Pesquisadores do Museu de Bergen, na Noruega, resolveram revisitar Myklebustgarden, um sítio de escavações viking, quase 150 anos desde a primeira vez que ele foi explorado. E a visita revelou que um arqueólogo deixou uma espécie de cápsula do tempo enterrada no local. O material, que consiste em uma carta, cinco moedas e um cartão de visita, foi encontrado dentro de uma garrafa de vidro.
De acordo com um comunicado publicado pela autoridade, o profissional responsável pela surpresa chamava-se Anders Lorange. Ele foi o primeiro conservador contratado pelo Museu de Bergen, em 1874, e possui em seu currículo o impressionante achado de Myklebust – o maior navio viking já desenterrado, com quase 30 metros de comprimento.
Estima-se que a embarcação tenha sido queimada como parte de um elaborado ritual funerário por volta de 860 d.C. Sua localização de repouso final reside na costa de Nordfjordeid, no oeste do país; exatamente onde Lorange depositou a garrafa de vidro.
Durante as escavações coordenadas pelo arqueólogo, apenas metade do sítio foi estudado. E, devido à descoberta de outros barcos melhor preservados, acabou sendo deixado de lado durante anos. Tanto é, que foi somente em 2019 que o monte voltou a sofrer intervenções pelos especialistas, na esperança de colocar Myklebust na lista de candidatos a reconhecimento como Patrimônio Mundial da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).
Relatório de descobertas
A carta deixada por Lorange dentro da garrafa de vidro dá uma visão geral e formal do processo de escavação no sítio, com dados como sua data, seu conteúdo e objetivo. “O monte é construído sobre homens caídos. Eles foram enterrados em seu navio com suas armas”, dizia a nota.
Em outros pontos da carta, no entanto, o arqueólogo foi menos preciso. O número de escudos vikings que Lorange lista, por exemplo, está errado. A revisão do sítio apontou para a existência de 44 desses itens, enquanto o arqueólogo descreve apenas 26 deles.
Outro ponto que chamou a atenção dos novos especialistas foi que o arqueólogo não citou no relatório a presença de um vaso de bronze do século 8. Segundo eles, essa é a descoberta mais notável do navio, e provavelmente trata-se de um fruto de saque a uma igreja ou mosteiro da Irlanda.
“Isso nos diz que, embora Lorange fosse o arqueólogo do Museu, ele não foi quem fez o trabalho de escavação propriamente dito. Os trabalhadores agrícolas locais provavelmente foram os responsáveis por isso”, sugere Morten Ramstad, líder do projeto. “Por isso, ele provavelmente não tinha uma visão geral completa quando colocou a nota na garrafa”.
Declaração de amor
Além da carta e das moedas, a equipe de investigação identificou na garrafa de vidro um cartão de visita do próprio Lorange. Onde deveriam constar apenas o seu nome e seus dados profissionais, um escrito codificado em tinta se destaca.
Pesquisadores especialistas em runas antigas tentaram traduzir a nota. Porém, tiveram bastante dificuldade. Até eles perceberem que, na verdade, Lorange não sabia escrever nesse dialeto, ele só havia substituído cada letra do alfabeto norueguês pelo alfabeto rúnico.
Com isso, a frase escrita formava: “Emma Gade, minha namorada”. Era uma declaração de amor para a mulher que, anos depois, em 1877, viria a se tornar a sua esposa.
É curioso lembrar que Lorange parecia ser um romântico de gestos grandiosos, pois não é a primeira vez que uma declaração de amor feita por ele foi encontrada em sítios explorados ao longo de sua carreira. Durante uma escavação em Raknehaugen, no ano de 1939, cientistas também encontraram uma nota dedicada a uma mulher. No caso, era Ingeborg Heftye, que, de acordo com os registros, casou-se com outra pessoa.
Cápsula do tempo
“É incrivelmente emocionante e surpreendente encontrar uma cápsula do tempo com uma saudação de 150 anos do nosso primeiro arqueólogo”, destaca Margareth Hagen, reitora da Universidade de Bergen. “Tais acontecimentos dizem muito sobre a longa tradição científica da qual fazemos parte”.
Os itens deixados por Lorange, bem como os achados escavados de Myklebust serão exibidos juntos em uma exposição no Museu de Bergen para celebrar o 200º aniversário da instituição. As peças deverão ser abertas ao público em 2025.
(Redação Galileu)22