Apesar de ter sido criada há quase seis décadas, a Lei 4.950-A/66, que determina o piso salarial para engenheiros, arquitetos, agrônomos e veterinários, com base em múltiplos do salário mínimo, ainda enfrenta resistência por parte de empresas contratantes. A norma estabelece que, para jornadas de seis horas diárias, o salário deve ser de, no mínimo, seis salários mínimos. Caso a carga horária diária seja superior, cada hora adicional representa um acréscimo de 25% sobre esse valor da hora normal.

O advogado João Batista, especialista em Direito do Trabalho, esclarece como o Judiciário tem interpretado a aplicação da lei e quais estratégias são utilizadas por empresas para tentar burlar a norma. Segundo ele, a legislação não fere a Constituição, como alegam alguns empregadores, que apontam uma vedação à indexação de salários ao salário mínimo.

“O que é proibido pela Constituição é o reajuste automático com base no salário mínimo. A Lei 4.950-A/66 apenas usa o salário mínimo como referência para estabelecer múltiplos salariais como critério de cálculo para o piso fixo, sem correção automática. É diferente”, explica Batista. “A jurisprudência, inclusive, já consolidou esse entendimento no Tribunal Superior do Trabalho, através da Orientação Jurisprudencial n. 71”, pontua.

Outro ponto abordado pelo advogado é a tentativa de esvaziar a aplicação da lei por meio de acordos ou convenções coletivas, que muitas vezes oferecem salários abaixo do piso previsto ou enquadramento sindical equivocado. Segundo Batista, isso só é possível se a negociação coletiva for mais vantajosa para o trabalhador e respeitar o piso profissional legal.

“Se o acordo não garante uma condição melhor que a da legislação federal, ele não pode se sobrepor. O salário mínimo profissional deve ser respeitado, e só uma proposta mais benéfica poderia ser aceita, sob pena de vulnerar princípios constitucionais que protegem a intangibilidade e a irredutibilidade salarial”, reforça.

O especialista também ressalta o uso de títulos genéricos, como “analista”, “auxiliar”, “supervisor” ou “coordenador”, para evitar o pagamento do piso. De acordo com João Batista, essa prática é recorrente e visa descaracterizar a função real exercida pelo profissional.

“O nome do cargo pode ser qualquer um. O que importa para a Justiça do Trabalho é o que o trabalhador realmente faz no dia a dia. Se ele executa tarefas que exigem formação e conhecimento técnico de engenheiro, por exemplo, tem direito ao piso”, afirma.

A Justiça costuma levar em conta o chamado princípio da primazia da realidade, que considera as atividades de fato exercidas, e não apenas o que está escrito no contrato.

As contratações feitas por meio de pessoa jurídica (PJ) também foram tema da entrevista. Segundo João, essa prática — chamada de “pejotização” — é comum e frequentemente utilizada como forma de driblar direitos trabalhistas.

“Se há subordinação jurídica, habitualidade, pessoalidade e pagamento fixo, estamos diante de uma relação de trabalho, mesmo com um contrato celebrado supostamente entre empresas. A Justiça do Trabalho pode reconhecer o vínculo empregatício, sendo competente para isso, nos termos do art. 3º e 9º da CLT, e aplicar o piso da Lei 4.950-A/66”, explica o advogado.

Atualmente, o Supremo Tribunal Federal (STF) discute se a Justiça do Trabalho continuará sendo responsável por julgar casos como esse. Batista alerta que uma mudança dessa competência pode representar um retrocesso.

“Estamos acompanhando o julgamento no STF, através do Tema 1.389, a respeito da Justiça do Trabalho perder sua competência material, inclusive com o recente voto do ministro Gilmar Mendes, suspendendo os processos que versam sobre a matéria da ‘pejotização’. Caso se defina que a competência material para analisar a fraude nesses contratos de PJ seja da Justiça Comum, se tornará mais difícil para os profissionais dessas categorias contestarem esse tipo de fraude, já que temos graves problemas estruturais e de efetividade na Justiça Comum, além do próprio sistema processual mais solene e formal. Tecnicamente, a Justiça do Trabalho é quem possui a competência material para analisar fraudes nas relações de trabalho, nos termos do art. 9º da CLT, que segue vigente, e afastar sua competência precípua fragiliza os mecanismos de proteção aos direitos sociais. A classe trabalhadora precisa seguir atenta”, conclui.