Um sepultamento intacto no Cemitério North Tombs continha três pessoas, que foram envoltas em uma única esteira funerária antes do sepultamento — Foto: Dabbs e Stevens 2025

Durante décadas, arqueólogos e historiadores apontaram uma possível epidemia como a causa do misterioso abandono de Akhetaton, a capital do império egípcio construída pelo faraó Akhenaton, no século 14 a.C. Agora, um novo estudo publicado no American Journal of Archaeology, sugere que essa praga pode nunca ter existido.

A pesquisa, conduzida pelas arqueólogas Gretchen Dabbs e Anna Stevens, analisou de forma detalhada os registros arqueológicos e bioarqueológicos da antiga cidade, hoje conhecida como Amarna.

“Esses estudos mostraram que doenças epidêmicas afetaram todos os tipos de sistemas, desde a construção e manutenção de estruturas até os padrões de sepultamento, demografia e muito mais”, explica Dabbs, ao site Phys.org.

O enigma de Akhenaton

Akhenaton, anteriormente chamado Amenófis IV, é conhecido por ter promovido uma revolução religiosa ao adorar apenas o deus-sol Aton. Em um ato de ruptura com a antiga tradição egípcia, ele transferiu a capital do reino para uma nova cidade, Akhetaton, “O Horizonte de Aton”.

Mas o projeto ambicioso durou pouco. Após cerca de 20 anos, a cidade foi quase totalmente abandonada, logo depois da morte do faraó. Desde o século 19, muitos estudiosos acreditavam que uma epidemia teria sido responsável pelo colapso repentino.

Testando a teoria da “praga de Amarna”

As evidências dessa suposta praga vinham, principalmente, de textos antigos, como orações hititas que relatam uma epidemia no império hitita trazida por prisioneiros de guerra egípcios, bem como um conjunto de cartas de Amarna que indicam a presença de surtos de doença em Megido, Biblos e Sumur. No entanto, nenhuma dessas fontes cita diretamente uma epidemia em Akhetaton.

Uma vista das escavações de Amarna no Cemitério South Tombs em 2010, voltada para sudeste — Foto: Gwil Owen e Projeto Amarna
Uma vista das escavações de Amarna no Cemitério South Tombs em 2010, voltada para sudeste — Foto: Gwil Owen e Projeto Amarna

Para esclarecer o mistério, os pesquisadores analisaram dados coletados entre 2005 e 2022 em quatro grandes cemitérios que cercam a cidade. O estudo examinou 889 sepultamentos, de uma estimativa total entre 11 mil e 13 mil túmulos.

Pesquisadores descobriram que, embora os restos mortais apresentassem traços ligados a estresse físico, como baixa estatura adulta, trauma na coluna, hipoplasia linear do esmalte (interrupções no crescimento dentário) e doença articular degenerativa, esses sinais refletiam dificuldades econômicas e sociais, e não doenças epidêmicas. Marcadores de doenças eram geralmente raros, com tuberculose identificada em apenas sete indivíduos.

Observou-se que a maioria dos corpos não foram embalsamados, mas enterrados com pertences funerários, tecidos e caixões de esteira. Além disso, as posições de sepultamento não eram desordenadas ou incomuns, o que sugere que o processo funerário não foi apressado, algo que seria esperado em caso de uma epidemia de grande mortalidade.

Sepultamentos múltiplos e abandono

Embora tenha havido um número incomum de enterros múltiplos, as pesquisadoras apontam que eles parecem ter seguido motivações culturais, especialmente o enterro conjunto de mulheres adultas com crianças. A organização e o cuidado observados nos sepultamentos sugerem rituais planejados, e não respostas emergenciais a uma catástrofe.

Outro ponto crucial é que o abandono da cidade ocorreu de forma sistemática, com bens recolhidos e pela a ocupação que continuou em menor escala mesmo após a morte de Akhenaton. Por isso, as pesquisadores observaram que esse padrão não se encaixa em um cenário de colapso epidêmico.

Dabbs explica do motivo da teoria ter persistido por tanto tempo: “Este é um daqueles casos em que algo faz sentido lógico se você não analisar com muita crítica. Para ser justo, porém, até muito recentemente, os dados para avaliar criticamente a presença de uma epidemia em Amarna não estavam disponíveis”.

“Um dos pontos que queríamos enfatizar com este artigo é que devemos ser cuidadosos ao usar dados de locais temporal e geograficamente distintos para criar argumentos específicos para Amarna ou qualquer local antigo”, conclui a pesquisadora.

(Por Carina Gonçalves)