Manuel Bandeira, quando do passamento de Mário de Andrade, escreveu: “Anunciaram que você morreu. / Meus olhos, meus ouvidos testemunharam: / A alma profunda, não. / Por isso não sinto agora a sua falta.” No último dia 21, deixou-nos não o médico, não o professor, não o poeta, não o imortal; mas o Amigo Ivens. Assim como Bandeira não sentiu, de imediato, a morte do amigo e autor de “Macunaíma” e de “Viola Quebrada”, ainda não sinto a falta do amigo Ivens…
Infelizmente, última vez que nos vimos foi em velório do também amigo Jairo (ex-goleiro do Dom Bosco e da Peixaria do Jairo) e do empresário Roberto Marchetti (meu ex-aluno), era 30 de dezembro de 2023. Conversamos um pouco, celebramos a vida, honramos os que nos deixavam e, ao final, ainda lhe disse que estava ficando complicado esses “encontros” frequentes em velórios: É a nossa geração partindo… Celebramos a vida diante da morte, porque entendo que velório é para os que velam, não para os que se foram…
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Sabe, Ivens, tua aparente serenidade (que abrigava um vulcão); tuas caminhadas, aos domingos, pela “orla” do Rio Cuiabá (que contradizia o teu “Não te amo mais, Rio Cuiabá”); teu riso fácil (que acoitava tua disciplina); teus olhos cansados e míopes (que enxergavam as “Asas de Ícaro”); tua fala mansa e cuiabana (que sublimavam teus versos incisivos); teu riso largo e espontâneo (que disfarçavam teus dilemas) estavam sempre presentes em ti… bastava um olhar mais profundo….
Evoé, Ivens! Vieste, como disse Fernando Pessoa, para referendar “Tudo vale a pena / Se a alma não é pequena”. Como gostaria de poder tido tempo para perpetrar essa essência de cuiabanidade que habita em ti; como gostaria de senti-lo nas ruelas e becos do bairro do Porto; como seria bom percebê-lo em “Disque / Num tempo tão antigo / Que certeza ninguém dá / Existia um rio lindo / chamado Kyvaverá”. Não morrerão jamais nem o rio nem o poeta; mas como vaticinou Manuel Carneiro de Sousa Bandeira Filho: “… Para outra vida? / A vida é uma só. / A sua continua / Na vida que você viveu. / Por isso não sinto agora a sua falta.”
*SÉRGIO EDUARDO CINTRA é professor de Linguagens e de Redação em Cuiabá, há 44 anos e está servidor do TCE-MT. Foi vereador, Diretor Executivo da Funec e secretário de Cultura de Cuiabá. Atualmente é servidor do TCE-MT.
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