Para muita gente, um esquema com três zagueiros significa retranca. Afinal, é um defensor a mais, ao invés de um atacante no time. Não é verdade. Além de vários exemplos no mundo – como o Chelsea, RB Leipzig e o Arsenal, o Palmeiras de Abel Ferreira é mais uma prova que um sistema de três zagueiros pode, sim, ser ofensivo.

O técnico português adotou o 3-5-2 após as falhas defensivas que custaram a Supercopa e a Recopa. A estreia do sistema foi contra o São Paulo, e com o tempo, veio os ajustes na sequência de três boas vitórias – a maior delas contra o Del Valle, por 5 a 0.

No novo esquema, Gustavo Gómez atua junto a Empereur e Luan – Renan aparece como opção. Viña e Marcos Rocha viram alas, e o ataque tem uma mudança grande: Rony joga mais centralizado, perto de Luiz Adriano. Sem a bola, com o time defendendo, os alas foram uma linha de cinco defensores com os zagueiros, como na imagem.

No sistema 3-5-2, o Palmeiras se defende com uma linha de cinco defensores — Foto: Reprodução

No sistema 3-5-2, o Palmeiras se defende com uma linha de cinco defensores — Foto: Reprodução

Essa linha de cinco nem sempre é fixa. O principal motivo da mudança de Abel é justamente a flexibilidade do sistema: se o Palmeiras marca no campo de ataque, os alas podem avançar. Se fica encolhido para explorar contra-ataques, um dos zagueiros pode ir ao meio-campo sem desproteger o time. Trata-se de uma forma de marcar muito híbrida, que faz o Palmeiras se ajustar conforme o momento do jogo.

5-3-2 permite marcação “extra” no meio-campo

A defesa do Palmeiras passou por altos e baixos com Abel, e um dos pontos críticos certamente foi no Mundial. No lance que tirou o Verdão da tão sonhada final, Gustavo Gómez vai cobrir Viña na esquerda e deixa Luan sozinho contra Gignac. Faltou proteção ali, assim como nos lances contra o Defensa y Justicia.

A opção pelos 5-3-2 dá essa proteção toda vez que um dos zagueiros precisa fazer o mesmo que Gómez no Mundial. O papel do zagueiro é evitar que o atacante pegue na bola com conforto. E se o atacante recua e busca a bola no meio-campo? O zagueiro vai junto. Nessa lacuna, muitas vezes o Palmeiras ficava só com um defensor como cobertura.

Agora são, no mínimo, dois defensores. Aqui no lance, Renan sai do alinhamento para “caçar” o atacante e evitar que ele jogue. Se acontece um drible ali, o Palmeiras tem ao menos uma linha de mais quatro defensores para fechar o espaço e cobrir uma possível falha. A entrada de Patrick de Paula no lugar de Zé Rafael também conferiu maior segurança nos momentos sem a bola.

Zagueiro sai da defesa e proteção é imediata — Foto: Reprodução

Zagueiro sai da defesa e proteção é imediata — Foto: Reprodução

Marcação começa no campo de ataque e cria jogadas de gol

Outro ponto do 5-3-2 de Abel Ferreira é que o Palmeiras avança mais a marcação sem passar tanto sufoco. Mesma lógica acima: há sempre três zagueiros para defender a área, proteger o campo de defesa.

Com isso, os alas podem melhorar a pressão sufocante que o Verdão fez no Del Valle. É um jogador a mais para marcar a saída do adversário, dessa vez no lado, sem o volante precisar se deslocar. O meio fica concentrado em fechar linhas de passe, e Danilo, volante com maior poder de roubada de bola do time, pode fechar a linha de passe do meia cerebral e com maior capacidade de “sair da pressão” no outro lado.

Palmeiras passou a ter uma marcação mais avançada jogando com três zagueiros — Foto: Reprodução

Palmeiras passou a ter uma marcação mais avançada jogando com três zagueiros — Foto: Reprodução

Não é só a marcação por pressão que fica melhor. O Palmeiras cria mais jogadas de ataque assim. Por um fato muito simples: o time rouba a bola mais perto do gol. Encurta o caminho até a área adversária e pode acelerar ainda mais seu jogo. Exemplos não faltam, e o melhor deles é o gol que abriu o passeio no Del Valle: Patrick avançado, Victor Luis saindo da linha….e os três zagueiros protegendo o time.

