Uma descoberta feita quase por acaso em uma galeria silenciosa do Museu Metropolitano de Arte, em Nova York, está redefinindo o entendimento sobre alguns dos objetos de vidro mais sofisticados já produzidos no Império Romano. Em 2023, enquanto examinava uma coleção privada de taças diatreta, vasos esculpidos com delicadas grades externas, a historiadora da arte e sopradora de vidro Hallie Meredith, da Universidade Estadual de Washington, percebeu algo que passara despercebido por séculos: padrões repetidos que não eram simples ornamentos, mas possíveis assinaturas de antigos artesãos.
As taças diatreta, produzidas entre os séculos IV e VI d.C., sempre fascinaram estudiosos pela técnica apurada envolvida em sua criação. Cada peça era talhada a partir de um bloco sólido até formar uma tigela fina conectada a uma estrutura externa por filetes extremamente delicados. Até então, o foco da pesquisa recaía sobre as inscrições e o caráter luxuoso desses objetos. No entanto, símbolos abstratos como losangos, folhas e cruzes, esculpidos próximos aos textos, eram tratados apenas como decoração.
Meredith propõe uma leitura radicalmente diferente. Em artigos publicados no Journal of Glass Studies e no World Archaeology, ela evidencia que esses motivos se repetem em peças encontradas em diferentes regiões do império, indicando que se tratavam de marcas de oficina, uma forma de assinatura visual dos grupos que produziam os vasos. Segundo a pesquisadora, os padrões revelam uma produção coletiva muito mais organizada do que se acreditava, envolvendo equipes especializadas de gravadores, polidores e artesãos que trabalhavam em etapas longas e interdependentes.
Para chegar a essa conclusão, Meredith examinou marcas de ferramentas, fragmentos reciclados e objetos inacabados. O conjunto de evidências sugere um sistema de comunicação interno, quase um código artesanal, utilizado para orientar o processo de fabricação e identificar o trabalho das equipes. Esses símbolos, antes classificados como “marcas de parada”, passam agora a ser interpretados como logotipos de estúdios, indicando que práticas de identidade visual já existiam no artesanato romano.
![Vaso de vidro vazado com detalhe à direita, de 350–400 d.C, com inscrição: BIBE MVLTIS ANNIS (Tradudição: Beba [que você viva] por muitos anos!). — Foto: Corning Museum of Glass](https://s2-galileu.glbimg.com/nmZcyU-HYefREvB6kHjHpgLgnJQ=/0x0:1200x1019/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_fde5cd494fb04473a83fa5fd57ad4542/internal_photos/bs/2025/a/8/tMZRM1T3aWBTnf4m3rvg/jgs-6943-meredith-g2.jpg)
A descoberta também reabre debates sobre a própria técnica de produção das diatretas. Em vez de resultado da genialidade individual de um único mestre, os vasos parecem ser fruto de uma colaboração meticulosa, na qual conhecimento e habilidades eram compartilhados entre trabalhadores altamente treinados.
O olhar de Meredith, ela própria sopradora de vidro, oferece uma perspectiva rara sobre as exigências físicas e criativas do ofício. Sua pesquisa mais ampla investiga grafias irregulares, alfabetos mistos e inscrições não convencionais presentes em objetos romanos.
(Por Carina Gonçalves)

