Pia Sundhage queria continuar à frente da seleção braileira. Mas, depois da queda precoce e surpreendente na primeira fase da Copa do Mundo de 2023, a treinadora acabou demitida pela CBF no final de agosto. Agora à frente da seleção suíça, a técnica conversou com exclusividade com o ge e comentou como foi sua saída do cargo e o que poderia ter feito a mais para que a saída do Mundial não tivesse ocorrido daquela forma com um empate sem gols diante da Jamaica na terceira rodada da primeira fase.
– Eu estava determinada a continuar e cumprir meu contrato e até as Olimpíadas. Primeiro de tudo porque foi uma jornada fantástica. Aprendi muitas coisas em uma cultura diferente, com diferentes jogadoras. Claro que foi devastador que não marcamos gols (contra a Jamaica). Gostaria de ter continuado para provar que esse time é muito melhor quando se fala de resultados, deveriam vencer a Copa do Mundo. Continuar a analisar a Copa do Mundo porque estávamos tentando preparar para as Olimpíadas, o que precisávamos fazer e colocar mais horas (treinos) no ataque. Como você sabe, tive um encontro com o presidente (da CBF, Ednaldo Rodrigues) e ele só me demitiu – afirmou a técnica.
Sobre o momento da reunião na sede da entidade, a treinadora disse que preferia mostrar respeito pela conversa, mas garante ter ficado triste com o que ocorreu naquele dia. Nas palavras dela, “foi cruel”.
– Sabe, para mostrar respeito sobre essa conversa. Sabe, você não está vencendo, você não vai continuar. Não foi o que foi dito naquela sala. Foi cruel. Três pessoas e o presidente. Para mostrar respeito por essa pequena reunião eu não vou revelar o que foi dito. Eu sinto muito e fico triste que aconteceu.
Após uma goleada por 4 a 0 sobre o Panamá na estreia no Mundial, o Brasil sofreu uma derrota para a França em um jogo disputado e, para classificar às oitavas, precisaria de uma vitória simples sobre a Jamaica. Apesar do volume no jogo e a pressão, a Seleção não conseguiu chegar ao gol. Relembrando aquele momento, Pia respondeu se já tinha alguma resposta sobre a performance do time naquele jogo.
– Quando olhamos para trás, analisando durante a Copa do Mundo, era somente um gol. Criamos chances, mas não conseguimos aproveitar. Digo que é o futebol internacional. São pequenas diferenças para o sucesso ou fracasso. Se você olhar o que jogamos contra a Inglaterra com bom resultado e bom futebol, vencemos contra a Alemanha e também o primeiro jogo na Copa do Mundo. Tudo pareceu tão bem. O jogo contra a França pode parecer difícil, mas mesmo assim perdendo poderíamos ter vencido o último jogo. Nós criamos chances, mas quando eu olho para trás é uma resposta fácil. Nós deveríamos ter colocado muito mais tempo na finalização (trabalhar isso). Digo sobre a última bola e sobre desperdiçar chances. Nós criamos chances. Nós mantivemos posse no campo de ataque mesmo contra a Inglaterra no segundo tempo. E tenho que admitir. Não fomos bons o suficiente para assinalar as chances. Se você voltar e ver as chances que criamos…é triste. Mas isso é futebol no seu nível mais alto – disse Pia.
A treinadora ainda comentou se, pessoalmente, poderia ter feito algo mais para mudar a situação do jogo em Melbourne, na Austrália. Ela salientou que não iria fazer algo na partida sem ter certeza sobre a ação. Ela comentou sobre fazer alterações mais cedo, mas justificou:
– Claro, há detalhes. Fiquei me perguntando se poderia ter feito isso ou aquilo. Eu não iria colocar uma coisa sem ter certeza absoluta sobre isso. Teve o debate no banco, mandar a campo novas jogadoras. Fomos bem sucedidos anteriormente com isso quando jogamos contra o Canadá ou Inglaterra com substituições no final. É lógico e a resposta mais fácil seria “poderíamos ter feito mais cedo”. Mas você tem algumas crenças. Mantém as que marcaram gols no campo, dando quem sabe uma segunda chance. Não tenho “a coisa” que poderia ter feito. Talvez pequenas coisas – disse Pia.
Por diversas vezes, em suas coletivas como técnica do Brasil, Pia disse que acreditava que a Seleção seria imbatível em um curto tempo. Questionada novamente sobre a opinião depois da passagem pelo país, a treinadora garantiu que ainda acredita nisso e vê o Brasil com grandes possibilidades de chegar à final do torneio de futebol feminino nos Jogos Olímpicos de Paris 2024.
