O recém-eleito presidente do Tribunal de Contas de Mato Grosso (TCE-MT), conselheiro Sérgio Ricardo, para o biênio 2024/2025, destacou em entrevista ao alternativas para revitalizar o Rio Cuiabá. Além de sugerir o plantio de árvores como principal medida para mitigar as mudanças climáticas em Mato Grosso, ele também abordou temas como a proibição da pesca nos rios do Estado e a construção de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) no Rio Cuiabá.
Como líder da Comissão Permanente de Meio Ambiente e Sustentabilidade do TCE, Sérgio Ricardo propôs seguir o exemplo de São Paulo, construindo grandes dutos laterais no Rio Cuiabá para evitar a contaminação. Ele pretende buscar apoio dos municípios no “Projeto Mato Grosso 2050”, que visa o plantio de cinco milhões de árvores anualmente, envolvendo tanto os municípios quanto a iniciativa privada.
Diante da poluição da água em Bonsucesso e Barão de Melgaço, Sérgio Ricardo destacou a contaminação por esgoto nas creches e escolas como uma preocupação urgente.
Em relação à proibição da pesca nos rios, o presidente eleito defendeu a implementação de períodos de descanso para permitir a reprodução das espécies, propondo alternativas que assegurem o sustento do pescador. Uma dessas alternativas é oferecer até três salários mínimos, visando preservar tanto o emprego quanto o ecossistema aquático.
Sobre a construção de PCHs no Rio Cuiabá, Sérgio Ricardo reforçou sua oposição, destacando a abundância de energia solar em Mato Grosso como uma fonte viável e sustentável, tornando desnecessária a utilização de usinas hidrelétricas.
VEJA ABAIXO A ENTREVISTA COMPLETA
VGN – O senhor avalia que o Rio Cuiabá precisa de mais atenção do Poder Público? Na época, era feito um mutirão para limpeza, acredita que falta esse envolvimento da população para conscientização?
Sérgio Ricardo – O Rio Cuiabá clama por apoio do Poder Público, que, infelizmente, ainda não chegou. Ao longo dos anos, a situação do rio tem se deteriorado constantemente. Há uma década, já estava em condições ruins; há duas décadas, em estado péssimo. Infelizmente, a falta de ações impactantes e efetivas persiste.
Observando o cenário global, vemos exemplos como o rio Sena na França, que foi totalmente destruído, demandando 100 anos para recuperação. Em Londres, o Rio Tâmisa enfrentou um destino semelhante, necessitando de um século para ser revitalizado. Em São Paulo, o desafio do Rio Tietê parece insuperável nos próximos 200 anos.
No entanto, há exemplos positivos, como o Rio Pinheiros, também em São Paulo, onde ações notáveis estão sendo implementadas. Canais gigantes nas laterais do rio foram construídos para direcionar a sujeira das cidades diretamente para uma estação de tratamento, evitando a contaminação do rio.
No caso do Rio Cuiabá, a solução é clara: implementar grandes dutos laterais, evitando que qualquer tipo de sujeira alcance suas águas. Essa ação é crucial para preservar e recuperar o Rio Cuiabá.
VGN – O senhor avalia que falta mais ações para conscientização?
Sérgio Ricardo – A conscientização da população é evidente, porém, a questão crucial é: qual será o papel da população diante desse cenário? Embora esteja consciente de não despejar resíduos, a responsabilidade de lidar com o esgoto doméstico é do Poder Público. É vital que a população se abstenha de descartar plásticos, sujeira, resíduos de móveis e veículos, incluindo pneus, nos rios e suas margens. Contudo, a coleta de lixo das ruas é uma função primordial do Poder Público. Nesse sentido, é essencial que todos estejam cientes e ajam, mas é crucial que o Poder Público desempenhe seu papel preponderante na gestão adequada dos resíduos.
VGN – A Prefeitura de Barão de Melgaço decretou situação de emergência por causa da contaminação na rede de abastecimento de água do município, o que o senhor pensa disso?
Sérgio Ricardo – A situação é extremamente preocupante; Barão de Melgaço é um exemplo claro. O Tribunal de Contas tomou medidas, realizando uma análise da água na região. O resultado é alarmante: a água nas creches e escolas não é própria para consumo, está contaminada com esgoto. Diante disso, a Prefeitura de Barão de Melgaço declarou estado de emergência. Para enfrentar essa crise, o Governo do Estado iniciará obras urgentes, incluindo a construção de uma Estação de Tratamento de Água (ETA). A magnitude do problema exige ação imediata para salvaguardar a saúde e bem-estar da população
VGN – A praia no Distrito Bonsucesso e comunidade São Gonçalo, em Várzea Grande foram classificadaa pela Sema-MT como inapropriadas para banho. Segundo a Sema, a água está contaminada, qual opinião do senhor sobre a situação, considerando que a região vive do turismo?
