Nos últimos dias, têm sido recorrentes as apreensões de cestas básicas vinculadas à facções criminosas, em Mato Grosso, em operações desenvolvidas pelas policiias Civil e Militar.

Essas apreensões revelam como o crime organizado vem adotando a prática assistencial, com doação de alimentos, remédios e outros itens de necessidade básica, como uma estratégia para conquistar a confiança, aliciar e influenciar comunidades carentes.

Na última quarta-feira (2), policiais militares da Cavalaria prenderam um homem e duas mulheres, por tráfico ilícito de drogas, em Nova Mutum (271 quilômetros ao Norte de Cuiabá).

Na residência dos suspeitos, foram apreendidas 34 cestas básicas, que seriam distribuídas a mando da facção criminosa Comando Vermelho.

A equipe policial recebeu denúncias de que uma residência seria utilizada para comercialização de drogas e armazenamento de cestas básicas, que seriam distribuídas por uma facção criminosa na cidade.

Os policiais se deslocaram até o endereço e abordaram uma suspeita.

A mulher confirmou as informações sobre o estoque de alimentos na residência, a mando da facção.

A equipe entrou no local e localizou um homem e uma outra mulher, com porções de maconha.

Em buscas, também foram encontradas porções de pasta base de cocaína e uma quantia de dinheiro.

Ainda sobre os alimentos, a mulher ressaltou que estavam sob os cuidados de seu irmão, que não foi localizado.

Os policiais identificaram que o homem já tem passagem criminal pelo crime de tráfico de drogas.

Em relato, o suspeito confessou que faz parte da facção, sendo responsável por tortura e cobrança de dívida.

DEPÓSITO  CLANDESTINO 

No dia 25 de fevereiro, uma operação conjunta da Polícia Civil e da Polícia Militar levou à localização de um depósito clandestino ligado ao Comando Vermelho, em São José do Xingu (1.200 km a Nordeste de Cuiabá), e desmantelou um esquema ilegal de doações de cestas básicas.

A ação foi desencadeada depois que investigações e denúncias anônimas sobre distribuição de cestas básicas e outros produtos sem origem lícita comprovada, que seriam utilizados como estratégia para fortalecimento da facção na cidade.

Os policiais identificaram um ponto de armazenamento de mercadorias e iniciaram o monitoramento.

As equipes observaram a chegada de um caminhão que descarregou diversos itens.

Os policiais se aproximaram e flagraram quatro suspeitos manuseando os produtos.

No local, os policiais encontraram alimentos, produtos de higiene e eletrônicos, além de uma pequena quantidade de entorpecente.

Entre os itens apreendidos, estavam arroz, feijão, óleo, macarrão, sabão em pó e detergentes, entre outros.

A principal suspeita encontrada no imóvel, uma jovem de 20 anos, alegou ter recebido os produtos para doação, mas não quis revelar a origem e o financiador dos produtos.

Segundo o delegado Victor Donizete, responsável pelo caso, as investigações apontaram que a facção estava utilizando a entrega de cestas básicas como uma forma de ganhar apoio popular e ampliar sua influência na comunidade local.

Essa prática já foi identificada em outras regiões, onde grupos criminosos buscam se infiltrar na sociedade por meio de ações assistencialistas.

A operação faz parte do programa Tolerância Zero, do Governo de Mato Grosso, para combater as facções criminosas no Estado.

A Polícia Civil segue investigando a real origem das mercadorias, os financiadores e eventuais conexões com outros suspeitos.

Comprovada a prática criminosa, os investigados poderão responder pelos crimes de organização criminosa, receptação e outros delitos.

Distribuir cestas básicas faz parte da tática de infiltração dos grupos criminosos no dia a dia das comunidades.  (Foto: Reprodução HiperNotícias)

ASSISTENCIALISMO 

Em uma reportagem especial, no começo de março, o site Metrópoles,do DF, apontou que aspreensões recorrentes de cestas básicas vinculadas à facções criminosas, nos últimos meses, têm revelado como o crime organizado adota a prática assistencial, com doação de alimentos, remédios e outros itens de necessidade básica, como uma estratégia para conquistar a confiança, aliciar e influenciar comunidades carentes.

“Só em Mato Grosso, Estado que luta para evitar o avanço das facções criminosas, milhares de cestas básicas do Comando Vermelho (CV) foram apreendidas do ano passado para cá, em diferentes cidades e regiões”, disse a publicação.

