Um estudo que usou uma inteligência artificial (IA) treinada para analisar estilos de caligrafia em textos religiosos sugere que os Manuscritos do Mar Morto podem ser bem mais antigos do que se imaginava. Em artigo científico publicado nessa quarta-feira (4) na revista PLOS One, os pesquisadores do projeto concluem que algumas passagens bíblicas datam dos séculos 5 a.C. até 2 d.C.

Ao jornal The Guardian, Mladen Popović, autor da pesquisa, afirma que os novos insights desafiam ideias sobre quando, onde e por quem essas produções foram escritas. “É como uma máquina do tempo. Podemos apertar a mão dessas pessoas de 2 mil anos atrás e contextualizá-las com muito mais facilidade”, pondera ele.

Manuscritos do Mar Morto

Encontrados por volta das décadas de 1940 e 1950 em cavernas do sítio arqueológico Khirbet Qumran, na Cisjordânia, às margens do Mar Morto, os Manuscritos do Mar Morto são um compilado de fragmentos de escritos religiosos. Dentre os quais estão passagens bíblicas, hinos santos, orações, livros apócrifos e documentos legais.

A análise desses manuscritos é dificultada pela diferença de estilos gráficos adotados de um autor para o outro. Mas os especialistas acreditam que a compreensão de seu conteúdo e contexto tem o potencial de alterar profundamente os estudos sobre as origens do cristianismo e da formação do judaísmo pós-bíblico.

No passado, por volta da década de 1990, alguns pergaminhos já tinham passado pelo processo de datação por radiocarbono, mas os resultados foram prejudicados pela presença de óleo de rícino no material. A substância foi aplicada em 1950 para ajudar os primeiros especialistas a lerem os manuscritos.

Dessa forma, neste novo esforço, a equipe optou por limpar os manuscritos e submetê-los à avaliação de uma IA. O método mais moderno combina aprendizado de máquina, datação por radiocarbono e análise de caligrafia para estimar com mais precisão a idade de textos antigos.

Tiras dos Manuscritos do Mar Morto em exposição no Museu da Jordânia — Foto: Wikimedia Commons
Tiras dos Manuscritos do Mar Morto em exposição no Museu da Jordânia — Foto: Wikimedia Commons

Análise pela IA

O modelo de IA recebeu o nome de “Enoque”, em referência a um dos Manuscritos do Mar Morto, o qual teria sido supostamente escrito pelo bisavô de Noé, de mesmo nome. Trata-se da primeira tecnologia baseada em aprendizado de máquina que pode usar dados brutos de imagens para datar escritos antigos.

A equipe treinou Enoque alimentando-o com 62 imagens digitais de traços de tinta de 24 dos manuscritos datados por radiocarbono, juntamente com as datas de carbono-14. Ela, então, verificou o modelo mostrando a Enoque mais 13 imagens dos mesmos manuscritos.

Em 85% dos casos, o modelo produziu idades que coincidiam com as datações por radiocarbono. Na maioria deles, ele produziu uma faixa menor de datas prováveis do que a obtida apenas com a datação por radiocarbono.

Quando Enoque finalmente recebeu imagens de 135 manuscritos que não tinha visto anteriormente, ele datou realisticamente 79% deles. “A sua grande vantagem é que essa tecnologia fornece objetividade quantificada à paleografia, reduzindo a subjetividade do método”, escrevem os autores no artigo.

Sucesso da metodologia

Com a técnica aperfeiçoada, os pesquisadores dataram com sucesso 27 amostras por radiocarbono. Descobriu-se que, embora duas fossem mais novas do que a análise da caligrafia havia sugerido, muitas eram mais velhas. Sendo assim, o grupo acredita que o modelo poderá ser usado agora para apoiar, refinar ou modificar estimativas de data. Tudo isso com uma precisão jamais vista.

“Existem mais de 1.000 manuscritos de pergaminhos do Mar Morto”, observa Popović. “Nosso estudo é um primeiro, mas significativo, passo, abrindo uma porta para a história com novas possibilidades de pesquisa”.

(Por Arthur Almeida)