O levantamento – inédito na época – do censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) constatou o que muitos brasileiros já imaginavam: Maria é o nome mais comum entre as mulheres do Brasil. E se as Marias representam a maioria das brasileiras, quantos de nós somos filhos de Maria?
“Maria são 15% das mulheres brasileiras. Maria também são todas essa milhares de mulheres que, às vezes, não tiveram acesso à educação, sofridas, que não dormem direito, que se deslocam três, quatro horas no trânsito, que encaram as mais diversas situações para que o filho possa estar na escola”, disse Cleiton Pereira Alves, filho de Maria e um dos mais novos advogados mato-grossenses.
Maria, mulher. Maria, mãe. Maria, empregada doméstica. A Maria, mãe do Cleiton, literalmente deu a vida para que ele pudesse realizar seu sonho.
Sonho esse realizado na última terça-feira (3) quando, três meses após sua formatura no curso de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), recebeu sua carteira profissional na Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Mato Grosso (OAB-MT).
“Ela deu a vida para que eu pudesse ter comida na mesa, educação e sonhos e, por isso, sou muito grato a ela”, contou.
Maria não sabia ler, escrever e não pôde estar presente para ver o filho realizando o sonho que ajudou a construir. Cleiton perdeu a mãe há oito anos, mas fez questão de dedicar este momento a ela.
Orador da solenidade de entrega de certidões para 50 novos advogados e advogadas mato-grossenses, Cleiton traz consigo uma história de Brasil, uma história de Marias. Filho de pais analfabetos – a mãe empregada doméstica e o pai tratorista -, nunca frequentou uma escola privada e foi o primeiro de sua família a concluir o ensino superior.
Eram 15 quilômetros de percurso, passando por várias fazendas da região, para chegar à escola da comunidade rural onde estudou no município de Campo Verde. “Nem sempre a gente chegava porque o ônibus quebrava, às vezes chegávamos todos sujos”, lembrou. “Mas isso nunca foi empecilho. Muitos acreditaram em mim porque eu tinha muita força de vontade”, complementa.
Aprovado no processo seletivo do Instituto Federal de Mato Grosso (IFMT), onde cursou o Ensino Médio, conta que, no período, passou por acidentes que lhe tiraram a mãe e o irmão e até a fome enfrentou.
Mas mesmo com todas as adversidades, foi lá que encontrou no Direito mais que um sonho, uma escolha de vida. “Sempre sonhei ir além das minhas fronteiras e, no IFMT, tive perspectivas… Acabei decidindo curar Direito por conta de alguns livros que via na biblioteca e me pareceram interessantes”, relatou.
Cleiton Pereira Alves, que só estudou em instituições públicas, conta que sempre acreditou que, por meio da Educação, seria possível a mudança. “Por isso me dediquei mais ainda, até conseguir ser aprovado na UFMT”.
Com a aprovação veio a mudança para a Capital. A rotina incluía um trabalho de consultor de vendas de uma operadora de televisão durante o dia, as aulas no período noturno e as madrugadas e fins de semana dedicados ao estudo ao longo de dois anos, até ser aprovado em um concurso público que lhe trouxe mais condições financeiras para se empenhar na realização de seu sonho, com a participação em núcleos de pesquisa, elaboração de artigos científicos publicados em livros.
“Mas eu queria muito iniciar na advocacia para ter uma perspectiva do mundo jurídico e chegar à magistratura”, contou Cleiton.
Egresso de escola pública rural, filho de Maria, o advogado Cleiton Pereira Alves acredita que a fé e a dedicação tornam o impossível possível. Foi assim que ele chegou à esta terça-feira (3), na OAB-MT.
O curso de Direito da UFMT é o segundo mais concorrido da instituição, registrando uma relação de mais de 34 candidatos por vaga no Sistema de Seleção Unificada (Sisu) do Ministério da Educação (MEC) em 2017. O índice de aprovação na primeira fase do XXIX Exame da Ordem, em julho deste ano, foi de 32,96% dos mais de 105 mil inscritos.
Cleiton Pereira Alves segue transpondo etapas. Agora, advogado, recebeu a certidão falando em nome de outros 50 colegas, contando sua história, contou a história de muitos brasileiros. Entre aplausos e olhares emocionados, suas palavras de garra e determinação foram além da confirmação da nova profissão.
Durante a solenidade, foi convidado pelo conselheiro federal da OAB e presidente do Fundo de Integração e Desenvolvimento dos Advogados (FIDA), Felipe Sarmento, a integrar os quadros do conselho federal em uma de suas diversas comissões temáticas.
Foi com a mesma emoção que provocou aos presentes, entre aqueles que, em suas palavras, reconheceram sua própria história, como o advogado e deputado estadual Sílvio Favero – filho de uma dona de casa e um motorista – que realizou o sonho de seus pais, ou nos que cresceram na advocacia e viram nascer em casa o amor pela profissão, que Cleiton recebeu o convite e a nova missão.
“Sonho muito alto. Sempre busquei sonhar muito mais longe do que meus olhos podem ver. Quando vejo um momento desse, fico muito emocionado porque lutei muito por isso. Lutei cada minuto da minha vida para que isso pudesse ser possível”, finalizou.