Auditores Fiscais do Trabalho resgataram 586 trabalhadores em Pouso Alegre do Norte/MT em julho, após incêndio no alojamento do canteiro de obras de uma usina de etanol, indenizações e notificações para cumprimento da legislação trabalhista chegaram a R$ 7,7 milhões.
Auditores fiscais do Trabalho do Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM) e da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego no Mato Grosso (MT) resgataram 586 trabalhadores de condições análogas à escravidão em ação fiscal iniciada dia 20 de julho de 2025 em um canteiro de obras de uma usina de etanol em Porto Alegre do Norte/MT. A Inspeção do Trabalho tomou conhecimento do caso após um incêndio no alojamento dos trabalhadores. Os procedimentos de resgate e de fiscalização trabalhistas foram concluídos nesta terça-feira (7/10). A fiscalização contou com a participação do Ministério Público do Trabalho e da Polícia Federal.
Os trabalhadores foram resgatados em razão das condições degradantes de trabalho e de jornadas exaustivas nas diversas atividades do canteiro de obras. Os trabalhadores eram oriundos de várias partes do país, tendo sido aliciados principalmente nos estados do Maranhão (70%), Piauí (9%), Mato Grosso (8%), Pará (6%) e Ceará (2%).
Segundo a coordenadora da operação, a auditora fiscal do trabalho Flora Pereira, “essa foi uma das ações mais complexas dos últimos anos não apenas pelo número de vítimas envolvidas, mas pelas condições de informalidade de todas as etapas do contrato de trabalho, desde a contratação até o pagamento de horas extras e até na demissão, onde a empresa demitiu por justa causa sem provas trabalhadores acusados de terem ateado fogo nos alojamentos e incitado uma revolta entre os colegas”.

Apesar da inspeção no canteiro de obras ter ocorrido após o incêndio nos alojamentos, a equipe de fiscalização conseguiu ouvir trabalhadores que ainda aguardavam a rescisão dos contratos para voltarem para suas cidades de origem. Quatro auditores fiscais do trabalho estiveram em contato nos últimos dois meses com dezenas trabalhadores que haviam deixado o canteiro de obras antes da visita ao local.
Com isso, foi possível identificar que 71 deles também foram vítimas de trabalho análogo à escravidão, uma vez que a empresa deixou de prestar as informações necessárias quando solicitada.
Os alojamentos eram superlotados e localizados no canteiro de obras e apresentava constantes falta de água e energia elétrica. Vídeos dos trabalhadores mostraram que camas de beliches despencando do meio da noite em cima de trabalhadores em razão do tempo de uso do material.
Ventiladores não eram suficientes para amenizar o calor dos quartos de alojamento. Na última ocasião de falta de água para os mais de 500 trabalhadores alojados, a empresa encheu as caixas d’água com caminhões pipa com água diretamente do rio e sem qualquer tratamento.
No dia do incêndio, a polícia militar chegou antes do corpo de bombeiros, ameaçando os trabalhadores e disparando bala tiros de bala de borracha. Alguns foram levas para a delegacia de polícia da região, chegaram a ficar detidos por 3 dias e foram liberados. Trabalhadores foram obrigados a mostrar para as autoridades policiais conversas no celular para comprovar não envolvimento no incêndio. Muitos perderam todos seus pertences no incêndio. A empresa então demitiu 17 trabalhadores por justa causa e se recusava a demitir aqueles que desejavam voltar para suas cidades de origem, os quais tiveram que pedir demissão e a abrirem mão de direitos trabalhistas, pois estavam sem documentos e condições de continuar trabalhando. Trabalhadores ficaram hospedados em casas ou em um ginásio da cidade esperando trâmites da empresa para serem dispensados.
A Inspeção do Trabalho notificou a empresa a pagar uma indenização pela perda dos pertences dos trabalhadores no incêndio e a retificar todas as dispensas por justa causa não comprovadas.
Jornada de Trabalho não declarada, o “ponto 2” chamado pelos trabalhadores
Em auditoria aos sistemas de controle de jornada, a Inspeção do Trabalho detectou que as horas extras eram computadas em um controle clandestino, pois a prática extrapolava os limites da legislação trabalhista. A sistemática de pagamentos extraoficiais (inclusive por meio de cheques) buscava sonegar obrigações da própria empresa e negar direitos dos trabalhadores. Auditores fiscais do trabalho identificaram um total de R$ 3,9 milhões em verbas trabalhistas sonegadas entre fevereiro de 2024 e julho de 2025, decorrente da jornada não declarada, dentre elas: FGTS, reflexos sobre verbas salariais, como 13º salário, férias, descanso semanal remunerado, além de prejuízos previdenciários.
Dentre a fraude em jornadas de trabalho, constatou-se que 36 trabalhadores estavam submetidos a jornadas exaustivas de trabalho, que é toda forma de trabalho, de natureza física ou mental que, por sua extensão ou por sua intensidade, acarreta violações de direitos fundamentais dos trabalhadores, principalmente os relacionados a saúde e segurança, convívio familiar e social.
Os depoimentos colhidos materializam a rotina de exaustão, pintando um quadro claro, consistente e aviltante da intensidade e extensão da jornada imposta a diferentes funções: um operador de máquinas declarou trabalhar “das 6h às 19h, com uma hora de intervalo, de segunda a sábado, e aos domingos das 6h ao meio-dia”, um motorista relatou uma jornada “das 6h às 18h, com uma hora de almoço, de segunda a sábado, e em dois domingos por mês, das 6h às 12h”. A jornada de trabalho mais severa foi descrita por um motorista “iniciava às 05h e encerrava às 20h/21h, com 1h de intervalo para almoço, de segunda a sábado; e aos domingos, trabalhava das 05h às 12h”.
Os auditores fiscais do trabalho emitiram as guias de Seguro-Desemprego para Trabalhador Resgatado, em 3 parcelas de um salário-mínimo cada. Do total de 586 resgatados, apenas três eram mulheres que trabalhavam como cozinheiras, 96% dos trabalhadores e trabalhadoras se autodeclararam negros.
O GEFM atua em todo território nacional desde 1995, quando foi iniciada a política pública de combate ao trabalho escravo. Desde então são mais de 68 mil trabalhadores e trabalhadoras resgatadas dessa condição e mais de 156 milhões de reais recebidos pelos trabalhadores a títulos de verbas salariais e rescisórias durante as operações.
Denúncias de trabalho escravo podem ser feitas, de forma remota e sigilosa, no Sistema Ipê (https://ipe.sit.trabalho.gov.br/