– Menos de um ano atrás, quando Brasil jogou contra a Inglaterra. Inglaterra é um time muito organizado com todos os aspectos físicos, tem a melhor técnica do mundo. E se você olhar para o segundo tempo deixará quaquer brasileiro orgulhoso. Eu realmente acredito que é possível, mas você também precisa de um pouco de sorte. Um pouco de sorte para continuar acreditando no que você está fazendo. Com toda certeza vou seguir o Brasil nas Olimpíadas porque eu realmente acredito que o Brasil tem grande chance de jogar a final de novo.
A jornada de Pia no Brasil começou com uma grande apresentação à imprensa e a montagem de um grande projeto não só para a Seleção, mas também para o futebol feminino do país. No começo, as promessas foram cumpridas para o desenvolvimento do trabalho, mas, um tempo depois, alguns pontos ficaram pelo caminho. Para ela, uma das principais foi a observação de atletas e scout. As viagens não eram autorizadas no número que ela desejava. Por isso, Pia e sua comissão passaram a observar mais pelo computador.
– Sim, bem no começo sim. Mas depois de um tempo tivemos dificuldades de fazer o scout (observação). Lembro do meu primeiro dia. Fomos a Porto Alegre. Era fantástico conhecer a liga. Eu precisava fazer com maior frequência, porque é um tipo diferente de futebol e queria fazer isso, mas eventualmente eu não era mais autorizada a viajar o quanto eu queria e nem meus assistentes também. Tivemos que nos acostumar com isso e olhar muitos jogos no computador.
Em uma declaração recente, Marta comentou que com Arthur Elias o Brasil poderia ter mais ousadia e colocar sua criatividade em prática. Um dos pontos questionados no trabalho de Pia, a treinadora comentou que um gol separou as realidades sobre seu trabalho. Ela diz que todos têm opiniões e não há problema com isso. Garante ter orgulho do trabalho que foi feito por toda sua comissão.
– Honestamente tenho que dizer que o trabalho não é somente eu. Tenho que dizer que tive um grande time comigo e staff. Como você sabe é um trabalho de equipe, foi um bom trabalho. E foi apenas um gol. Se você olhar nós não cedemos muito gols também. Claro que todos têm preferências sobre o que teria feito. Mas se tivéssemos marcado um gol contra a Jamaica a discussão seria diferente. Todo mundo tem sua opinião e está tudo bem. Quando me perguntam eu digo que me orgulho do trabalho que fizemos, do suporte e dos recursos que tivemos. Digo que teria sido mais feliz se tivesse tido a chance de observar mais.
Sobre expectativas, Pia declarou que não as tinha como algo claro na chegada, mas sempre acreditou que teria boas jogadoras para trabalhar. Para ela, a palavra paciência foi um dos lemas e um aprendizado para desenvolver o projeto no Brasil.
– Para ser sincera eu nao tinha claras minhas expectativas. Eu sei que teria boas jogadoras. Foi fantástico poder estar por perto dessas boas jogadoras. Penso que o trabalho levamos degrau a degrau. Sei que disse a palavra “paciência” muita vezes porque era muito importante e eu aprendi muitas coisas disso. Na Suécia somos bem organizados nós preparamos um plano para o sucesso. No Brasil digo que a organização era diferente e a flexibilidade era por vezes incrível .
A atual comandante da seleção feminina da Suíça afirmou ainda sobre qual legado deixou no país. Para ela, foi a troca com as pessoas sobre futebol feminino. Conversas e perguntas para a evolução da modalidade. Ela espera agora que Arthur Elias tenha a mesma oportunidade.
– Eu senti quanto fiquei no Rio as pessoas vinham em mim e falavam sobre o futebol feminino. Isso era algo realmente especial. Lembro também de algumas coletivas de imprensa. As perguntas se tornavam mais e mais interessantes. Mais e mais jornalistas estavam interessados no futebol feminino. É algo que continua e o Brasil vai para os Jogos Olímpicos. Realmente torço que Arthur também tenha o mesmo tipo de pergunta. Ele tem a chance de explicar e olharem para o futebol feminino de uma maneira positiva. Sinto que ficou cada vez melhor em relação ao começo e sinto orgulho disso. Esperançosamente, com Arthur ou no futuro outro treinador continue assim porque as jogadoras brasileiras merecem todo tipo de suporte não somente da CBF, mas também dos fãs. Toda vez que tínhamos grandes públicos era algo que as jogadoras gostavam e é esse tipo de legado que precisa ser coroado. Jogar em Wembley foi simplesmente fenomenal. Tive realmente quatro fantásticos anos. Fico triste por ter acabado como acabou, mas não posso fazer nada sobre isso. Tento somente dar o próximo passo agora.
