Exatamente um mês atrás, no dia 4 de março, acompanhado de seu irmão, Roberto Assis, Ronaldinho Gaúcho desembarcou no aeroporto internacional Silvio Pettirossi em Luque, na grande Assunção. Foi recebido como o popstar que é, duas vezes eleito o melhor jogador do planeta, campeão do mundo, da Liga dos Campeões, da Copa Libertadores. De óculos escuros, boina preta, camiseta branca e o sorriso característico, Ronaldinho cometeu naquele aeroporto um erro pelo qual paga até hoje: seguiu para um sala VIP, onde lhe entregaram um passaporte paraguaio com seu nome, seus dados, sua foto, mas ainda sem sua assinatura – lacuna que ele preencheu ali mesmo, naquela sala VIP, com uma caneta que também lhe chegou as mãos, como se estivesse dando mais um dos incontáveis autógrafos que distribuiu ao longo da carreira.
Neste sábado, 4 de abril, Ronaldinho Gaúcho amanheceu pela trigésima vez num cela da Agrupación Especializada, um quartel da Polícia Nacional do Paraguai transformado em cadeia em Assunção. O passaporte adulterado que ele e Assis usaram para entrar no Paraguai – e que custaram R$ 30 mil reais cada um – foram o ponto de partida de uma investigação do Ministério Público e do Ministério de Tributação (o equivalente a Receita Federal do Brasil) que já resultou na prisão de 15 pessoas e começou a desvendar um esquema milionário de evasão de divisas, lavagem de dinheiro e produção de documentos falsos.
O “Caso Ronaldinho”, que um mês atrás começou em ritmo vertiginoso, hoje se move com lentidão. Na noite daquele mesmo 4 de março, Ronaldinho e Assis receberam no hotel a visita de autoridades paraguaias. Passaram a noite sob custódia e, no dia seguinte, contaram ao Ministério Público tudo o que sabiam. Admitiram que tentaram entrar no país com aqueles documentos, mas que não sabiam serem falsos. O MP paraguaio enquadrou os irmãos Assis numa figura jurídica chamada “critério de oportunidade”, que a grosso modo permite aos réus não serem acusados formalmente pelos crimes que cometeram, desde que consigam reparar o dano causado. Na prática: Ronaldinho e Assis seriam submetidos a uma “pena social” – uma doação para uma ONG, por exemplo – e poderiam deixar o Paraguai.
Na audiência em que seria definida o tamanho dessa “pena social”, houve uma reviravolta. A justiça não aceitou dar o “critério de oportunidade” para Ronaldinho e Roberto. O Ministério Público mudou sua posição e pediu a prisão preventiva dos irmãos Assis. As 22h de sexta-feira, 6 de março, quando estavam num hotel próximo ao aeroporto, os irmãos Assis foram detidos e levados para a Agrupación Especializada. Desde então três recursos apresentados pela defesa de Ronaldinho foram negados pela Justiça. Os advogados de defesa não conseguiram nem mudar os irmãos Assis para uma prisão domiciliar, e nem anular a prisão preventiva, que no Paraguai pode durar até seis meses. O argumento para manté-los presos foi sempre o mesmo: soltá-los poderia prejudicar o andamento das investigações.
Agrupación Nacional Agrupação Especializada Polícia Nacional Ronaldinho Paraguai — Foto: Jorge Adorno/Reuters
O último desses recursos foi negado numa sexta-feira 13, uma semana depois da prisão. Desde então, o sistema judicial do Paraguai passou funcionar com restrições por causa da pandemia do coronavírus. Outros recursos só serão apresentados pela defesa após o fim do recesso – que não tem data prevista. No dia 18 de março, uma terça-feira, teve início uma perícia nos telefones celulares de Ronaldinho e Assis. Quase três semanas depois, esse procedimento ainda não foi concluído. A defesa dos brasileiros diz acreditar que o resultado dessa perícia será importante para provar que eles não fizeram nada além de terem entrado no país com aqueles documentos.
Mas o que Ronaldinho foi fazer no Paraguai? A resposta passa obrigatoriamente por Roberto Assis, irmão do craque e seu agente desde sempre. Assis aceitou uma proposta apresentada por um amigo, Wilmondes Souza Lira, de abrir uma empresa para fazer negócios no Paraguai. Wilmondes é casado com Paula Lira, que por sua vez é (ou era) amiga da paraguia Dalia Lopez, que financiou tanto a confecção dos passaportes falsificados quanto a própria viagem de Ronaldinho e Assis no Paraguai.
O “projeto” que unia Dalia Lopez, o casal Lira e os irmãos Assis era mambembe, para dizer o mínimo: transformar ônibus em “clínicas móveis”, que atenderiam crianças carentes no Paraguai. Os veículos teriam a imagem do craque brasileiro. A ONG que viabilizaria o projeto não tem site na internet e nem endereço físico. Segundo o GloboEsporte.com apurou, ao aceitar o convite para viajar ao Paraguai, Roberto Assis não consultou nem os advogados brasileiros com quem trabalha há anos.
Dalia Lopez é uma empresária do ramo de exportação, alvo de uma investigação por parte do Ministério da Tributação, iniciada em setembro de 2019, e sigilosa até a chegada de Ronaldinho ao Paraguai. Ela é acusada de desviar pelo menos US$ 10 milhões em um esquema de sonegação de impostos e lavagem de dinheiro. O MP do Paraguai pediu a prisão de Dalia Lopez no dia 7 de março, um sábado. Desde então, ela está foragida, apesar de seus advogados já terem declarado que ela iria se entregar. (Globo Esporte)