Uma pintura resgatada de uma venda de garagem em Minnesota, nos Estados Unidos, por menos de US$ 50 (cerca de R$ 300, na cotação atual) pode, na verdade, ser uma obra perdida do pintor pós-impressionista holandês Vincent Van Gogh. Se a suspeita for confirmada, isso subiria o valor estimado da peça para quase US$ 15 milhões (R$ 90 milhões).
Elimar, nome do quadro, gravado pelo autor na margem da figura, apresenta um homem com roupas de frio, fumando um cachimbo, que parece amarrar uma rede, em pé na areia de uma praia. Ao contrário das obras mais conhecidas de Van Gogh, esta apresenta cores de tons mais escuros, sem muita saturação.
A busca pelo reconhecimento de autoria é feita pela empresa de ciência de dados LMI Group, que financiou a execução de uma bateria de análises científicas e estilísticas sobre o item. Nesse processo, inclusive, foram empregadas técnicas baseadas em tecnologias de autenticação inovadoras.
De acordo com os porta-vozes da LMI, ouvidos pelo portal Artnet, a palavra “Elimar” faz referência ao nome de um personagem do romance As Duas Baronesas, escrito por Hans Christian Andersen em 1848. A empresa indica ainda que a peça seria uma interpretação do artista de uma outra pintura, Retrato de Niels Gaihede, do dinamarquês Michael Ancher.
Histórico de Elimar
O primeiro registro que se tem sobre Elimar data de 2018, quando o comprador da venda de garagem em Minnesota enviou a obra para uma consulta de autoria no Museu Van Gogh, de Amsterdã, nos Países Baixos. Na ocasião, os seus pesquisadores responderam que, tendo examinado as informações fornecidas, a obra não poderia ser atribuída ao pintor.
O museu é detentor do maior acervo de obras assinadas por Van Gogh que existe. Além disso, a instituição fez valer o nome e se tornou a principal autoridade sobre as suas obras, gerindo um centro de pesquisa e educação focado em preservar o legado do pintor holandês.
Com a negativa sobre a autoria, o proprietário vendeu a pintura em 2019 por uma quantia não revelada à LMI, sediada em Nova York. Desde então, os seus empresários apostaram em formas de identificar características que pudessem comprovar a suspeita de Elimar havia sido pintado por Van Gogh em 1889, perto do fim de sua vida, enquanto ele vivia no asilo Saint-Paul, na França.
Segundo o Wall Street Journal, mais de US$ 30 mil (R$ 180 mil) foram gastos nesse processo, que incluiu análise visual, datação de pigmento, avaliação de DNA e até comparação de letras. Ao final dos trabalhos, a equipe multidisciplinar conseguiu reunir todas as descobertas em um único relatório, publicado online.
Análise detalhada da obra
O primeiro passo na missão de investigação da pintura se baseou em uma análise visual tradicional, na qual a tela foi comparada a obras autênticas conhecidas de Van Gogh – com as quais aparenta compartilhar semelhanças significativas.
A decisão de mostrar o pescador em uma vista de três quartos combinava com a técnica aplicada pelo artista em quatro de seus autorretratos de 1889.
A LMI afirma que, no último ano de sua vida, Van Gogh parou de pintar com suas cores vibrantes de marca registrada e optou por uma paleta mais suave. Neste período, ele também começou a fazer várias reinterpretações de obras encontradas em livros.
Outro teste conseguiu analisar a composição dos pigmentos usados no item, que datam do século 19. Descobriu-se, ainda, que a superfície da peça tinha recebido um esmalte temporário de clara de ovo, uma técnica que Van Gogh era conhecido por aplicar para proteger suas telas enroladas.
Durante a análise, os especialistas encontraram um fio de cabelo humano incrustado na superfície da pintura. Eles, então, aproveitaram a oportunidade para submeter o registro a uma análise de DNA. Assim, confirmaram que o pelo pertencia a um homem provavelmente ruivo – como o pintor holandês.
Finalmente, um método de análise mais experimental envolveu a comparação “matemática” próxima das letras em “Elimar” no canto inferior direito com outras palavras que apareceram em pinturas conhecidas de Van Gogh. Em particular, as letras foram comparadas àquelas que formam “Emile Zola”, gravura presente em Natureza Morta com Bíblia.
Isso aparentemente mostrou semelhanças significativas em certas características das letras, incluindo o comprimento e a largura do traço, o tamanho do contorno e o ângulo. Em alguns trechos, essa correspondência foi calculada em até 94%.
E agora?
“Nossa abordagem para verificar a autoria desta pintura representa um novo padrão de confiança para trazer à luz obras desconhecidas ou esquecidas de artistas importantes”, explica Lawrence Shindell, presidente da LMI Group. “Ao integrar ciência e tecnologia com ferramentas tradicionais de conhecimento, contexto histórico, análise formal e pesquisa de procedência, pretendemos expandir e adaptar os recursos disponíveis para autenticação de arte com base nas propriedades únicas das obras sob nossos cuidados”.
Embora o Museu Van Gogh ainda não tenha comentado sobre as descobertas, a instituição tem um histórico de rejeitar obras autenticadas de forma independente, destaca o site Artnet, que revelou a história. Em 2016, por exemplo, uma especialista no pintor confirmou a autoria de desenhos que ela disse serem de um de seus cadernos, mas teve a sua autenticidade posteriormente denunciada pela equipe do museu.
(Por Arthur Almeida)