O delegado Edison Pick, da Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa, falou ao MidiaNews a respeito das investigações sobre a morte do morador de rua Ney Muller Alves Pereira, de 42 anos, assassinado com um tiro na testa pelo procurador da Assembleia Legislativa Luiz Eduardo Figueiredo Rocha e Silva.
O delegado afirma que a motivação citada em depoimento pelo procurador não justifica o assassinato da vítima, que, segundo ele, não teve chance alguma de se defender.
“Um dano material de pequena monta tem um valor, para ele, maior que a vida do Ney? É um motivo fútil, um motivo banal, um motivo de pouca importância para o executor, para o assassino”, disse o delegado.
Ney foi morto na noite de quarta-feira (9) na Avenida Edgar Vieira, após danificar a Land Rover do procurador, que jantava com a família no Posto Matrix. O crime foi cometido depois que Luiz Eduardo deixou a família em casa, o que indica, para o delegado, que o crime foi premeditado.
“Premeditação. Ele tem tempo para raciocinar, pensar o que ele vai fazer e executar. Ele não levou a família dele junto. Ele deixou a família em casa, ele estava sozinho, estava mais fácil de, porventura, ter que sacar sua arma”, afirmou.
Segundo Pick, o procurador sequer havia visto a vítima danificando seu carro e a “reconheceu” na rua, a partir da descrição dada por uma testemunha, podendo ter matado qualquer outra pessoa.
“Não é só o Ney que fica ali naquela região. Tem mais transeuntes, moradores de rua que ficam ali pela região da UFMT. Então, ele poderia ter abordado uma outra pessoa. Uma outra pessoa qualquer”, disse.
O delegado falou também sobre como chegaram tão rápido à identificação do suspeito, o que as imagens coletadas revelaram até então e mais.
Confira a entrevista completa:
MidiaNews – O que levou o senhor e sua equipe a descartarem, já nas primeiras 24 horas, a hipótese de legítima defesa?
Edison Pick – O vídeo deixa bem claro que não houve uma legítima defesa. Tem, sim, uma pessoa que chega em um veículo, já com os vidros abaixados. Em poucos segundos, ele verbaliza e já executa o disparo. Então, não deu chance nem de defesa para a vítima. No vídeo, no primeiro momento, a gente já viu que não existia legítima defesa e, sim, um homicídio.
MidiaNews – A defesa do procurador afirmou que o disparo teria sido motivado por um dano ao carro dele e depois que a vítima avançou no veículo. Esse argumento tem algum peso para a investigação?
Edison Pick – O motivo “dano material” não justifica tirar a vida de uma pessoa. A vida de uma pessoa tem um valor muito maior do que o bem patrimonial ali em questão. Então, aquele motivo que o procurador fala: “tentou danificar o meu veículo”, é um motivo fútil, é um motivo banal, que levou ele a procurar o Ney e acabou executando-o daquela forma.
MidiaNews – Em depoimento, o procurador disse que deixou a família em casa e que, na volta, cometeu o crime. O que esse comportamento sugere para a Polícia Civil?
Edison Pick – Premeditação. Ele tem tempo para raciocinar, pensar o que ele vai fazer e executar. Ele não levou a família dele junto. Ele deixou a família em casa, ele estava sozinho, estava mais fácil de, porventura, ter que sacar sua arma, não tinha sua família por perto. Então, ele, sozinho, seria mais fácil se ele encontrasse um desafeto, no caso, em que ele estava procurando o Ney.
As qualificadoras são definidas no Código Penal. Ele é um rol taxativo, não exemplificativo. Então, premeditar é a forma que ele executou o crime. Ele teve tempo de pensar. Premeditar não é uma qualificadora.
MidiaNews – O senhor pode falar a respeito do indiciamento e das qualificadoras que agravam o crime?
