Conhecidos como “gatos” de civeta, a civeta-palmeira asiática comum é uma espécie de mamífero originária da Indonésia — Foto: Fletcher & Baylis/Science Photo Library

Tomar uma xícara do café de civeta, pra muitos, pode soar uma ideia um tanto suspeita. E isso tem a ver com o processo de produção da bebida: os grãos são fermentados e excretados pelo pequeno mamífero asiático que lhe confere o nome. Sim, o café, que tem um gosto achocolatado e terroso inconfundíveis, é feito a partir das fezes do animal – e custa bem caro.

Publicado nesta quinta-feira (23), na revista Scientific Reports, um estudo analisou em detalhe o que o sistema digestivo das civetas faz com os grãos de café Robusta. A equipe comparou grãos não torrados coletados de 68 amostras de fezes de civetas com grãos colhidos diretamente da planta, para investigar as mudanças químicas que ocorrem durante o processo digestivo.

Na essência, o processo é natural: a fermentação no intestino da civeta modifica a composição química do grão. Estudos anteriores, feitos em 2004 e em 2019, mostraram que o café de civeta é mais poroso, mais gorduroso e menos proteico do que o café convencional. Agora, essa nova análise revela detalhes inéditos sobre quais compostos específicos são alterados.

As civetas-de-palmeira asiáticas (Paradoxurus hermaphroditus) são mamíferos noturnos de pelagem manchada e focinho pontiagudo, originários da Indonésia, onde o café é conhecido como Kopi Luwak. Esses animais se alimentam dos frutos maduros do cafeeiro e excretam as sementes que, após lavadas e torradas, se transformam em um produto que custa R$ 400 a xícara.

Da química do fruto à xícara

Para analisarem os processos químicos e digestivos com maior precisão, os cientistas utilizaram cromatografia gasosa acoplada à espectrometria de massas, um instrumento capaz de identificar moléculas individuais.

Pesquisadores analisaram as fezes da civeta-palmeira asiática comum, mas também há as espécies civeta-palmeira marrom e a civeta-malabar — Foto: Wikimedia Commons
Pesquisadores analisaram as fezes da civeta-palmeira asiática comum, mas também há as espécies civeta-palmeira marrom e a civeta-malabar — Foto: Wikimedia Commons

O resultado chamou atenção: os grãos processados pelas civetas apresentaram maiores concentrações de ácido caprílico e ácido cáprico. Ambos os compostos são ácidos graxos conhecidos por conferirem um sabor levemente “caprino” – uma mistura de sabor adocicado com o gosto de carne – a produtos lácteos, como queijos e manteigas.

Segundo a equipe, essa diferença provavelmente é causada pela digestão e fermentação no intestino das civetas, em que bactérias do gênero Gluconobacter e suas enzimas desempenham papel central. “A química do sabor do café é incrivelmente complexa”, comentou Melanie-Jayne Howes, pesquisadora do Royal Botanic Gardens, à revista Nature.

A estranheza do processo ganha mais camadas com os hábitos comportamentais das civetas selvagens. Elas selecionam frutos maiores e mais maduros, o que também pode intensificar o sabor e o aroma da bebida. Estudos sugerem que o grão leva até 12 horas para atravessar o trato digestivo do animal, tempo suficiente para que ocorra uma fermentação natural e lenta.

(Por Júlia Sardinha)