O medicamento nomeado como rapamicina, em homenagem à ilha Rapa Nui (ou Ilha de Páscoa, no ocidente), tem um potencial de gerar bilhões de dólares. Clinicamente conhecido como sirolimus, o remédio foi inicialmente desenvolvido como um imunossupressor, evitando que o corpo rejeite o órgão recebido em um transplante.
Além disso, o remédio se mostrou eficaz no tratamento de certos tipos de câncer e pesquisadores investigam seu potencial para tratar diabetes e doenças neurológicas. Existem evidências que sustentam a possibilidade do remédio prevenir o envelhecimento — em testes, ele conseguiu aumentar o tempo de vida de camundongos e cepas de leveduras.
De onde veio a rapamicina?
Em 1964, durante a chamada Expedição Médica à Ilha de Páscoa (METEI), pesquisadores do Canadá coletaram mais de 200 amostras do solo de Rapa Nui. A equipe tinha o objetivo de documentar o ecossistema da região, pois na época existia um projeto de construção de um aeroporto na Ilha, o que poderia contribuir para a liberação de espécies invasoras e patógenos desconhecidos.
Além disso, o METEI queria entender como a construção do aeroporto iria modificar a saúde e o bem-estar dos indígenas de Rapa Nui, já que eles teriam um contato maior com outras pessoas. Durante três meses, os pesquisadores realizaram exames médicos em quase todos os 1.000 habitantes da ilha — amostras biológicas foram coletadas da fauna e da flora local.
A participação dos povos originários foi incentivada por meio de subornos, presentes, comidas, suprimentos e coerção de um padre, que ajudaria no recrutamento. Em um processo conhecido como colonialismo científico, os pesquisadores estudaram e exploraram um território ocupado sem a participação dos indígenas que viviam na Ilha de Páscoa.
Posteriormente, em 1970, a empresa farmacêutica Ayerst Research Laboratories isolou algumas moléculas contidas nas amostras de solo que tinham a bactéria Streptomyces hydroscopicus. Com propriedades antibacterianas e antifúngicas, a rapamicina era um dos compostos químicos liberados pela bactéria.
Conforme as pesquisas foram avançando, mais propriedades da rapamicina foram descobertas. Ao inibir uma proteína denominada mTOR da rapamicina, o medicamento consegue regular o crescimento das células, do metabolismo e do sistema imunológico. Esse mecanismo também se mostrou eficaz na redução de inflamação, no combate a alguns tipos de câncer e na prevenção do envelhecimento celular.
Apesar dos benefícios medicinais apresentados pela medicação, os povos da Ilha de Páscoa não receberam nenhum crédito sobre a descoberta. Inclusive, embora o medicamento tenha gerado um retorno bilionário, o povo Rapa Nui não recebeu nenhum benefício financeiro ou medicinal.
O cenário também levantou questões sobre os direitos indígenas e da biopirataria — exploração e comercialização do conhecimento de povos nativos. Para Ted Powers, um dos pesquisadores da rapamicina, a situação é injusta. “Gostaria que a comunidade científica retribuísse”, disse Powers em maio de 2025, segundo comunicado. “O importante é iniciar um diálogo, ouvir o que os Rapa Nui esperam alcançar e trabalhar com eles.”
(Por Tainá Rodrigues)