Edison Pick – Ele foi indiciado pelo crime de homicídio qualificado, pelo motivo fútil, e três vezes no inciso 4, ou seja, pela traição, emboscada e por meio que dificultou a defesa da vítima. O motivo fútil é o motivo que levou ele a assassinar o Ney. Um dano material de pequena monta tem um valor, para ele, maior que a vida do Ney? Então é um motivo fútil, um motivo banal, um motivo de pouca importância para o executor, para o assassino. A traição: ele atrai o Ney e embosca quando ele verbaliza, ele chama o Ney. Então, simulou aquela situação de traição, emboscada. E ele não deu chance de defesa para a vítima. No momento que ele chama, ele já saca a arma e executa o tiro.
MidiaNews – Durante o interrogatório, o procurador confessou, mas não explicou a motivação. Como o senhor interpretou esse silêncio?
Edison Pick – Nervosismo, pura e unicamente nervosismo no momento do interrogatório. No momento do crime, ele deveria estar frio, porque ele teve tempo para pensar. Você vê pelo vídeo que mostra ele efetuando o disparo: ele chega, diminui a velocidade, quase que para e aí efetua o disparo. Então, ali foram alguns segundos que dariam para ele pensar: “O Ney exerce algum risco para a minha integridade?”. Ele poderia ter acelerado a caminhonete, em vez de efetuar o disparo.
MidiaNews – Vocês já tiveram tempo para analisar todas as imagens? Elas mostram a vítima avançando contra o carro do procurador?
Edison Pick – Não. Ainda não vimos nenhuma imagem que mostra o Ney projetando o corpo para cima do veículo. Não tem essa imagem. Tem a imagem só de que ele chega próximo ao veículo, mas não tem nenhuma imagem que flagrou o Ney projetando o corpo na janela do veículo.
MidiaNews – Há histórico de conflitos anteriores ou comportamento violento por parte do investigado?
Edison Pick – Não, o procurador não tinha nenhum boletim de ocorrência registrado, nem como vítima, nem como suspeito. Nada, nenhum boletim de ocorrência, nem de trânsito, nada, nada, nada. Uma pessoa que nunca cometeu nenhum delito.
MidiaNews – Isso chama a atenção da Polícia, uma vez que não havia nenhum indicativo de agressividade?
Edison Pick – Chama a atenção por parecer uma pessoa calma, tranquila, que nunca iria fazer isso. Uma pessoa esclarecida, uma pessoa formada em Direito, passou no exame da Ordem, passou no concurso público para procurador da Assembleia Legislativa e cometeu uma fatalidade dessas.
MidiaNews – A vítima era uma pessoa em situação de rua. O senhor acredita que isso tenha influenciado a forma como o crime foi cometido?
Edison Pick – Pode, pode ter influenciado.
MidiaNews – O procurador é um homem branco, com alto salário, cargo de prestígio. A vítima, um homem em vulnerabilidade extrema. Isso pode sugerir algum tipo de impunidade?
Edison Pick – Existe muita prova técnica. Tem a confissão, tem as imagens que mostram a caminhonete do procurador, a arma de fogo apresentada pelo procurador. São provas técnicas que vão demonstrar que o procurador praticou aquele crime. Agora vai depender do júri o que ele vai entender do arcabouço probatório que o inquérito policial apresentar e da sustentação do promotor de Justiça. A condenação ou a absolvição.
MidiaNews – Então, ele pode vir a ser absolvido?
Edison Pick – Pode, depende do júri popular. O inquérito policial apresenta as provas técnicas para uma propositura de uma ação penal ou não. Então, a gente carreou ali todo o arcabouço probatório, todos os depoimentos, tudo que foi coletado sobre o crime e a materialidade dele, por isso o indiciamento. O procurador foi indiciado. Ele cometeu, foi definida a autoria dele, a autoria do crime praticada pelo procurador e a materialidade apresentada para o promotor de Justiça. O promotor de Justiça vai promover a ação penal. E quem vai definir se ele vai ser condenado ou absolvido é o júri popular, com base nas provas apresentadas. Então, o inquérito policial tem um prazo de 10 dias, no caso do flagrante, 10 dias corridos.
MidiaNews – O senhor acredita que esses papéis sociais que eles desempenhavam podem influenciar o júri popular?
Edison Pick – Sim, com certeza. Com certeza.
