Exemplar de pampo-de-Myers (Brama myersi) que foi flagrado enquanto segurava uma anêmona na boca — Foto: Linda Ianniello

Na costa do Taiti, ilha do Oceano Pacífico, mergulhadores registraram um pequeno peixe prateado, do tamanho de uma moeda de cinquenta centavos, nadando com uma larva de anêmona-do-mar cuidadosamente presa entre suas barbatanas. A imagem, publicada no Journal of Fish Biology, revela uma estratégia de sobrevivência surpreendente, e uma nova dimensão na relação entre peixes e anêmona: a espécie de peixe usa a outra como escudo para predadores.

O protagonista da descoberta é o pampo-de-Myers (Brama myersi). A hipótese dos mergulhadores é que o peixe se aproveita das células urticantes do invertebrado para se proteger de predadores. “Eles encontram algo nocivo ou urticante e simplesmente carregam consigo”, explica Rich Collins, o mergulhador e consultor do Museu de História Natural da Flórida, em comunicado.

Essa tática, embora pareça inédita, não é um caso isolado. Em West Palm Beach, na Flórida, pesquisadores também observaram peixes recém-eclodidos segurando larvas de anêmona na boca, aparentemente em posição defensiva. Em vez de devorar o invertebrado, os peixes o mantinham preso por um tempo e depois o liberavam ileso, um comportamento que sugere cooperação, e não predação.

Mutualismo em movimento

A interação entre peixes e anêmona já é bem conhecida graças ao popular peixe-palhaço e sua morada venenosa. Mas as novas observações indicam que esse tipo de relação simbiótica pode ser muito mais diversa e dinâmica do que se imaginava.

Peixe-lima juvenil carregando uma larva na boca — Foto: Rich Collins
Peixe-lima juvenil carregando uma larva na boca — Foto: Rich Collins

Além da proteção, as anêmona podem se beneficiar desse “transporte” involuntário, alcançando novas áreas do oceano, um exemplo de mutualismo, quando ambas as espécies saem ganhando. Segundo o pesquisador Gabriel Alfonso, autor principal do estudo, embora a picada de uma anêmona jovem não seja letal, ela é “desagradável o suficiente” para afastar possíveis predadores.

A ciência nas águas negras

As imagens que revelaram o comportamento foram capturadas durante mergulhos noturnos em águas profundas, uma técnica conhecida como fotografia de águas negras. Nesse tipo de mergulho, os cientistas derivam à noite em mar aberto para registrar organismos pelágicos, que são seres que vivem suspensos na coluna d’água.

A prática, que vem crescendo entre cientistas cidadãos, permite observar a vida marinha em seu habitat natural, sem interferência. “Essa nova fonte de dados oferece informações que antes eram inatingíveis por meio de espécimes fixados”, afirmam os autores do estudo. As fotos registram colorações vivas, comportamentos e interações que dificilmente seriam vistas em laboratório.

(Por Carina Gonçalves)