Estava em Maceió (AL), onde assisti, estarrecida, a tentativa de golpe à democracia, inicialmente pelo celular, depois pela tevê. Os episódios deploráveis de 8 de Janeiro, em Brasília, passaram pelos meus olhos permeados de sentimentos de tristeza, indignação e medo também. O que foi aquilo? No meu mundo vivido de um lado e por ofício de outro lado, o 8 de janeiro de 2023 superou tudo, surpreendendo até minha (acho) fértil imaginação. Vi extremismo político e manifestação de ódio em tempo nenhum visto.
Confesso que a política e suas repercussões não são minha área favorita no Jornalismo. Nem preferência pessoal. Mas a política esteve do meu lado o tempo todo. Nasci e cresci nesse ambiente porque meu pai Álvaro foi dirigente de uma classe trabalhadora, a dos alfaiates, e representante dela na Câmara de Vereadores de Cuiabá por duas legislaturas, nos anos 1960. Na sequência, com mais idade, acompanhei os fatos políticos do Brasil nas últimas décadas, isso muito reforçado pelo Jornalismo.
Assim, me considero uma cidadã com posição ideológica moldada pela história de vida, com memória política. Sou uma democrata convicta, daí que condenar os atos golpistas de 8 de janeiro, para mim, é um ato de defesa da democracia.
Voltando à data, no almoço daquele dia com meu marido e filha em um restaurante de Maceió, por volta da 1h da tarde, vi pelo celular a movimentação desproporcional daquele povo vestindo a camiseta verde-amarela no sentido da Esplanada dos Ministérios.
Mais tarde, pela tevê, acompanhei as invasões e as depredações mais do que assustada, meio que atordoada. Só conseguia indagar ao meu marido, que via tudo junto comigo, “cadê a polícia?”, “cadê a polícia?”. Foi um dia pavoroso, registrado na minha mente como o pior e o mais triste que testemunhei.
Como lembrou a ex-presidente do STF Rosa Weber, o 8 de janeiro foi um episódio “ultrajante”, insuflado pelo “ódio” contra as instituições.
Na minha linha de tempo pessoal, aos 11 anos ouvi pelo rádio as notícias da revolução de 1964, em Cuiabá. Os 21 anos dos governos militares me alcançaram no ensino médio, na universidade e, depois, já atuando como repórter, em Brasília. Cobri os efeitos da Lei da Anistia (1979) e o Movimento das Diretas Já oriundo da emenda do cuiabano Dante de Oliveira, que culminou com a eleição indireta do primeiro presidente civil Tancredo Neves (1985).
Já repórter em Cuiabá e como correspondente de jornais nacionais em Mato Grosso fiz coberturas jornalísticas da promulgação da Constituição Federal de 1988, das eleições de Fernando Collor de Mello, Fernando Henrique Cardoso e Luís Inácio Lula da Silva. Fora dos veículos de imprensa acompanhei as eleições de Dilma Rousseff, Jair Bolsonaro e Luís Inácio da Silva de novo (terceiro mandato). Nesse tempo passado de eleições presidenciais não vi, quanto aos vitoriosos, reações de violência semelhantes às de 8 de janeiro de 2023.
Para quem tem o viés de progressista foi complicado presenciar o mandato autoritário e desumano do ex-presidente Jair Bolsonaro. Porém, como é do jogo democrático perder ou ganhar, respeitou-se a vontade da maioria que o elegeu e seu tempo foi cumprido de forma integral. Na outra ponta, entretanto, manifestantes ‘patriotas’, seus aliados, promoveram os ataques em 8 de janeiro, “uma investida autoritária, espúria, obscurantista e ultrajante” que, segundo Rosa Weber, foi “insuflada pelo ódio e pela ignorância contra as instituições democráticas”.
Um ano depois, o 8 de janeiro de 2024 me encontrou em Maceió de novo, por motivos pessoais. Mas agora foi esperançoso acompanhar os atos e as mensagens de defesa da democracia brasileira realizados na data, dentro de um cenário diferente de 2023, agora marcado pelo respeito às instituições. Mesmo assim, é preciso ficar alerta ao novo “populismo digital extremista” nas redes sociais, segundo o presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes.
Quanto às autoridades ausentes, aquelas que não participaram ou se manifestaram contra os atos golpistas de 8 de janeiro neste 2024, a exemplo do governador Mauro Mendes, espero que sejam julgadas pela história e pelas eleições futuras, perdendo votos em quantidade.
P.S: Casamos, eu e José Luiz, em 8 de janeiro de 1977, em Cuiabá. Lamento que a data de aniversário do nosso casamento, tão sui generis para nós, fique manchada pelos ataques golpistas do ano passado. Ainda bem que a democracia brasileira segue em brava resistência, está forte tanto quanto nossa união já rumando para as Bodas de Ouro.
*SÔNIA MARIA ZARAMELLA é Jornalista e professora universitária aposentada da UFMT.
Contato: www.facebook.com/sonia.zaramella.16
(Puglicado originalmente no site EhFonte – https://ehfonte.com.br/onde-eu-estava-em-8-de-janeiro-de-2023/)