Por séculos, os astrônomos tentam descobrir o que fez planetas (como a Terra) surgirem em meio aos caos cósmico. Agora, uma descoberta feita com a ajuda do Telescópio Espacial James Webb (JWST) aponta para respostas inesperadas, escondidas no coração de uma das nebulosas mais espetaculares da Via Láctea: a Borboleta (NGC 6302).
A cerca de 3.400 anos-luz de distância, na constelação de Escorpião, a nebulosa brilha como uma joia cósmica formada pelos restos de uma estrela semelhante ao Sol. Seu núcleo, hoje uma anã branca superaquecida a 220 mil graus Celsius, continua a moldar o gás e a poeira em torno dela. Mas o que surpreendeu os cientistas foi encontrar, nesse cenário de morte estelar, sinais inequívocos do mesmo processo que dá origem a planetas em sistemas jovens.
Grãos que podem formar planetas
Pela primeira vez na história, os astrônomos observaram grãos de poeira em crescimento em uma nebulosa planetária. Essas estruturas são consideradas blocos fundamentais para a construção de planetas, e foram descritas em detalhes em um artigo científico publicado por uma equipe internacional de pesquisadores na quarta-feira (27) na revista Monthly Notices of the Royal Astronomical Society.
“Esta descobrta é um grande avanço na compreensão de como os materiais básicos dos planetas se reúnem”, diz Mikako Matsuura, pesquisadora da Universidade deCardiff e líder do estudo, em comunicado.
Este conjunto de imagens mostra três vistas da Nebulosa da Borboleta, apresentando uma visão óptica e infravermelha próxima do Hubble (esquerda e meio) e a imagem mais recente do Webb/ALMA — Foto: ESA/Webb, NASA e CSA, M. Matsuura, J. Kastner, K. Noll, ALMA (ESO/NAOJ/NRAO), N. Hirano, J. Kastner, M. Zamani (ESA/Webb)
Este conjunto de imagens mostra três vistas da Nebulosa da Borboleta, apresentando uma visão óptica e infravermelha próxima do Hubble (esquerda e meio) e a imagem mais recente do Webb/ALMA — Foto: ESA/Webb, NASA e CSA, M. Matsuura, J. Kastner, K. Noll, ALMA (ESO/NAOJ/NRAO), N. Hirano, J. Kastner, M. Zamani (ESA/Webb)
Graças aos instrumentos do JWST, especialmente o Instrumento de Infravermelho Médio (MIRI), os cientistas identificaram grãos de quartzo e silicatos cristalinos no anel de poeira que envolve a estrela central. Esses grãos, com cerca de um milionésimo de metro de diâmetro, são maiores do que a poeira interestelar típica, e comparáveis aos que se encontram em discos de formação planetária ao redor de estrelas jovens.
Isso sugere que os ingredientes capazes de formar mundos rochosos como a Terra não são exclusivos de berçários estelares (ou seja, regiões do espaço onde comumente nascem novas estrelas). E, portanto, também podem nascer da morte de estrelas antigas.Poeira, pedras preciosas e moléculas da vida
As novas imagens revelam que a Nebulosa da Borboleta abriga tanto poeira amorfa, semelhante à fuligem, quanto cristais organizados como pequenas pedras preciosas. Além dos cristais, os astrônomos encontraram moléculas conhecidas como hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (HAPs ou PAHs).
Na Terra, essas substâncias aparecem na fumaça de carros, em fogueiras ou até em uma torrada queimada. No espaço, porém, elas podem ter um papel muito mais nobre: participar da química pré-biótica que antecede o surgimento da vida.
Segundo os especialistas, essa pode ser a primeira evidência de PAHs se formando em uma nebulosa planetária rica em oxigênio. E esse é um detalhe importante, já que até então acreditava-se que tais moléculas estivessem restritas a ambientes com maior abundância de carbono.
Laboratório natural
A Nebulosa da Borboleta é classificada como uma nebulosa planetária bipolar, com dois lóbulos que se expandem como asas a partir do centro. O que parece ser o “corpo” da borboleta é, na verdade, um toro denso de gás e poeira que obscurece a estrela. Essa estrutura peculiar ajuda a canalizar a energia da anã branca, moldando a nebulosa e criando jatos de ferro e níquel que se projetam em direções opostas.
O JWST, em conjunto com o radiotelescópio ALMA, permitiu identificar quase 200 linhas espectrais no coração da nebulosa – um mapa químico detalhado que mostra como diferentes elementos e moléculas estão distribuídos. Esse retrato revela uma dinâmica surpreendentemente complexa, muito além das imagens já obtidas anteriormente pelo Telescópio Espacial Hubble.
Esta imagem anotada leva o observador a um mergulho profundo no coração da Nebulosa da Borboleta, NGC 6302, como visto pelo Telescópio Espacial James Webb — Foto: ESA/Webb, NASA e CSA, M. Matsuura, ALMA (ESO/NAOJ/NRAO), N. Hirano, M. Zamani (ESA/Webb)
Esta imagem anotada leva o observador a um mergulho profundo no coração da Nebulosa da Borboleta, NGC 6302, como visto pelo Telescópio Espacial James Webb — Foto: ESA/Webb, NASA e CSA, M. Matsuura, ALMA (ESO/NAOJ/NRAO), N. Hirano, M. Zamani (ESA/Webb)
Mais do que um espetáculo visual, a “borboleta cósmica” oferece uma antevisão do destino do nosso próprio Sol. Em cerca de 5 bilhões de anos, ele também se transformará em uma nebulosa planetária, espalhando poeira e elementos químicos pelo espaço, materiais que poderão, em outro canto da galáxia, ajudar a formar novos planetas.
“Durante anos, os cientistas debateram como a poeira cósmica se forma no espaço. Mas agora, com a ajuda do poderoso Telescópio Espacial James Webb, podemos finalmente ter uma imagem mais clara”, avalia Matsuura. Se a Terra nasceu de poeira cósmica semelhante, como podem sugerir os novos dados, então talvez seja correto dizer que cada planeta rochoso (e cada ser vivo que nele habita) é fruto direto da morte de estrelas antigas.
(Por Arthur Almeida)