Em meio ao cenário de dúvidas e medos provocados pela pandemia do novo coronavírus em todo o mundo, a única certeza é que esse momento de crise sem precedentes ficará marcado na história pelos efeitos devastadores na saúde e na economia. No Brasil, milhares de empresas continuam fechadas por causa do isolamento social sem qualquer previsão de retomada de suas atividades por estarem ligadas a áreas consideradas não essenciais. Outra parte segue funcionando com capacidade reduzida e cumprindo uma série de restrições contidas em decretos de prefeitos e governadores.
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-Recuperação Judicial não é para cães que ladram

São indícios claros de que os próximos meses deverão registrar um expressivo aumento nos pedidos de recuperação judicial no País. As projeções sinalizam que no Brasil deve dobrar o número de empresas com pedidos de recuperação judicial por severas dificuldades financeiras causadas e agravadas pela pandemia de Covid-19.
Por enquanto, a quantidade de empresas recorrendo ao instituto da recuperação judicial está dentro da média registrada em anos anteriores. Conforme o Indicador Serasa Experian de Falências e Recuperações Judiciais, no primeiro quadrimestre deste ano, foram 377 pedidos de recuperação judicial protocolados no Brasil. Em 2019, no mesmo período, de janeiro a abril, as varas que processam e julgam ações de recuperação receberam 371 pedidos em todo o País.
Os números do Serasa Experian mostram que nos quatro primeiros meses deste ano as micro e pequenas empresas representaram 66% dos pedidos de recuperação, totalizando 226 solicitações. Por parte das médias empresas em dificuldades financeiras, foram 99 solicitações de recuperação judicial enquanto o segmento das grandes empresas registrou 52 requisições.
No mesmo período de 2019, entre os meses de janeiro a abril, as varas que processam e julgam ações de recuperação em todo o País receberam 371 pedidos. Esse breve comparativo nos mostra que os efeitos da pandemia ainda não refletem diretamente nos pedidos de recuperação protocolados até o momento.
Isso ocorre em virtude do tempo necessário para organização dos documentos e certidões que precisam ser entregues junto ao pedido de recuperação judicial. Muitas empresas não cogitavam acionar esse “plano B”. Dessa forma, vão demandar um prazo que pode variar de 30 a 90 dias se optarem por essa “saída” em meio à crise causada pela pandemia.
Outro fato a ser considerado é que empreendimentos que tinham caixa estão refazendo contas, cálculos e renegociando contratos com credores, fornecedores e funcionários. A revisão de contratos será inevitável para muitas empresas de diferentes segmentos e somente após essa reavaliação é que vão dar o próximo passo.
Regulamentada pela Lei 11.101/05 (LRF), que trata da recuperação judicial, extrajudicial e da falência, a recuperação visa auxiliar empresas em dificuldades financeiras na superação da crise econômico-financeira e patrimonial. É um instituto pertencente ao Direito Falimentar e tal mecanismo de proteção tem como objetivo evitar o encerramento das atividades.
Recorrer à recuperação judicial é uma forma de manter a atividade empresarial, os postos de trabalho e garantir a reestruturação financeira do estabelecimento. Ao ter o pedido de recuperação deferido, a empresa fica blindada, inicialmente, por 180 dias de ações de cobrança e execução de dívidas. Mas ciente de que precisará conseguir pagar seus débitos com credores e fornecedores de uma maneira planejada, conforme apresentado no plano de recuperação que precisa ser aprovado nas assembleias gerais dos credores.
O Governo Federal estima que o Produto Interno Bruto (PIB) no Brasil ficará estagnado em 2020, com possibilidade, inclusive, de recessão. Por causa da pandemia da Covid-19,, o Ministério da Economia anunciou medidas para mitigar os efeitos da crise. Dentre elas abono do pagamento de impostos como FGTS e INSS. Também prevê injetar mais de R$ 147,3 bilhões na economia do País.
Essas medidas, no entanto, não são capazes de estancar a piora econômica que será enfrentada nos próximos por todos os setores. Diante de tudo isso, pelos próximos meses, é provável que o Congresso e Governo Federal sejam pressionados a votar decretos e medidas econômicas voltadas às empresas em recuperação judicial como forma de oferecer um caminho para os empreendimentos que lutam para não sucumbir à crise causada pela pandemia da Covid-19.
Atento a essa nova realidade, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou, no dia 31 de março deste ano, a Recomendação nº 63/2020 com orientações aos Juízos com competência para o julgamento de ações de recuperação empresarial e falência para adoção de medidas para mitigação do impacto decorrente das medidas de combate à contaminação e avanço do novo coronavírus. Em outras palavras, orienta juízes a flexibilizar o cumprimento de plano de recuperação judicial por empresas em virtude da pandemia mundial.
É fato que os reflexos da pandemia têm derrubado a economia sinalizando uma forte recessão mundial. E não há dúvidas que a recuperação judicial é um mecanismo da legislação que possibilita empresas se reerguerem sem fechar postos de trabalho. Diante de todo esse contexto, a maioria dos empreendimentos em dificuldades deverá lançar mão desse instituto para permanecer de portas abertas, manter posto de trabalho e tentar garantir o consumo que aquece e faz girar a economia.

*MARCO AURÉLIO MESTRE MEDEIROS é advogado especialista em Recuperação Judicial, com atuação em todo o país junto ao escritório Mestre Medeiros Advogados Associados

E-MAIL:         marcomedeiros@mestremedeiros.com.br