Assessoria

Nós, Mães pela Diversidade, repudiamos com veemência o Projeto de Lei nº 159/2025, em andamento na Câmara Municipal de Cuiabá/MT, que “dispõe sobre a proibição de realização de procedimentos hormonais e cirurgias em menores de 18 anos com a finalidade de transição de sexo ou alteração de gênero, no âmbito do Município de Cuiabá, e dá outras providências”.

A identidade de gênero autopercebida, a intimidade, a privacidade, a saúde, a integridade física e a própria vida se constituem em direitos fundamentais de toda pessoa humana, reconhecidos implícita ou expressamente na Constituição Federal (artigo 5º) e em diversos tratados internacionais, como a Convenção Americana de Direitos Humanos.

Segundo dispõe o Princípio nº de Yogyakarta, “toda pessoa tem direito à sua integridade física e mental e à sua autodeterminação, independentemente da sua orientação sexual, identidade de gênero, expressão de gênero ou das suas características sexuais”.

Em nosso país cirurgias de redesignação sexual jamais foram autorizadas para menores de 18 anos, mas terapias como bloqueio puberal e hormonização cruzadas eram permitidas até recentemente, de forma individualizada e em protocolos rígidos de acompanhamento interdisciplinar e multidisciplinar, diante das evidências científicas indiscutíveis de que reduzem agravos em saúde mental de pré-púberes e adolescentes
que vivenciam disforia de gênero, ou seja, o intenso sofrimento relacionado à não conformidade de seu corpo com o gênero autopercebido (ou imposto, no caso de pessoas intersexo).

O referido Projeto de Lei desconsidera tais evidências científicas e os índices altíssimos de violência transfóbica a que estão sujeitas crianças e adolescentes (que, adequando o corpo ao gênero, podem reduzir a possibilidade de serem identificadas como trans) e aumenta os riscos de utilização de hormônios e intervenções corporais sem prescrição médica, com sérias consequências para a saúde.

Embora o Conselho Federal de Medicina, por meio da Resolução nº 2.427/2025, tenha proibido esses procedimentos para menores de 18 anos, tal proibição está sendo questionada junto ao Supremo Tribunal Federal por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade 7806, da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 1221 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 1223.

Consideramos que o Projeto de Lei nº 159/2025 é formal e materialmente inconstitucional, pois os Municípios não têm competência legislativa para disciplinar limites a atendimento à saúde (artigo 30 da Constituição Federal) e seu conteúdo ofende direitos e princípios fundamentais, como:

• o direito fundamental à identidade de gênero (reconhecido pelo Comitê sobre os Direitos da Criança da ONU no relatório Concluding observations on the combined fifth to seventh periodic reports of Brazil; pela Corte Interamericana de Direitos Humanos nos Casos Atala Riffo e filhas vs Chile, Flor Freire vs. Equador, Azul Rojas Marín e outra vs. Peru, Vicky Hernández e outras vs. Honduras, Pavez Pavez vs. Chile e Olivera Fuentes vs. Peru, e nas Opiniões Consultivas nº 17/02, 24/17 e 29/22; e pelo Supremo Tribunal Federal, na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4275);

• o direito fundamental à saúde (reconhecido no artigo 24 da Convenção sobre os Direitos da Criança, nos artigos 6º e 196 da Constituição Federal, no artigo 7º do Estatuto da Criança e do Adolescente e no artigo 19 do Estatuto da Juventude);

• os princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana e da autonomia progressiva (artigo 1º, da Constituição Federal, artigo 15 do Estatuto da Criança e do Adolescente e artigo 2º, I, do Estatuto da Juventude), da igualdade e respeito às diferenças (artigo 5º, caput e inciso I, da Constituição Federal e artigo 20, VI, do Estatuto da Juventude), da zão discriminação (artigo 2º da Convenção sobre os Direitos da Criança; artigos 3º, IV e 227, caput, da Constituição Federal, artigos 5º e 16, V, do Estatuto da Criança e do
Adolescente, e artigo 17, II, do Estatuto da Juventude), da liberdade (artigo 5º, II, da Constituição Federal e artigo 15, do Estatuto da Criança e do Adolescente), da universalidade (artigo 5º, caput, da Constituição Federal e artigo 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente), da prioridade e da proteção integral (artigo 227, caput, da Constituição Federal e artigo 3.2 da Convenção sobre os Direitos da Criança), do melhor interesse (artigos 3.1 e 9.2 da Convenção sobre os Direitos da Criança), da solidariedade (artigos 227, caput, e §7º, da Constituição Federal e artigo 19 da Convenção Americana de Direitos Humanos), da cidadania (artigo 15 do Estatuto da Criança e do Adolescente e artigo 2º, IV, do Estatuto da Juventude), da proibição de retrocesso social (relacionado aos princípios da segurança jurídica, da máxima eficácia e efetividade das normas definidoras de direitos fundamentais e da proteção da confiança, da essência das democracias constitucionais), e da razoabilidade e da proporcionalidade (relacionado aos princípios do Estado de Direito e do devido processo legal). Assim, nós, Mães pela Diversidade, esperamos que o projeto seja integralmente rejeitado, eis que formal e materialmente inconstitucional, abstendo-se o Município de legislar sobre restrições de direitos e princípiosfundamentais de crianças e adolescentes que escampam à sua competência.