Três anos atrás, aproximadamente, as pessoas no comando do Atlético-MG traçaram um novo projeto para o clube. A mudança começou no fim do mandato de Sérgio Sette Câmara e foi acentuada com a eleição de Sérgio Coelho, cuja administração se estenderá até o fim de 2023.
Em linhas gerais, os mineiros não esperariam resultados de uma reestruturação administrativa e financeira para só então investir. Com o dinheiro emprestado por mecenas a juros baixos, o Atlético-MG qualificaria o futebol ao mesmo tempo em que arrumaria a casa.
Nesta reportagem, o ge explica ao torcedor os números contidos nas demonstrações contábeis mais recentes, referentes ao ano passado, e projeta as principais consequências do quadro para presente e futuro.
Panorama
A boa notícia é que o faturamento do Atlético-MG aumentou muito em 2021, puxado principalmente por premiações de competições, mas não apenas elas. Investimentos na qualificação do futebol mostram o seu valor neste aspecto, na medida em que puxam a arrecadação para o alto.
A má notícia é que, apesar de o fluxo de dinheiro ter aumentado, a crise financeira continua severa, algo que se percebe principalmente pelo nível de endividamento. Com R$ 1,3 bilhão, o clube mineiro tem a maior dívida do futebol brasileiro e está longe de ter dinheiro para pagá-la.
Receitas
A análise do faturamento começa pelos direitos de transmissão e pelas premiações, cuja origem está nesses mesmos direitos de competições como Campeonato Brasileiro, Copa do Brasil e Libertadores. É necessário entender por que esta receita disparou.
Como o Brasileirão de 2020 terminou só em 2021 por causa da pandemia, parte de seus pagamentos foi adiada para o balanço seguinte. Em outras palavras, a receita do ano passado foi inflada por pagamentos que pertenceriam ao retrasado, em condições normais.
Além disso, com o ganho em performance, a associação alvinegra elevou muito a parte variável. Premiações são pagas na Copa do Brasil e na Libertadores conforme os times avançam de fases. Com a alta do dólar, os repasses da competição continental, feitos pela Conmebol, subiram.
Receitas diretamente ligadas à torcida também estouraram. Ainda que a pandemia tenha forçado o time a jogar com portões fechados em parte da temporada, apenas 14 jogos foram suficientes para gerar R$ 43 milhões em bilheterias. No número exposto no gráfico acima, ainda se somam sócios-torcedores e atividades sociais nessa coluna.
Nas transferências de atletas, o clube mineiro contabilizou R$ 38 milhões líquidos (descontadas participações de terceiros e comissões). Não foi um resultado ruim, porém está abaixo do que arrecadam os maiores vendedores de jogadores do país – mais de três vezes esse valor.
Orçado versus realizado
A comparação entre orçamento (com projeções feitas pela diretoria antes de a temporada começar) e balanço (com números realizados) aponta como a diretoria lidou com as finanças nesse período.
Nas receitas, houve muito mais expectativas superadas do que frustradas. Transmissão e premiações, marketing e comercial e estádio geraram significativamente mais dinheiro do que a direção atleticana esperava. Nas transferências de jogadores, a frustração foi considerável.
Em R$ milhões | Orçado | Realizado | Diferença |
Direitos de transmissão | 183 | 279 | 96 |
Marketing e comercial | 24 | 77 | 53 |
Bilheterias e estádio | 19 | 43 | 24 |
Sócio-torcedor e sociais | 33 | 21 | -12 |
Outros | 15 | 18 | 3 |
Transferências de jogadores | 120 | 38 | -82 |
Total | 394 | 475 | 81 |
Folha salarial do futebol | -191 | -308 | -116 |
Resultado financeiro | -24 | -55 | -31 |
Resultado líquido | 5 | 101 | 96 |
No lado das despesas, o ge separa a remuneração do departamento de futebol, por ser o fator que possui maior correlação com o desempenho dentro de campo. Estão dentro dessa linha salários, direitos de imagem, encargos trabalhistas, bichos, direitos de arena e deduções.
O Atlético-MG contava com um custo de R$ 191 milhões com remunerações e acabou superando muito a própria projeção, tendo gastado R$ 308 milhões no total. É a terceira maior folha do futebol brasileiro, atrás apenas de Flamengo e Palmeiras.
Parte dessa diferença entre orçado e realizado se explica pelas premiações pagas aos atletas, por mérito esportivo, em competições de mata-mata. Outra parte, porque direitos de arena e deduções ficam maiores conforme receitas com transmissão aumentam.
No resultado financeiro, estão juros sobre dívidas e demais itens financeiros e não esportivos. Por causa do endividamento excessivo, principalmente, um valor significativo é desperdiçado.
Em 2021, o Atlético-MG teve R$ 19 milhões em juros sobre tributos atrasados e outros R$ 58 milhões em juros sobre financiamentos. Entre as receitas financeiras, existem R$ 23 milhões em descontos e perdões de dívida – só que esse dinheiro não entrou no caixa; só deixará de sair ao longo do tempo. Com a combinação de outros números menos relevantes, chega-se ao resultado apresentado na tabela acima.
