O Botafogo apresentou na última semana o plano para aderir ao Regime Centralizado de Execuções (RCE), mecanismo da nova lei da Sociedade Anônima do Futebol (SAF) que surge com alternativa para os clubes com grandes dívidas no Brasil. No caso alvinegro, o pleito, já aprovado, é para incluir R$ 178 milhões destes débitos dentro do novo modelo permitido pelo governo.

O valor engloba o passivo cível e trabalhista que o clube acumulou ao longo de anos de má gestão. São ex-funcionários, atletas, técnicos e fornecedores que não foram pagos, além de empréstimos e outros contratos que não foram honrados.

Este é o mesmo movimento que já fez o Vasco para organizar R$ 223 milhões da própria dívida. Assim como o rival, o Botafogo teve aprovação do tribunal e agora formula o plano aos credores, para deixar para trás o risco de ver a execução forçada – e total – dessa herança negativa milionária. Algo que, segundo os próprios dirigentes, colocaria a sobrevivência do clube em risco.

ge teve acesso ao documento apresentado pelo Botafogo à Justiça e, assim como fez com o Vasco (leia aqui), esclarece as principais dúvidas sobre o planejamento do clube para quitar essas dívidas.

O que é?

Mecanismo que permite renegociar, de maneira unificada, dívidas trabalhistas (funcionários, atletas, técnicos) e cíveis (empréstimos, fornecedores e demais contratos).

Credores farão uma “fila” para receber seus créditos. O clube de futebol, o devedor, dedicará parte de suas receitas mensais para fazer esses pagamentos. À medida que o tempo passa, a fila diminui.

Existe certa similaridade com o Ato Trabalhista, por causa da ordem de pagamento aos credores. Porém, o RCE abrange uma quantidade maior de dívidas, pois também inclui as cíveis.

Também há semelhança com a Recuperação Judicial, pois, nesse processo de renegociação, credores poderão conceder descontos para receber o dinheiro antecipadamente. No entanto, essa ferramenta não leva à falência. É uma “versão” mais branda, segundo advogados consultados.

Qual o prazo para o pagamento?

O devedor terá seis anos para cumprir o acordo feito com os credores. Esse prazo poderá ser esticado em mais quatro anos, desde que, ao fim do sexto ano, o devedor tenha pagado pelo menos 60% da dívida.

Quais os valores a renegociar?

O Botafogo tenta renegociar R$ 178 milhões. É o valor que consta no Plano de Credores apresentado pelo clube ao poder público. Deste valor, R$ 137,6 milhões vêm de ações trabalhistas, enquanto os outros R$ 40,4 milhões têm origem em processos cíveis. No total, são 219 credores.

Acontece que esse valor ainda pode ser atualizado. Isso porque há processos ainda em andamento e outras cobranças que ainda não foram atualizadas. Na petição, o clube calculou que as cobranças podem chegar a R$ 570 milhões. Os R$ 178 milhões que constam no plano atualmente se referem apenas aos processos já perdidos e em execução.

As dívidas incluem ex-jogadores e ex-técnicos com passagem pelo Botafogo, além de outros funcionários, fornecedores e contratos não cumpridos. As pendências correm para trás em décadas. O ge detalhou há menos de um mês alguns dos nomes famosos que estão na fila para receber o que devem.

Qual é a ordem de pagamento?

A legislação da Sociedade Anônima do Futebol (SAF), que instituiu esse mecanismo, estipula prioridade para alguns credores. A lista é a seguinte:

  1. Idosos
  2. Pessoas com doenças graves
  3. Pessoas cujos créditos de natureza salarial sejam inferiores a 60 salários mínimos
  4. Gestantes
  5. Pessoas vítimas de acidente de trabalho
  6. Credores com os quais haja acordo que preveja redução da dívida original em pelo menos 30%
  7. Na hipótese de concorrência entre os créditos, processos mais antigos terão preferência

A linha sobre o desconto abre um entendimento a ser confirmado na Justiça. Como a lei fala em “pelo menos 30%”, é possível que descontos maiores obtenham prioridade no pagamento, o que faria com que o clube tivesse facilidade para abater parte maior das dívidas.

Quais os benefícios para o clube?

Uma vantagem está no “fluxo de caixa”. Antes de ser excluído do Ato Trabalhista, o Botafogo precisava pagar um montante de R$ 1,8 milhão por mês. Desafio grande para um negócio que tem receitas sazonais. Especialmente neste ano de 2021. Por exemplo, o clube informou à Justiça que faturou no mês de setembro valor próximo dos R$ 3 milhões.

Bilheterias são fracas no início da temporada; sócios-torcedores têm picos de adesão e inadimplência; direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro são pagos de acordo com o calendário do campeonato; entre outras questões que facilitam ou dificultam o pagamento da quantia fixa.

No RCE, o pagamento está condicionado às receitas – 20% delas, todos os meses. Então, a pressão sobre o caixa reduz em períodos em que a arrecadação é menor. Além disso, o clube também prometeu metade de dividendos, juros sobre capital próprio e remunerações na condição de acionista do clube-empresa que será constituído. Outra vantagem crucial está na suspensão de execuções e penhoras, o que torna os pagamentos mensais previsíveis e, portanto, mais fáceis de gerir.

Quais os riscos para o clube?

O “sim” da Justiça não é o último passo para a tranquilidade botafoguense. Se o plano for aceito pelos credores, o trabalho será árduo para levantar recursos suficientes para honrar os pagamentos. O clube vive desafio parecido, em menor escala, com a ação que mantém em dia os salários dos funcionários.

Para chegar a essa situação crítica, o Botafogo fez e não honrou alguns acordos com o poder público. Só o Ato Trabalhista teve duas versões sem ser cumprido corretamente. Se desobedecer as regras do RCE, o clube verá ressurgirem as execuções que ameaçam asfixiar de vez as finanças.

Por isso, todas as fontes de receitas precisam aumentar nos próximos anos. É o que reconhece a própria diretoria. O Botafogo fez projeções para os próximos três anos e apresentou ao tribunal. Já para 2022, o cálculo é de R$ 182,9 milhões de arrecadação, com R$ 21,4 milhões separados para o RCE. Em 2023, a expectativa é de R$ 252,1 milhões, e R$ 34,1 milhões iriam para os credores.

Como comparação, o clube faturou em 2020, último ano na Série A, R$ 157 milhões. No primeiro semestre desse ano, a receita foi de R$ 85 milhões. Para alcançar os cálculos apresentados no plano de credores, o Botafogo depende não só da competência da gestão, mas também dos resultados esportivos que trarão mais premiações e exposição. (Globo Esporte)