É a tinta Black 4.0, desenvolvida pelo coletivo Culture Hustle, que é liderado pelo artista britânico Stuart Semple. Ela afirma absorver 99,5% da luz visível e pode ser comprada no site oficial pela bagatela de 137,97 libras esterlinas (R$ 1.028) a garrafinha de 150 mL ou então 597 libras esterlinas (R$ 4.450) o litro. Quem não quiser gastar tanto pode adquirir uma versão anterior, a Black 2.0, por 89,97 libras (R$ 670) a garrafa de 150 mL.
Mas tem um porém: qualquer pessoa no mundo pode comprar essa tinta, menos o artista britânico Anish Kapoor, mundialmente famoso por suas peças em espaços abertos como o Cloud Gate, em Chicago (USA). Os produtos no site até têm um aviso: “Ao adicionar este produto ao seu carrinho, você confirma que não é Anish Kapoor, não tem qualquer afiliação com Anish Kapoor, não está comprando este item em nome de Anish Kapoor ou de um associado de Anish Kapoor. Segundo seu melhor conhecimento, informação e crença, este material não chegará às mãos de Anish Kapoor”.
Então, Anish, se você estiver lendo este texto, saiba que acabou pra você. Mas qual o motivo dessa exclusividade? Bem, para entendermos isso, temos que voltar a 2014.
Foi naquele ano que a empresa Surrey NanoSystems desenvolveu o Vantablack, um revestimento feito com nanotubos de carbono e que foi anunciado como “o material mais escuro do mundo”, sendo capaz de absorver 99,965% da luz visível.
Por ser feito de nanotubos, não era exatamente uma tinta (e também era extremamente complexo de fabricar). Mas foi um sucesso: o Vantablack passou a ser comercializado para aplicações nas áreas de defesa e de exploração espacial. Você pode ver a versão em spray da Vantablack em ação no vídeo abaixo:
Em 2016, a Surrey gerou controvérsia quando foi noticiado que havia cedido ao artista Anish Kapoor exclusividade do uso da Vantablack no campo artístico. Ou seja: no mundo todo, apenas um artista estava autorizado a fazer uso desse material em seus trabalhos. A notícia, claro, não caiu bem no mundo das artes: afinal, não é comum que um único artista monopolize um material. Ainda mais um artista rico.
Em resposta a toda essa polêica, Stuart Semple criou, em janeiro de 2019, uma campanha no Kickstarter para desenvolver uma tinta que superasse a Vantablack e pudesse ser utilizada por todo mundo, a Black 3.0. “Quando Stuart soube que Kapoor era o único artista que podia usar o preto mais preto, ele se sentiu triste, mas também um pouco mal por estar criando cores incríveis e usando-as apenas em seu próprio trabalho. Então, ele começou a compartilhar suas criações de cores na internet com outros artistas”, dizia o texto da campanha.
O projeto levantou 478 mil libras e Semple e seus pupilos conseguiram desenvolver a Black 3.0, que era capaz de absorver entre 98 e 99% da luz visível. Mas seu reinado seria curto: em 2020, a empresa japonesa Koyo Orient Japan lançou a Musou Black, uma tinta acrílica à base de água capaz de absorver 99,4% da luz visível. O produto logo ganhou popularidade.
Isso atiçou Semple, que resolveu atualizar sua própria tinta. Em 2023, ele anunciou a Black 4.0, capaz de absorver 99,5% da luz visível. “Quando ele [Anish Kapoor] tomou aquela cor para si, doeu muito. Desde aquele dia, eu fiquei obcecado em fazer uma tinta melhor e mais escura que a dele. Uma vez, alguém me disse que o rancor não leva a nada bom. Bom, eu tenho notícias pra você”, disse ele nas redes sociais.
(Por Victor Bianchin)