Sérgio Ricardo – Como jornalista, deputado e ambientalista com longa experiência, a situação em Bonsucesso e Barão de Melgaço é alarmante. Num cenário em que sete, em cada dez empregos globais são gerados pelo turismo, Mato Grosso enfrenta a grave questão da poluição da água, comprometendo o potencial turístico. A falta de tratamento de esgoto em Várzea Grande e Cuiabá, desaguando no Rio Cuiabá, está contribuindo para a degradação do Pantanal, resultando em lixo e água poluída. Esta é uma emergência ambiental que afeta não apenas o ecossistema, mas também a saúde pública, pois muitos dependem da água do Rio Cuiabá.
A gravidade da situação exige a identificação e punição dos responsáveis. Ações concretas, não apenas diálogo, são cruciais. A cobrança de taxas dos usuários negligentes, sejam indústrias, empresas ou a população, é uma medida necessária. No caso da população, é imperativo que o Poder Público assuma a responsabilidade e implemente as medidas essenciais para reverter essa crise ambiental e de saúde pública.
VGN – Tivemos recorde de calor neste ano, como é possível contribuir para mudar essa realidade? O senhor, em outras ocasiões, já chamou atenção para urgência nas ações de contenção das mudanças climáticas. O senhor pode falar sobre essa situação?
Sérgio Ricardo – A ONU faz um trabalho visando o mundo 2030, aqui no Tribunal de Contas, temos um projeto “Mato Grosso 2050”. Desenvolvemos aqui, o projeto Mato Grosso 2050, que é exatamente formas de combater as mudanças climáticas, os grandes focos de calor. Uma das nossas medidas que já propusemos é o plantio de cinco milhões de árvores por ano. E como é que é a nossa proposta? Inclusive já encaminhamos um ofício aos 141 municípios. Em qual sentido? Que cada município plante por ano, uma árvore por habitante. Então, Mato Grosso tem 3, 6 milhões de habitantes. Então, os municípios se responsabilizam por plantar 3,6 milhões de árvores por ano. Para completar cinco milhões, a iniciativa privada, as grandes empresas podem ajudar a plantar. Plantar dentro das cidades, nos canteiros centrais.
Cuiabá tem grandes avenidas e não tem nenhuma árvore plantada. Não adianta plantar coqueirinho nas avenidas. Veja aqui na região do Coxipó, essas novas estradas que saíram aqui, avenidas, onde se plantou coqueiros, todos eles estão mortos, não sobrevivem. Tem que plantar Ipê e árvores nativas, que fazem sombra. Só tem um jeito de diminuir o calor, é com árvore, é com árvore. Não tem outro jeito. Não dá para colocar um ventilador no mundo, um ventilador aqui. Temos que plantar árvores.
O Tribunal de Contas está discutindo Mato Grosso para 2050. E 2050 é o plantio de cinco milhões de árvores por ano. Se cada Prefeitura plantar no seu município, todo ano, uma árvore por habitante. Escolher os locais, as grandes avenidas que estão sendo abertas em Mato Grosso, as áreas que estão degradadas. Então, não adianta, temos que plantar árvores, não tem outro jeito. O mundo vai continuar esquentando.
Outra sugestão que dou: é que todas as instituições públicas comecem a utilizar carro com etanol, Mato Grosso produz etanol, produz 10 vezes mais combustível do que utiliza hoje. O nosso etanol é exportado, é mandado para fora e instituições públicas podem passar a usar veículos apenas com combustível verde. Então, são várias medidas que todas as instituições podem, e que cada ser humano pode contribuir. Então, são muitas medidas. Mas a imediato, é o plantio de árvores.
VGN – A Comissão Permanente de Meio Ambiente e Sustentabilidade do TCE, na qual o senhor preside, também orientou sobre a necessidade de adequação e cumprimento do Marco Regulatório do Saneamento Básico. Reuniões foram feitas com os municípios, incluindo o Consórcio de prefeitos da Baixada Cuiabana. Gostaria de saber se já foram apresentados alguns resultados?
Sérgio Ricardo – O novo Marco Regulatório do Saneamento básico é a lei. Portanto, todos os lixões estão proibidos. Se o prefeito mantiver lixão, ele vai sofrer ação penal por degradação, por crime ambiental. E nós não queremos isso. Por isso, estamos nos reunindo permanentemente. Tribunal de Contas, Ministério Público do Estado de Mato Grosso e as Prefeituras, felizmente os resultados estão acontecendo. Já fizemos várias reuniões, por exemplo, Alta Floresta vai construir o seu aterro sanitário que vai servir a vários municípios da região. Rondonópolis vai construir o seu aterro sanitário legalizado, com autorização para coletar o lixo de uns 15 municípios. Fizemos aqui da Baixada Cuiabana já uma reunião com todos os prefeitos e todas as Prefeituras dessas regiões estão se organizando em consórcio.
