O cinábrio é um mineral de forte tonalidade vermelha, amplamente empregado por civilizações antigas em pinturas, máscaras, joias e até mesmo em procissões ritualísticas. Um exemplo desse uso foi identificado por arqueólogos chineses, que divulgaram a novidade na segunda-feira (24) na revista Archaeological and Anthropological Sciences.
Trata-se do primeiro caso registrado de um esqueleto antigo com dentes tingidos de cinábrio. O crânio foi desenterrado em 2007, durante escavações no cemitério Shengjindian, localizado na cidade de Turpan, no noroeste da China. A análise revelou que os restos mortais datam de aproximadamente 2.200 a 2.050 anos atrás.
Desde o primeiro exame, os pesquisadores suspeitaram que os ossos pertenciam a uma mulher de posição social elevada, devido à tonalidade avermelhada incomum de seus dentes. Somente após a aplicação de técnicas de análise molecular foi possível confirmar que a substância era, de fato, cinábrio.
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Formado em áreas de atividade vulcânica, o cinábrio se destacava tanto por sua coloração vibrante quanto por sua facilidade de manuseio: costumeiramente triturado e transformado em um pó fino, ele era misturado com líquidos, originando diferentes tipos de tintas.
Entre os primeiros povos a utilizá-lo estavam as antigas dinastias chinesas, há cerca de 8,5 mil anos, que o empregavam na pintura de paredes e em objetos considerados refinados, como vasos e ornamentos feitos com entalhes.
“Este é o primeiro e único registro conhecido do uso de cinábrio como pigmento vermelho para tingimento de dentes na antiguidade e em todo o mundo”, afirmam os pesquisadores no artigo. “Dada a relevância dessa descoberta e o possível alto status dessa jovem mulher, a nomeamos ‘Princesa Vermelha da Rota da Seda’.”
O título faz alusão à famosa tumba da “Rainha Vermelha de Palenque”, no México, onde tanto as paredes quanto os restos mortais de uma rainha maia foram estavam cobertos também com pó de cinábrio.
No entanto, as civilizações antigas não tinham conhecimento de que o cinábrio é composto por sulfeto de mercúrio — um elemento altamente tóxico. Quando exposto a altas temperaturas, ele libera vapores de mercúrio, que podem ocasionar em uma intoxicação se inalados. Com o tempo, a identificação de sua composição, aliada ao surgimento do vermelho-cádmio como alternativa, levou à gradual descontinuação do uso desse mineral.
Tradição xamânica
Segundo a datação realizada, a mulher provavelmente viveu durante o início da dinastia Han (206 a.C.–220 d.C.), período marcado pela consolidação da influência chinesa sobre as rotas comerciais asiáticas, posteriormente conhecidas como Rota da Seda.
Pela falta do mineral nas proximidades da cidade de Turpan, os pesquisadores acreditam que ele tenha sido transportado ao longo da própria Rota da Seda. Sua origem pode ser outra região da Ásia ou até mesmo da Europa, que importou a moda chinesa do uso do pigmento.
Já os motivos que levaram à pintura dos dentes desse crânio ainda permanecem desconhecidos. Como se trata de um caso único até o momento, é difícil levantar hipóteses, já que não há registros de outras ocorrências semelhantes.
Contudo, com base em registros históricos sobre as tradições xamânicas da região, essa prática pode estar ligada à crença chinesa de que a alma humana residia nos dentes. Ao tingi-los com cinábrio, os xamãs talvez buscassem evocar um símbolo de imortalidade durante uma cerimônia fúnebre realizada após a morte da mulher.
No entanto, o consumo de líquidos contendo cinábrio também era uma prática comum na época. De acordo com os pesquisadores, o mineral poderia ter sido ingerido em rituais de cura com o objetivo de “acalmar a mente, prolongar a vida e até expulsar espíritos malignos”.
Eles sugerem ainda que, sob a influência das crenças xamânicas, o cinábrio pode ter sido utilizado como uma substância psicoativa, capaz de alterar a consciência e facilitar a comunicação com entidades divinas.
(Por Redação Galileu)