Sobre diagnósticos em relação ao futebol feminino do Brasil, Pia Sundhage comentou que seu principal objetivo na Seleção foi dar oganização tanto no ataque quanto defesa e aí sim poder usar a criatividade das jogadoras do país. Quando ainda pensava que seguiria no comando da Seleção, a treinadora ja estudava usar justamente a parte emocional do Brasil como uma força para as Olimpíadas entre outros pontos.
– Nós trabalhamos para ter a melhor e bem sucedida criatividade. Tivemos diversas jogadoras. A minha filosofia foi dar alguma organização. Boa organização no ataque e na defesa aí você vai ter espaço e poderá deixar que façam coisas criativas. Falamos muito sobre duas coisas: a parte física e a parte mental. E brasileiras são brasileiras. Se você vai bem você tem tanta energia. Tive essa pergunta na coletiva de imprensa. O que eu levaria para a seleção suíça. Estive trabalhando na Suíça, Brasil e nos EUA. Agora venho para outra cultura. Tenho que dizer que quando vai bem, quando você faz as coisas no campo, as jogadoras brasileiras são as melhores, emocionalmente. Isso poderia ser uma força (parte mental brasileira). Isso que pensei se tivéssemos continuado para a Olimpíada no próximo ano. Usar isso porque é muita energia e se você canaliza isso para o time. Claro também a parte física. As duas caminham juntas parte física e mental. As jogadoras brasileiras têm tudo e quando organizamos para fazer grandes coisas no ataque. Lembro de um dos gols na Copa foi simplesmente fenomenal. Você pode fazer de novo nas Olimpíadas.
Ela garante que também leva aprendizados para o comando da seleção suíça:
– Uma coisa é ser paciente e vem com a questão de abraçar a parte mental. Eu sou uma pessoa feliz e eu realmente gostei de estar no Brasil. É meu país, por assim dizer. Permitir brilhar antes do jogo, durante o jogo, depois do jogo. Mas também essas pequenas coisas. Por vezes eu focava em organizar tudo e depois pensava: isso não vai acontecer então simplesmente deixe para lá. E vinha com a questão de ser paciente e abraçar a parte emocional. Há situações no ataque. Posso mencionar algumas jogadoras, vi coisas loucas e abraçar isso. Quando ver as jogadoras da Suíça fazendo isso ou similar eu terei cuidado para enfatizar isso. Isso é grande parte no jogo. Ser paciente e deixar para lá. Não sou capaz de mudar tudo. Escolha as principais prioridades para mudar.
Sobre a passagem pelo Brasil, Pia diz que leva lembranças fantásticas principalmente das pessoas com quem trabalhou. Com muitas delas ainda troca mensagens com frequência.
– Sou uma fria sueca. Agora estamos aqui com cinco graus negativos (risos). O que eu levo do Brasil são fantásticas memórias. Sigo em contato com muitos da comissão. Quando eu peguei esse emprego (Suíça) eu recebi tantas mensagens das pessoas que trabalhei e cada um deles…é comovente. Sei que é somente um trabalho, mas é muito mais que um trabalho quando trabalhamos juntos por quatro anos e tentamos levar tudo para as jogadoras. Eles ainda me mandam mensagens e eu amo isso. Essa é a parte do futebol que eu gosto.
Ao final da entrevista, Pia Sundhage foi questionada se a CBF a pagou como deveria no encerramento do seu contrato. Sem confirmar ou negar, a técnica foi sucinta: – Não tenho comentários sobre isso.
Procurada para comentar as respostas referentes à entidade, a CBF enviou o comunicado abaixo:
A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) deseja toda sorte à treinadora Pia em seu novo desafio à frente da seleção da Suíça. Pia desempenhou um importante papel em sua passagem pela entidade que, no último Mundial, em 2023, fez o maior investimento da história do futebol feminino brasileiro na preparação para uma competição. Com seu trabalho, ela foi fundamental no desenvolvimento do futebol feminino e deixou seu legado para o esporte no Brasil.
Sobre as demais informações não esclarecidas, a CBF não tem o que comentar. (GE)