Um fragmento de cerâmica de apenas 2,5 centímetros, mas de importância histórica imensurável, foi descoberto em Jerusalém, próximo ao Monte do Templo. A Autoridade de Antiguidades de Israel (IAA) anunciou a descoberta nesta quarta-feira (22) em publicação nas redes sociais. Trata-se de uma inscrição contendo um aviso de imposto, provavelmente endereçado ao rei de Judá.
Segundo os pesquisadores, o texto descreve o atraso no pagamento de um tributo, mencionando explicitamente o “primeiro dia do mês de Av” (uma referência ao calendário mesopotâmico, semelhante ao usado ainda hoje no calendário hebraico).
Também foi identificado no texto o título de um oficial assírio chamado de “portador das rédeas”, figura de alta patente responsável pela comunicação entre a corte imperial e os reinos subordinados.
Eco de um imposto bíblico
A inscrição foi identificada como parte de um selo de argila usado para autenticar cartas ou ordens oficiais da corte real assíria (bulla). “O artefato é provavelmente um aviso de imposto enviado do imperador assírio ao rei de Judá”, explicou Peter Zilberg, assiriólogo da Universidade Bar-Ilan, ao jornal The Times of Israel.
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Os especialistas datam o objeto entre o final do século 8 a.C. e meados do século 7 a.C., um período turbulento marcado pela revolta do rei Ezequias contra o domínio do rei assírio Senaqueribe. O episódio, inclusive, é narrado no Segundo Livro dos Reis (18:13-14), que descreve o pagamento forçado de 300 talentos de prata e 30 talentos de ouro após a invasão assíria de Judá.
Por mais que o fragmento não traga o nome do rei judeu destinatário, sua cronologia coincide com os reinados de Ezequias, Manassés ou Josias, todos contemporâneos à dominação assíria. Para os estudiosos, trata-se de uma evidência material que ecoa diretamente o relato bíblico da cobrança de tributos.
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“Este pequeno fragmento abre uma janela inédita para as relações diplomáticas e fiscais entre Jerusalém e o império mais poderoso de seu tempo”, afirmou a arqueóloga Ayala Silberstein, diretora da escavação pela IAA.
Achado acidental
O fragmento foi descoberto de forma inesperada por Moria Cohen, integrante da equipe responsável pelas escavações no Parque Nacional Emek Tzurim: “Eu estava peneirando a terra quando vi um pedaço de cerâmica com um padrão estranho. Ao perceber que era escrita cuneiforme, comecei a gritar de empolgação. Saber que fui a primeira pessoa a tocar esse fragmento em 2.700 anos é indescritível”.
O solo analisado provinha de uma área onde estruturas do Período do Primeiro Templo (séculos 8 a.C. e 7 a.C.) haviam colapsado, antes de serem cobertas pelas construções do Segundo Templo. Essa localização – uma das mais próximas já escavadas do Monte do Templo – reforça o caráter oficial e administrativo do achado.
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Exames petrográficos e químicos conduzidos por Anat Cohen-Weinberger, da IAA, mostraram que o material da inscrição não é de origem local. A argila provém da bacia do rio Tigre, região onde se localizavam os centros administrativos da Assíria, como Nínive, Assur e Nimrud.
“Isso confirma que a mensagem foi enviada de uma capital assíria, e não produzida em Jerusalém”, destaca Cohen-Weinberger. “Estamos diante de um documento oficial que viajou centenas de quilômetros, possivelmente contendo ordens fiscais diretas do palácio imperial.”
Nova luz sobre uma era de impérios
A equipe responsável pela descoberta ressalta que a inscrição é o único registro assírio conhecido da época do Primeiro Templo encontrado em Jerusalém. “Sabíamos, por textos descobertos na Assíria, que emissários de Judá visitavam a corte imperial. Mas esta é a primeira prova concreta de comunicação no sentido inverso, da Assíria para Jerusalém”, observa Zilberg.
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O achado reforça o caráter internacional e politicamente sensível de Jerusalém do século 7 a.C. Não à toa, a cidade abrigava um centro de altos funcionários e ministros na encosta oeste do Templo.
Para Zilberg, o fragmento é “uma lanterna na névoa da história”. “Essas inscrições lançam uma luz precisa sobre um ponto quase invisível do passado. É um momento emocionante para a arqueologia bíblica e para o estudo do antigo Oriente Próximo”, avalia ele
(Por Arthur Almeida)23