Um estudo inédito desenvolvido por uma equipe internacional revela que, há cerca de 2 mil anos, gêmeos fraternos (um menino e uma menina) foram enterrados um de frente para o outro em um cemitério na atual Croácia. Embora ainda não se saiba a causa exata dos óbitos, os especialistas trabalham com a hipótese central de envenenamento por chumbo ou de desnutrição.

Detalhes dos achados foram descritos em um artigo publicado no dia 1° de maio no Journal of Archaeological Science. “Trata-se de um dos poucos sepultamentos duplos conhecidos na Croácia, e o único enterro duplo de indivíduos tão jovens neste cemitério em específico”, indica Anna Osterholtz, coautora do projeto, em entrevista à Live Science.

Identificação dos enterros

O cemitério da Croácia foi inicialmente escavado em 2016, quando a construção de um estacionamento revelou um punhado de urnas antigas. A região fica na moderna cidade de Trogir, onde, outrora, estava Tragúrio. Considerada Patrimônio Mundial da UNESCO, a área foi incorporada à província romana da Ilíria após a guerra civil do imperador Júlio César em 47 a.C.

Por ali, diversos achados foram identificados, sendo aquele que mais chamou a atenção dos especialistas o funeral dos bebês. A investigação da cova dos recém-nascidos revelou que eles foram enterrados em algum momento entre o final do século 1 e o final do século 2 d.C.

Por meio de uma análise de DNA antigo (aDNA), os pesquisadores concluíram que as crianças eram gêmeos fraternos nascidos mortos ou que faleceram até dois meses depois dos partos. “Essa postura de sepultamento dos gêmeos [em que um olha para o outro] sugere que eles eram importantes para a família, e, não à toa, foram enterrados com muito cuidado”, explica Osterholtz. “Este é o primeiro caso de gêmeos fraternos do período romano na Croácia confirmado por avaliação de DNA”.

Causa da morte

Os dois indivíduos apresentam sinais de doença metabólica crônica, ou seja, condições de saúde graves. Geralmente, esses quadros são causados por algum tipo de deficiência nutricional (como escorbuto ou raquitismo) ou pela incapacidade do corpo de absorver os alimentos.

Considerando a idade dos gêmeos, sua nutrição teria vindo inteiramente da mãe – pela placenta, quando no útero, e pelo leite, após o nascimento. Portanto, é possível que suas doenças metabólicas refletissem a saúde precária da mãe, que provavelmente enfrentava um cenário de fome.

Outra hipótese é que os gêmeos morreram de envenenamento por chumbo. A substância era muito difundida no mundo romano, sendo comum de se encontrar em cachimbos e utensílios de cozinha. Um composto de chumbo era até usado como adoçante em vinho e como conservante em frutas.

Formação óssea patológica e aumento da porosidade identificados nos indivíduos gêmeos — Foto: Anna Osterholtz et al.
Formação óssea patológica e aumento da porosidade identificados nos indivíduos gêmeos — Foto: Anna Osterholtz et al.

Além disso, as condições esqueléticas dos gêmeos se revelaram condizentes com os efeitos da exposição ao chumbo. Isso inclui, por exemplo, o aumento da porosidade óssea e reações periosteais, ou formação de novos ossos que ocorre quando ossos enfraquecidos pelo envenenamento por chumbo são fraturados.

A exposição através do leite materno é também uma possível causa de níveis elevados de chumbo no sangue de bebês. Existe ainda uma correlação conhecida entre altos níveis do metal no sangue e doenças ósseas metabólicas em crianças.

Por mais que os autores não tenham testado diretamente os restos mortais dos gêmeos para o chumbo, eles destacaram vários casos de distúrbios metabólicos em crianças da era romana com altos níveis de chumbo nos dentes. Alguns desses restos mortais foram, inclusive, encontrados perto de Tragúrio.

(Por Arthur Almeida)