Primeiro gol contra o Del Valle é criado pela marcação avançada do novo sistema — Foto: Reprodução

Primeiro gol contra o Del Valle é criado pela marcação avançada do novo sistema — Foto: Reprodução

Futebol é um esporte que, além de coletivo, é sistêmico. Se uma equipe defende melhor de uma forma, provavelmente ela irá atacar melhor, porque rouba a bola e evita que o adversário chegue na área. Tudo está conectado!

 

Com a posse, time mais direto e participativo

O novo sistema também melhorou as jogadas ofensivas do Palmeiras. Aquelas que começam lá no goleiro e terminam no outro lado do campo. Quando tem a bola, o Palmeiras se desenha num 3-1-4-2. É o mesmo desenho de sempre com Abel, mas agora, não é mais um lateral que forma a linha de três. São os três zagueiros.

Sistema de três zagueiros deixa o ataque mais próximo do gol — Foto: Reprodução

Sistema de três zagueiros deixa o ataque mais próximo do gol — Foto: Reprodução

Outro que subiu demais de produção com o novo sistema é Patrick de Paula. Tanto que ganhou um parágrafo só dele. Com Luxa, Patrick era o primeiro volante que cuidava da saída de bola. Abel viu nele potencial de ser um “infiltrador”, quase como um jogador de chegada na área, surpreendendo a defesa. No novo sistema, Patrick tem liberdade de fazer essa função e avançar sem precisar correr tanto para voltar na defesa.

Patrick de Paula, meio-campista do Palmeiras — Foto: Cesar Greco / Ag. Palmeiras

Patrick de Paula, meio-campista do Palmeiras — Foto: Cesar Greco / Ag. Palmeiras

É como se o time ganhasse mais um jogador no ataque, porque os três zagueiros e Danilo já formam um desenho suficientemente bom para sair com a bola.

 

Zagueiro também ataca – e pode até fazer papel de camisa 10

 

Outro ponto que melhorou no Palmeiras foi a forma como os zagueiros participam do ataque. É verdade que o torcedor não gosta muito de Luan, mas ele foi fundamental nas duas vitórias na Libertadores…e com a bola nos pés!

Isso porque ele avança bastante ao ataque, sempre com a proteção de Gómez, Empereuer ou Renan. Isso cria uma surpresa ao adversário: quem marca o zagueiro? Como Luan pisa no campo adversário, Rony e Luiz Adriano podem se movimentar mais perto da área, e Veiga ajuda a quebrar a defesa do rival. No lance abaixo, essa movimentação acontece em torno de Luan, que avança mais que Danilo e Marcos Rocha.

Luan avança mais ao ataque e mostra suas qualidades com a bola no pé e na visão de jogo — Foto: Reprodução

Luan avança mais ao ataque e mostra suas qualidades com a bola no pé e na visão de jogo — Foto: Reprodução

Novamente, tudo se conecta: os zagueiros participando do ataque fazem o papel de um volante. São eles que carregam a bola de um lado do outro. Com isso, Patrick fica mais confortável no papel de se juntar aos atacantes. É um sistema que torna o time ainda mais ofensivo.

O sistema de três zagueiros, com uma linha de cinco defensores sem a bola, te lembra algo? Foi assim que o Palmeiras construiu uma das maiores vitórias de sua história (sem exagero): os 3 a 0 sobre o River Plate, na Argentina, foi com linha de cinco. A diferença é que Marcos Rocha fez o papel de zagueiro.

É por isso que não há motivo para crítica, pressão, ansiedade ou sequer vestígio de crise. Abel Ferreira cada vez mais prova que tem um vasto repertório tático no Palmeiras (como se dois títulos imensos já não fossem prova). E prova também que jogar com três zagueiros não tem nada de defensivo. Basta olhar para a única verdade no futebol: o jogo!

(Globo Esporte)