Uma cidade faz o aterro sanitário, as outras cidades levam o seu lixo para lá. Já temos o aterro sanitário em Cuiabá, então, a região de Chapada Guimarães, Várzea Grande, Santo Antônio, Barão de Melgaço, eles vão pegar o seu lixo, o seu resíduo sólido e vão trazer para esse aterro sanitário. Então, a organização vai ser ainda um pouco demorada, mas ela já está existindo. Todos os prefeitos concordam, estão contribuindo com a compreensão. O Tribunal de Contas, que é uma instituição, que precisa cobrar a implementação do Novo Marco Regulatório está cobrando, o Ministério Público está cobrando e nós estamos trabalhando em conjunto para ajudar as Prefeituras. Então, essa também já é uma realidade que com ações de todas as instituições ela está sendo implementada e o Novo Marco Regulatório vai ser atendido, que é uma lei, e como lei ela tem que ser cumprida. O Tribunal de Contas está auxiliando na busca dessas soluções.
VGN – Ainda sobre esse assunto do Novo Marco Regulatório, ficou acordado algum compromisso para o Governo do Estado, em relação aos caminhões para o transporte dos resíduos?
Sérgio Ricardo – O Governo do Estado tem demonstrado, através da Sinfra, uma boa vontade muito grande e sim, eles vão auxiliar, o Governo vai auxiliar tanto ajudando a construir as estações de transbordo, na doação de caminhões para fazer esse transporte de máquinas para trabalhar os resíduos só no município. Então, o Governo do Estado já declarou que tem recursos, que tem condição e tem vontade. Então, todas as instituições estão muito envolvidas nisso, estão, com boa vontade. Então, é por isso que isso vai acontecer.
VGN – Como o TCE pode ajudar os municípios, especialmente em ações voltadas à sustentabilidade, preservação dos biomas, como o Cerrado, Pantanal, Amazônia?
Sérgio Ricardo – Primeiro: todos os municípios têm que se conscientizar -. Se conscientizar em que sentido? Não desmatar quem não pode desmatar. Não desmatar mais do que a área que é permitida. Nós somos o único lugar do mundo que tem três ecossistemas, Pantanal, Cerrado e Amazônia, então, todos têm que se conscientizar, de produzir na área que é permitido produzir, dentro das normas. Hoje tudo tem lei, lei do agrotóxico, lei do descarte, daquele material que tem o agrotóxico. Então, você não pode ir jogando na lavoura, na rua, no rio, as embalagens de agrotóxico. Há necessidade e a obrigatoriedade do desenvolvimento sustentável. Mato Grosso vai continuar crescendo, precisa continuar crescendo, mas cada vez mais preocupado com o Meio Ambiente, cada vez mais preocupado com a sustentabilidade. A Comissão de Meio Ambiente do Tribunal de Contas prega o crescimento, o desenvolvimento, a produtividade com responsabilidade, seja na área da agricultura, na área da pecuária, na área do garimpo, tudo tem que ser com sustentabilidade e em obediência a lei. Quem não obedece a lei vai ser multado, vai sofrer as penalidades da lei, então, todos tem que ser responsáveis, todos tem que ter responsabilidade.
VGN – O senhor já fez apontamento ao Governo do Estado sobre execução de políticas públicas em benefício do meio ambiente?
Sérgio Ricardo – Diariamente temos orientado, temos solicitado, temos apontado, inclusive essa própria questão dos grandes lixões, do Marco Regulatório, em todas as reuniões convocamos aqui o Governo do Estado, que venha através da Sinfra, que venha através das Secretarias do Meio Ambiente, do Turismo, de Infraestrutura. Estamos trabalhando em conjunto, as reuniões são em conjunto, então, hoje há um convencimento de todas as instituições da necessidade, ninguém foge à responsabilidade, então, as instituições estão todas unidas, para que as leis sejam seguidas, para que tenhamos desenvolvimento sustentável no Estado de Mato Grosso.
VGN – Ainda na questão de saneamento básico de Várzea Grande, o senhor avalia que o município tem feito ações para cumprir o marco regulatório? Considera que a atual gestão tem feito avanços?
