa, Jacuipense, Botafogo-SP, Bahia (seu clube de coração) e Avaí antes de chegar ao Cuiabá, clube no qual despertou o interesse do Corinthians.

Espelho

A trajetória de Raniele no futebol serviu por inspirar também o irmão dele, Eric, que é quatro anos mais novo e hoje atua como lateral-esquerdo no Vila Nova, da Série B.

Colocados desde a infância, a dupla troca conselhos, incentivos e elogios.

– Meu irmão não tem dimensão da importância que ele tem para mim. Ele fez uma cirurgia no joelho que deu errado e teve que fazer outras duas operações para corrigir uma lesão. Ele fala que sou referência para ele, mas na real ele que é referência para mim de determinação, porque em momento algum ele abaixou a cabeça – comenta Raniele.

Os irmãos jogadores Raniele e Eric — Foto: Arquivo pessoal

Os irmãos jogadores Raniele e Eric — Foto: Arquivo pessoal

– Eu sempre sonhei em ser jogador, mas o maior sonho que eu realizei foi ver meu irmão realizando o sonho dele. Eu vi tudo o que ele passou, desde quando era pequeno, o quanto ralou, às vezes é inconcebível a ideia de que meu irmão joga no Corinthians. Me inspira muito – conta Eric, que ainda prrosegue:

– Hoje eu tenho a tranquilidade de trabalhar sem tanta pressão. A gente veio do interior da Bahia, numa cidade pobre, uma família. A gente tem o sonho de jogar, mas também tem o peso de querer dar uma vida melhor para minha família. Quando você chega numa Série A, você já consegue mudar a vida das pessoas que estão ao seu redor. Ter o Raniele jogando já me tira um pouco do peso de ter essa obrigação, essa necessidade de mudar a vida deles, porque meu irmão já tem feito isso muito bem. Hoje eu consigo jogar mais pelo sonho, sabe? Ele me dá esse conforto.

Raniele e o irmão Eric, quatro anos mais novo, na escola — Foto: Arquivo pessoal

Raniele e o irmão Eric, quatro anos mais novo, na escola — Foto: Arquivo pessoal

A dupla sonha em um dia dividir o mesmo campo, ainda que em lados opostos. Em tom de brincadeira, Raniele conta que já sugeriu a contratação do irmão para o Corinthians, e Eric brinca:

– Eu fui para lateral justamente pela falta de opções, né? Não tem muito no Brasil, então eu falei: sei fazer isso aqui. Já pensou se o Augusto Melo (presidente do Corinthians) me liga aqui agora? Que benção (risos).

Raniele e o irmão Eric se enfrentam em Lagoa do Mamão, na Bahia — Foto: Arquivo pessoal

Raniele e o irmão Eric se enfrentam em Lagoa do Mamão, na Bahia — Foto: Arquivo pessoal

Após realizar os sonhos dele e da família, Raniele agora mira a conquista de títulos pelo Corinthians e tem um último e ousado objetivo:

– Eu quero muito e sei que vai acontecer, não sei em que momento, uma convocação para a seleção brasileira. Almejo muito, trabalho todos os dias para isso, sei que tem gente na minha frente e que a competição é enorme, mas sei que o Corinthians me aproxima muito de poder realizar esse sonho. Tenho tempo e capacidade para isso. Já jogo no maior clube do Brasil. Se jogar na maior seleção do planeta, vai coroar a minha carreira. (GE)