Um relatório produzido pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e a Defensoria Pública de Mato Grosso (DPMT) aponta que a renda per capita média das famílias da ocupação Brasil 21, em Cuiabá, é de apenas R$ 227 por mês. As 417 famílias foram retiradas do local no dia 11 de março, após uma decisão judicial de reintegração de posse.

Segundo os dados, 17% das residências não tinham banheiro e 5% não possuíam acesso à rede de abastecimento de água. Ainda sobre infraestrutura, 25% famílias não tinham acesso à rede de esgoto, 9% faziam uso de fossa coletiva, e 61% utilizavam fossa doméstica.

O relatório, divulgado nessa terça-feira (30), foi realizado por professores e alunos de Arquitetura e Urbanismo, Geografia, e Serviço Social da UFMT durante os meses de março e abril. O levantamento foi solicitado pela Defensoria Pública, por meio de um ofício enviado no dia 13 de março, atendendo a um pedido das lideranças comunitárias. De acordo com o defensor público Fábio Barbosa, que acompanhou o caso, com base nos dados do relatório, a Defensoria vai informar as demais autoridades competentes e tomar as medidas necessárias.

Foram identificadas 417 unidades familiares, totalizando 1.148 pessoas, a maior parte chefiada por mulheres (62%). Além disso, há 53 pessoas com deficiência (PcD), 29 crianças com menos de 1 ano de idade, 37 pessoas idosas, 13 analfabetas, 319 desempregadas. Há ainda 135 mães solo, o que corresponde a 32% das famílias entrevistadas.

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Perguntadas sobre as motivações que as levaram a ocupação irregular, 51% das famílias indicaram a busca por moradia própria/não pagar aluguel, 27% sinalizaram que enfrentam dificuldades financeiras, e 19% declararam a necessidade de moradia devido à mudança de país. Dos entrevistados, aproximadamente 72% são brasileiros, 26% são imigrantes originários da Venezuela, cerca de 1% são da Colômbia e do Haiti, e uma pessoa veio da República Dominicana.

Dentre os 417 entrevistados, 200 (48%) estão desenvolvendo atividade laborativa, 184 (44%) estão desempregados, 19 (4,5%) são aposentados ou pensionistas e 11 (3%) recebem repasse financeiro do Benefício de Prestação Continuada (BPC), destinado a pessoas idosas ou com deficiência que não possuem condições de estarem inseridas no mercado de trabalho e que não tiveram contribuição prévia à Previdência Social, ainda 11 (3%) pessoas não informaram.

Em relação à inclusão em programas sociais, 208 famílias (50%) declararam não ser beneficiárias; 204 (49%) são e 5 (1%) não informaram. Dentre as 204, 183 (44%) recebem o repasse financeiro do Programa Bolsa Família; 17 (4%) o Benefício de Prestação Continuada (BPC) no valor de um salário mínimo; 11 (3%) são beneficiárias do Ser Família, 3 (1%) informaram “outro” e uma não informou.

Perguntados se tinham sofrido algum tipo de violência no processo de remoção, 257 (62%) afirmam ter sofrido violência, e apenas 19 (5%) avaliam não ter havido violência; o restante não respondeu.

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Histórico

De acordo com os pesquisadores, a estruturação do território na região do Contorno Leste, como um novo eixo de expansão da capital, com investimentos estatais substanciais, oferece suporte para a implantação de empreendimentos imobiliários voltados para a classe média.

“Em 28 de outubro de 2022, no período eleitoral e ainda no período pandêmico(*), um grupo de aproximadamente dez pessoas, entre pais e mães de família, que enfrentavam dificuldades em arcar com os custos dos alugueis praticados na capital cuiabana, organizou-se e decidiu ocupar a área no Contorno Leste, que passou a ser conhecida como Ocupação Brasil 21”, afirma outro trecho do documento.

Segundo dados da Associação de Moradores Brasil 21, a ocupação era composta por 900 lotes e abrigava 725 famílias, incluindo brasileiros e estrangeiros com filhos em idade escolar. Apesar das dificuldades financeiras dos moradores, a comunidade desenvolvia diversas atividades, como rodas de conversa com a participação de 64 mulheres, cursos de capacitação e atividades esportivas, incluindo aulas de karatê para todas as idades.

Além disso, pensando na segurança alimentar, foi criada uma horta comunitária no local. A comunidade também compartilhava uma cozinha solidária, fornecendo assistência às famílias que estavam construindo suas casas. Após ocuparem a área de aproximadamente 50 hectares e iniciarem a construção de suas moradias, as famílias tomaram conhecimento de que o suposto proprietário da área (Ávida Construtora e Incorporadora S/A) protocolou na Justiça, no dia 29 de outubro de 2022, a ação de reintegração de posse.

Na ocasião, os moradores alegaram que não foram intimados a participar da audiência de conciliação, mesmo com a formação da associação. “Nota-se que no processo judicial não há identificação dos ocupantes da área, que são designados como “incertos e desconhecidos.”

Segundo o relatório, a construtora ingressou com um pedido de recuperação judicial no dia 2 de fevereiro de 2023, possui uma dívida de R$ 25,8 mil referente à falta de pagamento do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) sobre o terreno que foi alvo da ocupação do Brasil 21.

“Essa dívida corresponde a um terço do valor venal do imóvel. Além disso, a empresa acumula um passivo total de R$ 36 milhões, devidos à órgãos públicos, empresas e pessoas físicas.”

A liminar de reintegração de posse foi deferida pela Justiça em novembro de 2022. Porém, em decorrência das restrições sanitárias provocadas pela pandemia de Covid-19, a execução foi suspensa, com base na decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) referente à Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 828).

Porém, a decisão foi revogada pela Justiça no dia 9 de fevereiro deste ano, determinando o cumprimento imediato do despejo. No dia 10 de março, a ministra do STF, Carmén Lúcia, autorizou a remoção das famílias, enfatizando a importância de respeitar os direitos fundamentais dos ocupantes por meio do “despejo humanizado”, proibindo o uso excessivo da força e ressaltando a necessidade do poder público assegurar locais adequados para o encaminhamento das famílias, em conformidade com o princípio da dignidade humana.

Com isso, a Secretaria Municipal de Assistência Social, Direitos Humanos e Pessoas com Deficiência (SMASDH), da Prefeitura de Cuiabá, foi acionada para realizar a identificação e o levantamento socioeconômico das famílias, que deveriam ser atendidas pelo aluguel social.

No levantamento realizado pela Secretaria Municipal, foram identificadas 516 famílias, das quais apenas 122 residiam no local, e somente 24 estariam elegíveis para acessar os serviços e programas socioassistenciais.

“Após parecer da Procuradoria-Geral do Município (PGM), houve um despacho judicial apontando uma família apta a receber o aluguel social, a ser pago pela parte autora, e autorizando a remoção das famílias não elegíveis para receber assistência, deferido em 27 de fevereiro de 2023.”

Diante do cumprimento da decisão liminar de reintegração de posse, nos dias 11 e 12 de março, a Defensoria Pública verificou a existência de “muito mais que 24 famílias, as quais não têm para onde ir, muitas inclusive se abrigando no centro comunitário do bairro Jardim Fortaleza”.

Nesse sentido, a Defensoria solicitou o apoio da UFMT para realizar o cadastramento socioterritorial do Brasil 21, de maneira a demonstrar o número real de famílias desabrigadas e as necessidades de acesso a serviços como moradia, saúde e educação.

(Rdnews)