O objetivo da distribuição dos alimentos, segundo a Polícia Civil do Estado, é sempre o mesmo: garantir o apoio e silêncio locais para dificultar a atuação policial.

Na entrevista, o delegado titular da Gerência de Operações Especiais (GOE), da Polícia Judiciária Civil de Mato Grosso (PJC-MT), Frederico Murta, disse o assistencialismo “criminal” está presente desde a origem das organizações criminosas, não restringindo-se, apenas, ao Estado.

“Essa é uma tática muito comum. Geralmente, elas atuam onde o Estado se faz ausente e se aproveitam dessa lacuna”, diz ele.

O site lembrou que a facção paulista Primeiro Comando da Capital (PCC) também tem histórico de doações e auxílio social, como forma de angariar apoio popular, desde a sua origem.

No início dos anos 2000, por exemplo, o grupo criminoso mantinha pontos de apoio a moradores de bairros carentes de São Paulo, com cadastro de famílias para receber leite, gás de cozinha e cestas básicas.

Essa tática facilita a infiltração dos grupos criminosos no dia a dia das comunidades, além de demarcar territorialmente a área de influência e domínio.

Fora isso, outra consequência direta da aproximação do crime com pessoas em situação de vulnerabilidade, por meio do assistencialismo, é o aliciamento de novos integrantes para as facções.

O alvo, nesse caso, geralmente, são os mais jovens.

NOVOS INTEGRANTES 

Em agosto do ano passado, a polícia apreendeu 215 cestas básicas que seriam distribuídas por uma facção criminosa em cidades de Mato Grosso, na região da fronteira com a Bolívia.

O caso foi descoberto, após denúncia anônima, que informou que um caminhão cheio de mantimentos havia saído de Várzea Grande, na região metropolitana de Cuiabá, com destino à fronteira.

O objetivo da facção com a entrega das cestas, conforme o denunciante, era ganhar a simpatia da população e recrutar novos integrantes para o grupo.

Mato Grosso possui uma fronteira extensa com a Bolívia, de cerca de 730 quilômetros.

Do ponto de vista do tráfico de drogas, isso torna o Estado um território estratégico.

Não à toa, quase todas as cidades da região têm registro de presença de facções.

“Temos uma dificuldade um pouco maior do que outros estados, em relação ao fluxo de fronteira, mas é um problema que ultrapassa as questões de Mato Grosso. A droga que passa por aqui é droga que vai abastecer outros estados. Não vejo isso interferindo de maneira considerável no tráfico local. Temos uma situação de fronteira que é extremamente complexa”, afirma Murta.

CESTAS EM CASA DE PROSTITUIÇÃO

As cestas apreendidas na região da fronteira foram encontradas, à época, numa casa de prostituição na cidade de Pontes e Lacerda (448 km a Oeste de Cuiabá).

O local, conforme a investigação, pertenceria a uma facção criminosa.

A proprietária não revelou a origem dos produtos.

Por meio do motorista do caminhão, o delegado conseguiu chegar ao estabelecimento onde os itens foram comprados e confirmou o vínculo com a facção.

“A prática de assistencialismo, que já se tornou uma forma de atuação das facções, é muito prejudicial para a sociedade, porque, enquanto passa a sensação de que os criminosos cuidam da população mais desassistida, aproxima as nossas crianças do tráfico de drogas e desse meio que é extremamente violento”, expôs, em abril do ano passado, o delegado Gustavo Belão, durante uma outra apreensão de cestas em Cuiabá.

Em geral, depois de apreendidas, as cestas básicas são entregues pela própria polícia a instituições de caridade nos municípios respectivos.

Esse procedimento é adotado, após autorização judicial e averiguação da validade dos itens alimentícios.

Em agosto do ano passado, por exemplo, 149 cestas foram entregues a entidades de Nortelândia (253 km ao Norte da Capital).

DISQUE DENÚNCIA 

A sociedade pode contribuir com as ações da Polícia Militar de qualquer cidade do Estado, sem precisar se identificar, por meio do 190, ou disque-denúncia 0800.065.3939.

Polícia Militar de Mato Grosso identificou estratégia para fortalecimento da facção criminosa e desfez o esquema. (Fotos: PM-MT)