Cada página do livro achado é carimbada com as palavras 'Pearl Harbor' no topo — Foto: Arquivo Nacional dos EUA

Na década de 1970, Oretta Kanady, uma funcionária civil da Base Aérea de Norton, em San Bernardino, nos Estados Unidos, notou um livro descartado em uma pilha de lixo. Curiosa, ela pediu permissão aos superiores para levá-lo para casa e, ao fazer isso, evitou que um objeto histórico de valor inestimável fosse perdido para sempre.

Embora não fizesse ideia disso, a mulher tinha acabado de salvar um diário de bordo da base naval de Pearl Harbor, no Havaí, escrito no contexto da Segunda Guerra Mundial. O registro detalha tanto os dias que antecederam quanto os que sucederam o ataque surpresa do Japão em 7 de dezembro de 1941.

O volume acabou nas mãos do filho de Kanady, o então adolescente Michael Bonds, que não deu muita atenção ao achado na época, mas o guardou. “Eu o tenho desde então. Nos últimos anos, mudei para cá e para lá. Ele ficou guardado numa caixa”, lembra Bonds, hoje com 65 anos, ao jornal Washington Post.

Foi apenas em 2023, quando Bonds se mudou para a casa da noiva, Tracylyn Sharrit, em Hemet, que a verdadeira importância do livro veio à tona. Ao ajudar o companheiro a desempacotar, a mulher reparou que o volume tinha todas as páginas carimbadas com “Pearl Harbor” ou “Pearl Harbor, TH” – abreviação de Território do Havaí.

Registro do “dia da infâmia”

Com mais de 500 páginas, o diário traz entradas regulares de março de 1941, meses antes da entrada dos EUA na Segunda Guerra, até junho de 1942, logo após a Batalha de Midway. O documento registra dados climáticos a cada quatro horas, além de entradas e saídas de navios, destaca a revista Smithsonian.

As entradas de 6 e 7 de dezembro de 1941 no Arquivo Nacional — Foto: Arquivo Nacional dos EUA
As entradas de 6 e 7 de dezembro de 1941 no Arquivo Nacional — Foto: Arquivo Nacional dos EUA

Tal conflito resultou na morte de pouco mais de 2.400 soldados americanos, e levou os Estados Unidos a declarar guerra ao Japão. Isso marcou a entrada oficial dos americanos na Segunda Guerra e iniciou a sequência de eventos que levaram à produção e ao lançamento das bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki.

Da caixa de livros ao Arquivo Nacional

Intrigados, Bonds e Sharrit procuraram a livraria especializada Whitmore Rare Books, em Pasadena. “Quando alguém diz: ‘Temos o diário de bordo da estação durante os ataques a Pearl Harbor’, você fica atento”, afirmou Dan Whitmore, fundador da empresa ao Washington Post. Ele suspeitou, porém, que o objeto ainda fosse propriedade do governo.

O palpite se mostrou verdadeiro. Procurado, o Arquivo Nacional dos EUA enviou um agente especial à Califórnia para recuperar o documento. Como agradecimento, o casal recebeu duas camisetas oficiais.

Bonds admitiu ter ficado frustrado, pois queria ter recebido algum tipo de compensação pela descoberta. “Sem o olhar atento da minha mãe, o objeto teria desaparecido e ninguém jamais o teria visto novamente. Até agora, só ganhei uma camiseta”, lamentou.

Tesouro histórico recuperado

O Arquivo Nacional inaugurou oficialmente o diário em agosto deste ano, disponibilizando as páginas digitalizadas e as transcrições de parte do conteúdo em seu site. Para os historiadores, o material é valiosíssimo não apenas para compreender os eventos militares, mas também para analisar dados climáticos registrados com disciplina em meio à guerra.

“Este item especial é um dos poucos registros sobreviventes que ajudam a contar a história da ‘data que permanecerá na infâmia’”, aponta Jim Byron, consultor sênior do arquivo, em comunicado publicado no dia 20 de agosto. “Graças aos esforços de um casal californiano com consciência histórica, ele agora está disponível ao povo americano, permitindo que todos apreciem melhor sua história.”

Um pequeno barco resgata um marinheiro do USS West Virginia em chamas, em Pearl Harbor — Foto: Wikimedia Commons

Um pequeno barco resgata um marinheiro do USS West Virginia em chamas, em Pearl Harbor — Foto: Wikimedia Commons

Mais de 80 anos depois, os registros feitos por marinheiros anônimos se juntam a outros documentos históricos que seguem sendo digitalizados. “A guerra os cercava, mas eles ainda faziam seu trabalho com tanto profissionalismo. É graças à sua dedicação e determinação que temos essas observações 80 anos depois”, observa o climatologista Praveen Teleti, em declaração de 2023.

(Por Arthur Almeida)