As pressões para conter a alta dos alimentos dentro do país e para administrar os efeitos da guerra tarifária implementada por Donald Trump encurralam o governo e podem afetar ainda mais a já impactada popularidade do presidente Lula (PT).
O que aconteceu
Preço da comida é um dos principais vilões da inflação hoje. Dados do IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) apontam que alimentos e bebidas subiram 5,4% nos últimos cinco meses, alta acumulada que supera a inflação de todo o ano de 2024 (4,83%).
Alta de preços de alimentos é principal desafio do governo. O Planalto vê a alta dos preços como o principal fator para as sucessivas quedas de popularidade de Lula —pesquisas mostram que 8 a cada 10 brasileiros já sentem esta pressão— e avalia que o quadro só será revertido com diminuição do peso do bolso.
Cena internacional vai agravar cenário interno, avaliam especialistas. A decisão do presidente dos EUA, Donald Trump, de dobrar as taxas aplicadas a produtos da China para 20% terá impactos no mercado interno brasileiro: os preços tendem a subir dentro do país.
China pode aumentar procura por produtos brasileiros para substituir importação mais cara dos EUA. Empresas no Brasil passariam a produzir para atender a demanda por mais exportações para a China e, com isso, podem faltar produtos para atender o mercado interno, o que pressionaria mais os preços.
Redução na alíquota de alimentos para importação anunciada pelo governo não terá efeito imediato na popularidade de Lula. Especialistas ouvidos pelo UOL afirmam que a medida, anunciada na última quinta, não chegará ao consumidor final tão rapidamente. “É difícil ter um efeito tão rápido na queda de popularidade do presidente Lula neste momento”, afirma Guilherme Russo, diretor de inteligência da Quaest.
Alívios não vêm na mesma proporção para a população. Segundo Roberto Bocaccio Piscitelli, professor de finanças públicas da UnB (Universidade de Brasília), uma parte dessa redução é absorvida e transferida para os lucros das empresas.
Não há resultados significativos no curto prazo. “O desafio seria o crescimento econômico sem a inflação alta de forma contínua e uma estabilidade nos preços”, diz Russo, que projeta uma melhora na percepção desse eleitores nos próximos 7 a 12 meses.
Medida pode ter efeito sobre parcela do eleitorado que sempre votou no Lula, avalia Russo. “O grupo formado por mulheres, chefes de família de baixa renda (que vai ao mercado) passa a perceber que ele está fazendo alguma coisa”, diz.
Inflação de alimentos não é único adversário da popularidade do presidente. “Não é só a inflação que machucou a popularidade presidencial, houve uma decepção com o terceiro mandato do presidente, com um governo que se dizia preocupado com os mais vulneráveis. É a maneira como Lula deixa de atender algumas expectativas”, diz Rafael Cortez, cientista político da Tendências Consultoria.
Trump, mudanças tarifárias e impactos para o Brasil
Eleição e início do governo Trump criou ambiente de incerteza. Os últimos anúncios do presidente dos EUA aumentando tarifas de importação também para o Canadá e México trouxeram dúvidas para o ambiente econômico. “É uma política que trouxe instabilidade”, afirmou Piscitelli, da UnB.
Efeito reverso e busca pelo Brasil. “Nas próximas semanas, as pessoas vão entender melhor as posições de Trump e ver Lula mais conciliador”, acredita Cortez. “Países como China e México e a União Europeia podem buscar o Brasil e haver uma renegociação. Nesse caso, o Brasil poderia exportar muito mais para esses países do que para os EUA.”
Equilíbrio é processo lento, dizem especialistas
Risco de esfriar economia com juro alto. Cortez, da Tendências, projeto esfriamento da economia nos próximos meses com a necessidade de aumentar o juro para segurar a inflação atual. “O Banco Central dá sinais de que vai apertar a taxa de juros (subir a Selic) porque o mercado e os preços estão aquecidos”, diz.
Os juros são um instrumento do BC para segurar a inflação. Quanto mais alto, mais caro ficam compras a prazo, por exemplo, o que ajuda a reduzir consumo, ou a demanda, e ajuda a forçar uma redução de preços no mercado.
Capital político de Lula é “mais limitado” do que nas últimas eleições, segundo Cortez. Para ele, as imagens dos programas sociais do governo não são mais suficientes para a manutenção de sua popularidade. “Estamos falando de um Lula muito mais rejeitado, recuperar esse capital político não será uma tarefa fácil”.
Governo terá boa safra ano que vem, mas se preocupa com desaceleração econômica. “Com o aumento sucessivo na taxa de juros não se sabe se será possível manter o nível de crescimento tão alto”, diz Cortez. Apesar disso, na avaliação dele, a expectativa é para que as condições da safra sejam favoráveis, o que pode causar o barateamento de certos produtos.
Inflação é fenômeno internacional
Inflação de alimentos também atinge outros países e tem causas diversas. Dentre as possíveis causas estão a guerra entre Rússia e Ucrânia, que impacta a cadeia de suprimentos, e eventos climáticos adversos, como a tragédia no Rio Grande do Sul, no caso do Brasil.
A guerra e as sanções desestruturaram a cadeia de suprimentos global e isso gera um desequilíbrio entre oferta e demanda. É algo que está acontecendo no mundo e que reflete aqui de forma mais exacerbada devido ao nosso câmbio desvalorizado e à demanda interna, que está alta”, diz Gustavo Moreira, coordenador do curso de economia do Ibmec-RJ.
Dólar alto e demanda alta no país
Cenário doméstico é agravado pelo dólar alto. O preço do dólar é fortemente impactado pela percepção que investidores e empresas têm dos riscos fiscais do país. “No Brasil, o problema da inflação está associado à falta de credibilidade na política macroeconômica, isso gera insegurança no mercado, o que repercute no dólar e consequentemente nos preços”, diz Oliveira, da FGV.
O dólar é negociado hoje na casa dos R$ 5,80. No final do ano passado, chegou à casa dos R$ 6,20. Ainda que o dólar tenha se valorizado frente a diversas moedas no mundo, o real foi uma das que mais se desvalorizou em 2024 e uma das explicações é a insegurança com a questão fiscal. O dólar alto encarece insumos agrícolas, maquinário, frete e combustíveis, o que impacta os preços ao consumidor final.
Outro fator é o crescimento do consumo das famílias. Em 2024, o consumo das famílias teve crescimento de 4,8%, o que significa aumento da demanda. “Existe uma pressão nos alimentos associada a, de um lado, fenômenos climáticos que afetaram algumas culturas e, de outro, o consumo das famílias que cresceu. Isso faz com que o preço dos alimentos suba”, diz Oliveira. (Fonte: UOL)