Sérgio Ricardo – Eu não tenho conhecimento. Ouvimos, que temos problemas na água, que existem problemas no tratamento de esgoto, um baixo percentual de tratamento de esgoto. Então, aguardamos. A gestão de Várzea Grande precisa fazer a sua parte, porque a população espera, tanto de Cuiabá como de Várzea Grande. As duas cidades precisam aumentar o tratamento de esgoto tanto em Cuiabá como em Várzea Grande, são as maiores cidades de Mato Grosso, e precisam investir.
VGN – Tramita na Assembleia Legislativa um projeto que já é criticado por ambientalistas sobre realocação de reserva legal dentro de imóveis rurais para extração de minerais. O que representa esse tipo de projeto?
Sérgio Ricardo – Eles têm que seguir a determinação legal. O que a lei determina, o que a lei permite, está permitido. Porém, eu vejo com muitas reservas todo tipo de ação que degrade o Meio Ambiente. Somos conhecidos no mundo inteiro como degradadores, como desmatadores, como aqueles que fazem queimadas na Amazônia, aqueles que desmatam a Amazônia. O Brasil tem, e Mato Grosso muito mais ainda, tem que mudar essa imagem que temos. Uma imagem de que degradamos, que destruímos. Temos que mudar essa imagem. Mato Grosso tem que continuar produzindo, mas tem que cuidar mais e preservar mais, porque ainda não é suficiente. Tanto que continuamos como campeões em queimada, campeões em desmatamento. Então eu sou muito legalista. Entendo que nós temos que devolver aquilo que já destruímos. E é por isso que a gente propõe o plantio de cinco milhões de árvores por ano.
VGN – Qual a opinião do senhor sobre construção de usinas no rio Cuiabá?
Sérgio Ricardo – Eu sou contra a degradação, por exemplo, sou contra a construção de usina no Rio Cuiabá, que é uma coisa muito séria ainda. Um Estado onde a gente tem energia solar, onde temos sol o ano todo. Eu não vejo nenhuma necessidade de você implementar usina hidrelétrica, que precisa fazer barragem, tem que mudar curso do rio, tem que mudar a vida de reprodução das espécies. Nós aqui, podemos perfeitamente utilizar todo o potencial do sol, a gente pode utilizar para gerar energia. Não tem necessidade de usina hidrelétrica. Eu vejo assim, que tudo aquilo que degrada, tem que ser analisado, pensado, analisado pelas instituições ambientais, pelas instituições, pela Justiça. O que não podemos, de maneira nenhuma, nunca, é contrariar a legislação. De maneira nenhuma. O que a lei permite, está permitido.
VGN – O senhor é contra a presença dos pescadores no Rio Cuiabá? O que o senhor acha da proibição da pesca?
Sérgio Ricardo – Não, veja, eu penso assim: quem vive da pesca como que vai ficar? Não pode ficar desempregado. O Estado brasileiro tem que criar projetos para que aquele que depende da pesca sobreviva. Eu entendo que há necessidade de se preservar, de dar a oportunidade da reprodução dos peixes. Hoje os nossos rios estão sem peixes, eu entendo que há necessidade de se discutir um marco, um tratado, eu entendo assim, um tratado de reprodução, de cuidado, de repovoamento. Temos que discutir um tratado. Muito bem. Como que faz? E aquele que vive da pesca? Eu entendo que o pescador deva receber não esse salário de fome, esse salário de miséria, que no período de Piracema, isso não dá para ele sobreviver, não dá para ele se alimentar, não dá para ter qualidade de vida, não dá para dar escola aos filhos, não dá para morar com dignidade.
Então, assim, eu entendo que tem que se discutir com as colônias de pescadores, com as associações, com os Sindicatos, com as comunidades ribeirinhas, discutir uma forma, discutir com os pescadores o que precisam para ficarem cinco anos sem pescar? De qual salário? De qual estrutura precisam? O que não pode é do dia para a noite proibir o pescador de pescar, acabar com a fonte de rendimento dele e não dar nenhuma alternativa. Mas, eu entendo que há necessidade do rio ter um tempo, de dar um tempo para o rio, para as espécies se reproduzirem, para que o rio volte a ter aquela fartura tinha.
Na minha opinião, não basta apenas aquele período de Piracema, não basta apenas o período proibitivo da pesca do dourado, eu entendo que temos que fazer um projeto muito além disso, mas preservando duas coisas, preservando o emprego, a vida do pescador, e preservando o rio para que ele possa voltar a se repovoar novamente. Então, temos duas questões que têm que ser tratadas com muita atenção, a vida e a sobrevivência, a qualidade de vida do pescador e a possibilidade do rio ter um suspiro, ter um tempo para se repovoar e para que as espécies possam se reproduzir.
(Adriana Assunção/VGN)