Um enorme sistema de armadilhas em formato de funil foi encontrado no Chile com ajuda de imagens de satélite. O complexo foi construído no norte do país, próximo ao rio Camarones, por caçadores e pastores há 6 mil anos. Acredita-se que ele servia para a captura de animais como as vicunhas (espécie “prima” das lhamas). Um estudo sobre essas evidências arqueológicas foi publicado na revista científica Antiquity na última segunda-feira (13).
Arqueólogos já encontraram armações semelhantes Oriente Médio, mas é a primeira vez que acharam em regiões andinas — levantando a hipótese que o sistema foi construído antes do surgimento dos incas.
A equipe encontrou evidências de assentamentos e postos avançados que provavelmente foram lar, durante muitos séculos, de forrageadores — grupos que viviam como caçadores e coletores. Como a agricultura já estava estabelecida em outras regiões, os pesquisadores achavam que as populações locais também eram agricultoras. Mas o novo achado arqueológico mostrou que alguns grupos ainda viviam da caça. A armadilha teria sido construída para encurralar vicunhas (Lama vicugna), animal parente da alpaca.
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“Há muito tempo existe uma discrepância entre o que os registros arqueológicos e etno-históricos nos dizem sobre a vida nos Vales Ocidentais do norte do Chile durante o período colonial”, afirma Adrián Oyaneder, da Universidade de Exeter, na Inglaterra, em comunicado. Em aproximadamente 2.000 a.C., arqueólogos indicam que a caça começou a decair com a incorporação do plantio de plantas e animais domesticados.
Em contrapartida, registros dos espanhóis datados nos séculos 16 a 19 utilizam o termo “uru” ou “uro” para se referir a populações forrageiras durante a colonização. Para fazer o estudo, Oyaneder analisou uma região com 4.600 quilômetros quadrados de extensão através de satélites, próximo ao Rio Camarones.
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Um dos sistemas continha 76 chacus. Todos os que foram encontrados estavam apontados para baixo e em encostas íngremes. Em alguns casos, o relevo natural do terreno era aproveitado pelos caçadores para fazer estruturas de captura. “Minha reação ao ver o primeiro chacu foi verificar duas ou até três vezes”, comenta Oyaneder.
“Inicialmente, pensei que fosse uma ocorrência única, mas, à medida que prosseguia com minha pesquisa, percebi que eles estavam por toda parte nas terras altas e em uma quantidade nunca antes registrada nos Andes”, afirma. “E, então, quando comecei a ler artigos e livros sobre o assunto, particularmente de Thérèse Bouysse-Cassagne e Olivia Harris, havia referências à choquela, grupos especializados em caça de vicunhas, e palavras que se referiam especificamente aos caçadores de chacu e aos caçadores de chacu.”
Um software chamado Sistema de Informação Geográfica (SIG) foi usado para marcar cada assentamento em um mapa digital. Posteriormente, o pesquisador agrupou os pontos demarcados em aglomerados ligados a chacus ou outros sítios localizados num raio de até 5 quilômetros. Assim, foi possível entender como os povos se distribuíram em um mesmo território.
Drones voaram a aproximadamente 60 metros acima da superfície para capturar imagens, que passaram por processamento 3D — o aparato tecnológico contribui para a recriação digital do relevo e das estruturas arqueológicas. “O quadro que emerge é o de uma paisagem ocupada por uma variedade de grupos humanos desde pelo menos 6000 a.C. até o século 18”, ressalta Oyaneder.
“Esses grupos se deslocaram estrategicamente pelas terras altas, atrelados principalmente aos recursos de caça, em particular à vicunha”, acrescenta. “As evidências indicam modos de vida sobrepostos, combinando caça e coleta com práticas agropastoris, e uma rede de assentamentos sazonais de curto prazo e postos avançados para ajudar as pessoas a se moverem por terrenos acidentados e difíceis.”
(Por Tainá Rodrigues)