MidiaNews – Foi possível identificar se houve envolvimento de terceiros, como alguém que soubesse das intenções do procurador?
Edison Pick – Não, não foi identificada nenhuma terceira pessoa junto com o procurador no momento do crime.
MidiaNews – A prisão preventiva foi solicitada e acatada pela Justiça. O que motivou o pedido? O senhor considera que há risco de fuga ou de interferência nas investigações?
Edison Pick – Ele foi preso em flagrante pelo crime de homicídio e ela dá a opção de você pedir a conversão em preventiva, para que o suspeito fique preso preventivamente no decorrer da investigação policial e até a sua condenação.
De fuga, acredito que não, mas de interferência, sim. Ameaçar testemunhas, perder as imagens captadas pela equipe de investigação. Tudo é possível.
MidiaNews – O caso gerou comoção e repercussão social. Isso afeta de alguma forma a condução do inquérito?
Edison Pick – A gente precisa separar o emocional do profissional. Quem está conduzindo o inquérito policial. A técnica de investigação não pode ser abalada pela emoção do profissional que está conduzindo a investigação. A gente até evita de ficar lendo jornais, comentários, para não se envolver com a comoção social.
MidiaNews – O Ney tinha o histórico de danificar veículos e outras propriedades alheias.
Edison Pick – O Ney tinha um histórico de causar danos e furtos de pequena monta. Ele vivia naquela região do viaduto da UFMT, tem alguns boletins de ameaça, de dano, furto, roubo. Toda vez que ele entrava – isso são os relatos da família – toda vez que ele entrava em crise, ou pela doença, ou pelo entorpecente, que ele também era usuário de entorpecente, fugia de casa ou fugia da internação. Foram alguns casos. Quando ele fugia da internação, até a família o encontrar, ele já estava em situação de rua. Da mesma forma, quando fugia de casa.
MidiaNews – Algo que chamou a atenção foi o fato de o procurador não ter visto a vítima danificando o veículo e ter se embasado apenas no relato de possíveis testemunhas. O procurador corria o risco de identificar a pessoa errada e matar a pessoa errada?
Edison Pick – Com certeza. Não é só o Ney que fica ali naquela região. Tem mais transeuntes, moradores de rua que ficam ali pela região da UFMT. Então, ele poderia ter abordado uma outra pessoa. Uma outra pessoa qualquer.
MidiaNews – Que características foram repassadas para ele no posto?
Edison Pick – Segundo o interrogatório dele, as características seriam um homem magro, alto, cabeludo, de shorts e camiseta vermelha.
MidiaNews – Quais são os próximos passos e os últimos procedimentos realizados pela polícia nesse caso?
Edison Pick – Hoje (terça-feira) pela manhã foi determinado já o envio do número do inquérito policial e as últimas diligências para o Tribunal de Ética da OAB, da seccional da OAB aqui no Estado de Mato Grosso. Foi oficiado à Polícia Federal o ocorrido e a apreensão da arma de fogo, seu registro e seu porte. E também oficiado para que sejam captadas as imagens do posto de combustível e da base comunitária da Polícia Militar de Boa Esperança.
MidiaNews – Mesmo antes de o procurador ter se entregado à Polícia, vocês já tinham a identificação dele. Como chegaram tão rápido à sua identidade?
Edison Pick – Logo no local, ao entrevistar algumas pessoas, elas falaram que teria sido uma Land Rover preta. Como é um carro muito incomum, foi fácil identificar na primeira câmera de vigilância que a gente visualizou no momento da coleta das imagens. Ali é uma região de muito monitoramento, então foi fácil identificar o veículo e seu proprietário. Com a identificação do veículo, a gente chegou na placa e no indivíduo, o suspeito.
MidiaNews – Há algo que o senhor gostaria que a população soubesse sobre esse caso?
Edison Pick – Que o inquérito policial está sendo carreado de provas que vão provar a materialidade do crime. Em nenhum momento eu parti em defesa do procurador, apenas expliquei o que aconteceu no auto de prisão em flagrante, no dia da coletiva.
(MidiaNews)