Um estudo publicado em setembro no Journal of Eastern Mediterranean Archaeology and Heritage Studies traz evidências de que os egípcios antigos faziam uso regular de ópio. Até agora, a pesquisa é a que apresentou evidências mais claras de que os opiáceos eram amplamente consumidos por diferentes classes sociais no Egito Antigo, com reis e plebeus escolhendo levar a substância para a vida após a morte.
O ópio é uma substância extraída do látex dos frutos imaturos da papoula (Papaver somniferum). Este látex contém alcalóides como morfina, codeína e tebaína, que têm propriedades analgésicas, narcóticas e hipnóticas. Historicamente, essa substância tem sido usada tanto para fins medicinais quanto para usos recreativos ao redor do mundo, em especial na Ásia, no Mediterrâneo e no Oriente Médio.
A revelação veio após pesquisadores encontrarem traços de ópio em um vaso de alabastro egípcio extremamente raro, abrigado na Coleção Babilônica do Museu Peabody da Universidade de Yale, nos EUA. Inscrito com o nome do governante persa Xerxes I, o recipiente é o primeiro a ter o seu conteúdo descoberto por meio de técnicas científicas.
Usando a técnica de cromatografia gasosa com espectrometria de massas, os autores do estudo identificaram cinco biomarcadores diagnósticos para ópio: noscapina, hidrocotarnina, morfina, tebaína e papaverina. A análise dos materiais permitirá que os pesquisadores reconstruam práticas farmacológicas antigas que moldaram a vida diária, os rituais religiosos e os costumes fúnebres.
Não é apenas um vaso
Encontrado em 1912, na França, o vaso pertenceu à civilizações antigas. Mas, não se trata de apenas “mais um” vaso.
O vaso analisado – que tem capacidade para 1,2 L – ostenta inscrições em quatro línguas antigas: acádio, elamita, persa e hieróglifos egípcios. Todas elas declaram Xerxes I, que liderou o Império Persa Aquemênida de 486 a 465 a.C., como “Grande Rei”. O título vem da posição de liderança da figura histórica: neste período o Egito tinha sido incorporado como província persa após a conquista de Cambises II.
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Mas, como esses artefatos e, principalmente, os conteúdos encontrados neles, ficaram preservados por tanto tempo? Vasos desse tipo são compostos por calcita, um mineral que permitiu que os compostos em seus interiores fossem absorvidos e protegidos por milênios. Essa natureza lipofílica (atraída por gordura) dos minerais de calcita os torna repositórios ideais para resíduos orgânicos, sobretudo compostos graxos como os encontrados em preparações de ópio.
Mistério a se desvendar
Descoberto em 1922 por Howard Carter, a tumba de Tutancâmon causou um furor internacional. Para além do mausoléu do imperador, os escavadores também encontraram uma vasta quantidade de vasos de alabastros. Estes recipientes estavam cheios de resíduos orgânicos pegajosos, marrom-escuros que, na época, não foram identificados. Hoje, com o novo estudo, a resolução pode ser outra.
Em comunicado, os autores da pesquisa afirmaram que “este estudo apresenta a evidência abrangente mais clara até o momento de que os opiáceos constituíam uma parte mais ampla da sociedade egípcia antiga”. Então, o que impediria os vasos de Tutancâmon também terem sido preenchidos com ópio?
Dentre os saques feitos à tumba, uma chama a atenção: em uma das duas vezes, o alvo foram as substâncias desses recipientes. Os ladrões transferiram metodicamente os materiais orgânicos para sacos portáteis, raspando o interior dos recipientes manualmente para extrair todos os vestígios.
“Portanto, continua sendo iminentemente possível, se não provável, que pelo menos alguns dos recipientes de fato contivessem opiáceos, como parte de uma antiga tradição egípcia que estamos apenas começando a entender”, observam os autores.
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Frente à descoberta e às suposições quanto aos vasos da tumba de Tutancâmon, os pesquisadores até especulam que vasos de alabastro podem ter se tornado culturalmente sinônimos de consumo de ópio da mesma forma que os narguilés estão associados ao consumo de tabaco.
Essa descoberta e estudos anteriores – como os vestígios de ópio encontrados em jarras de uma tumba em Sedment, ao sul do Cairo – indicam que os opiáceos eram consumidos de maneira ampla e constante, sendo comum tanto entre plebeus quanto entre nobres do Egito Antigo.
(Por Júlia Sardinha)


