A partir de dados coletados pelo rover chinês Zhurong, que viajou pela superfície de Marte entre maio de 2021 e maio de 2022, pesquisadores identificaram evidências do que parecem ser praias arenosas da costa de um grande oceano antigo. Essas orlas podem ter existido nas planícies do norte do território marciano há 3,5 a 4 bilhões de anos, quando o planeta possuía atmosfera espessa e clima quente.
Durante o seu trajeto de 1,9 km, o equipamento de exploração utilizou-se de um potente radar de penetração no solo (GPR) para sondar até 80 metros abaixo da superfície. Além de identificar objetos subterrâneos, como canos e utilidades, ele também serve para apontar características irregulares no terreno, como limites entre camadas de rocha ou sepulturas não marcadas.
Foi assim que as imagens do radar mostraram camadas espessas de material apontando para cima, em um ângulo de cerca de 15° – quase idêntico aos depósitos de praia da Terra. Por aqui, uma formação com essas teria levado milhões de anos para se moldar, o que sugere que Marte tinha um corpo de água de longa duração com ação de ondas para distribuir tais sedimentos.
O radar também foi capaz de determinar o tamanho das partículas nessas camadas, que combinavam com o da areia. Os resultados encontrados pelos pesquisadores foram descritos em um artigo publicado na segunda-feira (24) na revista Proceedings of the National Academy of Sciences.
Oceano Deuteronilus
De acordo com os autores do projeto, praias implicam na existência de um grande oceano sem gelo em Marte. Eles também sugerem que havia uma rede de rios que despejavam sedimentos no oceano, que acabavam distribuídos por ondas ao longo das praias.
“A presença desses depósitos requer que uma boa faixa do planeta, pelo menos, tenha sido hidrologicamente ativa por um período prolongado para fornecer a essa crescente linha costeira água, sedimentos e potencialmente nutrientes”, explica Benjamin Cardenas, coautor do estudo, em comunicado. “As linhas costeiras são ótimos locais para procurar evidências de vida”.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_fde5cd494fb04473a83fa5fd57ad4542/internal_photos/bs/2024/7/J/iOAxm6SjuS9WBKRqENAQ/nasa-new-insights-into.jpg)
Imagens feitas pela sonda Viking na década de 1970 já tinham levado à especulação de que um oceano teria existido em Marte; o mar hipotético recebeu o nome de Deuteronilus. Ele provavelmente teria existido em uma época na qual o planeta tinha uma atmosfera mais densa que podia reter calor e, portanto, havia como manter água líquida na superfície.
Os registros demonstram o que parecia ser uma linha costeira ao redor de uma grande parte do hemisfério norte de Marte e uma depressão que poderia ser um antigo leito marinho. No entanto, a linha costeira era tão irregular, com altos e baixos de até 10 km, que os cientistas planetários duvidaram desse cenário.
No entanto, missões subsequentes forneceram evidências de que, embora grande parte da água do planeta provavelmente tenha escapado para o espaço junto com a atmosfera de Marte à medida que o planeta esfriava, grande parte provavelmente também foi para o subsolo. Isso tanto como gelo quanto combinada com rochas para formar novos minerais.
Oportunidade de investigação
“A Utopia Planitia do sul, onde Zhurong pousou em 15 de maio de 2021, é uma das maiores bacias de impacto em Marte e há muito tempo se supõe que já tenha contido um oceano antigo”, afirma Hai Liu, que colabora com o projeto. “Estudar esta área fornece uma oportunidade única para investigar se grandes corpos d’água já existiram nas terras baixas do norte de Marte e para entender a história climática do planeta”.
Em 2007, outros pesquisadores já tinham proposto uma teoria para explicar como a linha costeira irregular de hoje poderia ter sido criada por um oceano. Com base em modelagem computacional, eles argumentaram que a enorme região vulcânica do planeta, Tharsis, que contém os maiores vulcões do sistema solar, alterou a rotação do planeta depois que ele se formou há cerca de 3,7 bilhões de anos, tornando a linha costeira nivelada irregular.
Tal hipótese foi revisada em 2017, quando se sugeriu que a rotação de Marte realmente mudou enquanto a protuberância de Tharsis se formava, começando há cerca de 4 bilhões de anos. Desta forma, o que costumava ser plano, deixou de ser.
Por meio da intersecção deste estudo mais antigo com os novos dados, confirmou-se que o material era similar ao de praias arenosas, inclinadas ao longo de um oceano. “A areia que está nessas praias vinha dos rios, e então era transportada pelas correntes no oceano”, pondera o especialista Michael Manga.
Em janeiro de 2025, outros pesquisadores relataram evidências de ondulações em rochas sedimentares no fundo da Cratera Gale, o local de pouso do rover Curiosity da Nasa, sugerindo a presença de corpos de água líquida há muito desaparecidos, sem gelo cobrindo a superfície. O rover Perseverance também encontrou evidências de um delta de rio na cratera Jezero, a 2.400 km do local de pouso de Zhurong. Mas acredita-se que ambas as crateras eram lagos, não oceanos.
“Para fazer ondulações por ondas, você precisa ter um lago sem gelo. Agora estamos dizendo que temos um oceano sem gelo. E em vez de ondulações, estamos vendo praias”, diz Manga.
Os aproximadamente 10 metros de material sobreposto aos depósitos da praia provavelmente foram depositados por tempestades de poeira, material jogado fora por impactos de asteroides ou erupções vulcânicas ao longo dos bilhões de anos desde que o oceano desapareceu.
“Esses depósitos de linha costeira fotografados estão imaculados, ainda no subsolo” conclui Cardenas. “Houve muito trabalho na linha costeira feito, mas é sempre um desafio saber como os últimos 3,5 bilhões de anos de erosão em Marte podem ter alterado ou apagado completamente as evidências de um oceano. Mas não com esses depósitos. Este é um conjunto de dados muito único”.
(Por Arthur Almeida)