Durante escavações em Herculano, cidade italiana soterrada pela erupção do Monte Vesúvio em 79 d.C., um esqueleto foi encontrado em uma cama. O que parecia ser apenas mais uma vítima da tragédia revelou-se uma descoberta extraordinária: pesquisadores identificaram fragmentos de vidro preto que, na verdade, eram restos do cérebro da vítima, preservados de forma incomum.

Em um estudo divulgado nesta quinta-feira (27) pela revista Scientific Reports, cientistas desvendaram o processo de transformação do cérebro em vidro desse homem, além de revelarem como esse achado peculiar auxilia na compreensão da morte da vítima e de seus vizinhos.

Os fragmentos foram localizados em 2020, marcando a primeira vez que um tecido biológico foi encontrado na natureza na forma de vidro. Trata-se de uma descoberta incomum, pois o cérebro é um órgão que se decompõe rapidamente, e suas características biológicas não favorecem sua preservação.

A surpresa do encontro foi ainda maior considerando que, até pouco tempo atrás, a ciência acreditava que a população de Herculano tivesse sido completamente destruída pela avalanche de lava da erupção. Assim, o achado levou ao surgimento de uma nova hipótese: a de que uma densa nuvem de cinzas teria precedido essa inundação.

O vidro se cria quando um líquido — geralmente areia fundida — é resfriado de maneira abrupta, fazendo com que suas moléculas se “congelem” instantaneamente e criando uma estrutura rígida de cristal. Assim, algo precisou aquecer a cidade a um ponto tão elevado que liquefez os órgãos dos habitantes de Herculano, dissipando-se rapidamente antes da chegada da próxima onda de lava para que houvesse tempo que o cérebro pudesse se cristalizar.

Para verificar essa hipótese, a equipe aqueceu os fragmentos do cérebro a fim de determinar a temperatura em que o vidro havia se formado. O resultado revelou que os cristais se formaram a 510°C, uma temperatura superior à máxima de 465°C registrada em fluxos piroclásticos (nuvem de detritos gerada por um vulcão) semelhantes investigados anteriormente. Com isso, ficou claro para os pesquisadores que a nuvem de cinzas responsável pela morte dos moradores foi significativamente mais quente, intensa e curta.

Segundo destaca a revista Science, os restos mortais pertencem a um homem jovem, que provavelmente trabalhava como guarda do Collegium Augustalium, um centro dedicado ao culto do Imperador Augusto. Ao contrário de seus vizinhos, cujos corpos foram encontrados em posições indicativas de fuga, esse homem foi encontrado deitado em sua cama — o que pode ter criado as condições extremamente específicas necessárias para vitrificação, como é chamado esse processo.

No microscópio, os cientistas conseguiram encontrar células nervosas no vidro — Foto: Pier Paolo Petrone
No microscópio, os cientistas conseguiram encontrar células nervosas no vidro — Foto: Pier Paolo Petrone

Embora o crânio e outros ossos do homem tenham sido totalmente carbonizados, é difícil compreender como o cérebro do jovem não se desintegrou por completo. Os cientistas acreditam que as proteínas presentes no cérebro humano, juntamente com os ácidos graxos encontrados no cabelo, podem ter contribuído para sua preservação. Além disso, a proteção dos ossos pode ter impedido o contato direto com a nuvem de cinzas, favorecendo sua conservação.

(Por Redação Galileu)