O resultado líquido também merece atenção. Por mais que a demonstração financeira apresente um superavit (lucro) de R$ 101 milhões no exercício, não quer dizer que tenha sobrado dinheiro.
Para chegar a esse lucro, foram considerados R$ 240 milhões em “ganhos contábeis” de propriedades ligadas ao novo estádio. Não há efeito caixa imediato, ou seja, este dinheiro não caiu na conta bancária atleticana. Ele foi inserido no balanço por motivos contábeis. Teria havido um deficit (prejuízo) violento se esse registro extraordinário não existisse.
Dívidas
Se o número geral não for suficientemente assustador – R$ 1,3 bilhão –, o detalhamento das dívidas do Atlético-MG joga um pouco mais de preocupação sobre o torcedor. Ou pelo menos deveria.
Em relação ao vencimento, nada menos que R$ 552 milhões serão exigidos no decorrer de 2022, enquadrados no curto prazo. O restante está no longo prazo, portanto a partir de 2023.
E aí está o resultado mais grave de ter começado uma reestruturação administrativa e financeira sem abdicar de investimentos. Por mais que tenham sido geradas novas receitas, o custo também aumentou. Não “sobra” dinheiro no cotidiano para que as dívidas sejam reduzidas.
O endividamento atleticano é generoso em todos os tipos possíveis de dívidas, mas um deles se destaca: empréstimos de instituições financeiras ou concedidos por mecenas. Os riscos são diferentes, em cada um dos casos. Enquanto bancos cobram taxas de juros mais altas, os empresários próximos à administração corrigem apenas pela Selic, taxa básica.
A dívida bancária se divide assim:
- R$ 399 milhões a instituições financeiras
- R$ 238 milhões a pessoas físicas
O documento não especifica nomes das pessoas físicas, nem do que se considera “parte relacionada” (alguém com ligação formal à administração do clube), mas é possível deduzir que se tratem dos 4 Rs – Rubens Menin, Rafael Menin, Renato Salvador e Ricardo Guimarães.
Na área fiscal, estão parcelamentos de impostos que não foram pagos no passado. A maioria se refere ao Profut, ao qual o clube aderiu em 2015.
Entre dívidas trabalhistas, aparecem obrigações correntes (salários e encargos desta mesma temporada) e provisões que a diretoria faz para ações judiciais. O departamento jurídico estima quanto dinheiro o Atlético-MG desembolsará ao perder processos movidos por ex-funcionários, e este valor é pago conforme correm as execuções.
Por ser uma associação com altíssimos investimentos em reforços, as dívidas com outros clubes e agentes dispararam nos últimos anos e chegaram a R$ 112 milhões e R$ 101 milhões, respectivamente. Ainda há R$ 34 milhões devidos em luvas por assinaturas de contratos. Todos esses números aparecem no gráfico abaixo em “outros”, junto de fornecedores.
Futuro
As pessoas à frente do Atlético-MG sabem que não será possível contar com verbas de mecenas para sempre. Então, o projeto que entra em seu terceiro ano chegou a um ponto de inflexão: ou encontra-se um jeito de torná-lo sustentável ou a filosofia do investimento estará em risco.
Idealmente, o clube conseguiria aumentar as suas receitas a patamares tão altos que, graças a isso, seria possível pagar todos os custos e ainda abater dívidas gradativamente. Esse é o sonho de todo cartola e também daqueles que cobram ousadia e alegria dos administradores do futebol.
O faturamento de fato aumentou, mas não a ponto de fechar essa conta. Perto do meio bilhão, muito para o retrospecto do próprio Atlético-MG, arrecada-se quase a metade de Flamengo e Palmeiras.
A pergunta, então, passa a ser como reduzir esse endividamento bilionário por vias que não dependam das receitas e não obriguem a tal da austeridade. Uma resposta já foi encontrada. Há menos de um mês, o Conselho Deliberativo aprovou a venda da outra metade do shopping que a associação detém.
A estimativa é conseguir R$ 320 milhões com a operação, verba que seria usada para abater dívidas onerosas (com ênfase nos empréstimos de instituições financeiras). Com o dinheiro na mão, é possível até barganhar descontos e abater uma parte maior das obrigações. Mas está claro, desde já, que essa grana não será suficiente para resolver a crise.
Outra saída é o clube-empresa. Aqueles quase R$ 240 milhões emprestados por mecenas e partes relacionadas, por exemplo, poderiam ser convertidos em participação sobre o capital de eventual SAF. Em português mais claro: os empresários se tornariam donos de percentual do clube em troca do perdão dessas dívidas.
Além disso, é possível captar dinheiro com a venda de percentual para outro dono. Com a entrada deste sócio, a injeção de recursos permitiria que mais dívidas fossem abatidas, para colocar o clube numa posição financeiramente saudável, que não exija abdicar das ambições esportivas.
Essas não são meras hipóteses. A venda do shopping e a migração para o clube-empresa são medidas que estão em andamento, a depender de negociações externas, com outros entes, e internas, políticas. O torcedor deve acompanhá-las com atenção. A sustentabilidade do projeto, que começou há três anos e rendeu as primeiras taças, depende dessa solução. (GE)