“A violência atinge mulheres de todas as classes sociais, independente de grau de escolaridade”. Com essa afirmação, a acadêmica Roselei Hendges da Cruz,  do Curso de Pedagogia da Uninter Campus Cuiabá, traçou o retrato da violência contra a mulher em Mato Grosso, a partir dos dados coletados pela Patrulha Maria da Penha, durante os anos de 2019 e 2020, na Região Metropolitana de Cuiabá.

Ao contrário do que muitos pensam, a acadêmica de Pedagogia destacou que os casos de violência doméstica não se concentram entre as classes menos favorecidas e entre mulheres com baixa escolaridade. Dos mais de 1,1 mil casos pesquisados, 69,64 % das vítimas têm ensino superior completo, incompleto ou ensino médio completo. Apenas 29,76% têm o ensino médio incompleto, o fundamental completo ou incompleto e apenas 0,60% não são alfabetizadas.

“É mito dizer que a mulher que tem menos escolaridade é a que mais sofre violência doméstica. A violência está em todo canto, a diferença é que as mulheres das classes mais baixas denunciam menos, mas isso não quer dizer que ela não exista. A violência contra a mulher existe em todas as classes sociais”, observou ela.

Ela ressaltou em entrevista ao Cuiabano News que foram registrados mais de 1,1 mil casos no decorrer em dois anos pela Patrulha Maria da Penha, que é executada pela Polícia Militar de Mato Grosso.

“A Patrulha acompanha a mulher que recebe medida protetiva de urgência, para saber se ela está surtindo efeito. A justiça dá a medida e eles fazem o acompanhamento, às vezes por uma semana, por um mês, podendo chegar até três meses havendo necessidade”, justificou a acadêmica de Pedagoia, que coordenou a pesquisa.

Pelos dados apresentados pelo Poder Judiciário de Mato Grosso, os casos de violência doméstica se concentram em diferentes regiões de Cuiabá e Várzea Grande. Roselei Hendges afirmou que até mesmo em bairros considerados nobres há registros de violência doméstica.

Após uma análise no relatório, Roselei Hendges da Cruz afirmou que os números são muito relativos. Em alguns meses são registrados mais casos do que em outros. “Tem mês que aumenta, tem mês que diminui. Isso não quer dizer que a violência diminuiu ou aumentou nesse intervalo de tempo. A gente ainda não conseguiu entender o porquê disso”, argumentou ela.

“Não sabemos se as mulheres estão denunciando menos ou mais, não temos como precisar o porquê dessa oscilação, não existe uma lógica para isso. Mas uma coisa é certa, a violência como um todo vem aumentando em nosso país e em Roraima não é diferente”, pontuou Hendges da Cruz.

Quanto às campanhas voltadas para o combate à violência doméstica familiar,  a acadêmica de Pedagogia afirmou que o público alvo não são apenas as mulheres vítimas. “Existe toda uma estrutura, um programa de combate a violência contra a mulher. Primeiro é um esforço concentrado para que se julgue e dê celeridade aos processos judiciais que envolvem violência doméstica, mas não é só isso, são também ações que visem chamar atenção da sociedade, não só das mulheres, mas também dos homens, quanto as consequências de seus atos”, esclareceu Roselei Hendeges.

Relatório traça perfil do agressor e mostra que violência ocorre por motivo fútil

Segundo levantamento da acadêmica de Pedagogia, ficou constatado que em cerca de metade deles o agressor tem problemas com alcoolismo. As agressões costumam acontecer durante ou após ingestão prolongada de bebida alcoólica, na residência do casal ou mesmo em casa de amigos ou parentes, o que majora o sentimento de humilhação da mulher agredida.

Segundo ela, na grande maioria dos casos, as agressões partem do companheiro da vítima, que representam 22,7% do total. “As agressões ocorrem por motivos fúteis, como desconfiança de que a mulher está envolvida em relacionamento extraconjugal”, detalhou Roselei Hendges.

Os números são ainda maiores quando se trata do ex-companheiro. Estes representam 45,22%, do total. “Muitos não se conformam com o fim do relacionamento e tentam impedir que a vítima se envolva com outra pessoa. Nesse último caso, quase sempre, o agressor ameaça matar a vítima, os filhos, e o suposto novo companheiro, caso encontre a vítima na companhia de outro homem”, revelou ela, com base no estudo.

Normalmente, em Mato Grosso, Roselei da Cruz aponta ainda que é muito comum que, na época da denúncia, a vítima de violência doméstica já acumula extenso histórico de agressões quase sempre velados na intimidade da vítima. “Estas mulheres geralmente depositam esperança numa possível regeneração do agressor, ou têm vergonha das humilhações sofridas ou medo que o agressor cumpra as ameaças e mate ela e os filhos; e por isso permanece em silêncio. Em outros casos menos frequentes, por paixão pelo agressor, a vítima prefere suportar as agressões a ver o companheiro fora do lar ou preso”, constatou a pesquisadora.

Quando se trata da faixa-etária, o agressor é homem com  entre 20 e 29 anos (39,2%) e 30-39 anos (35,5%), de baixa instrução, com quem a vítima mantém ou manteve relacionamento amoroso e teve filhos (56,5%). “Ele costuma ser extremamente violento e se utiliza de objetos como pedaços de pau, facões, e o que mais estiver por perto, para causar lesões físicas na vítima e declara não ter medo da justiça ou de ser preso, já que em grande número dos casos, o agressor já teve passagem pela polícia, é cliente do sistema prisional ou já esteve preso por crimes anteriores”, disparou Hendgs da Cruz

A mulher vítima de violência doméstica sofre principalmente agressões psicológicas, presente em 83,5% dos casos mostrados no relatório. “Situações em que prevalece a ameaça de morte e perseguição, situações em que o agressor busca meios de monitorar a rotina da vítima ou manter algum tipo de contato, e a procura em sua residência ou local de trabalho. Muitas vezes a vítima passa por situações constrangedoras na presença dos filhos ou colegas de trabalho quando o agressor faz ameaças em voz alta e a agride com palavras grosseiras, obscenas, que ilustram a imagem de mulher vulgar e sem pudor que ele tem da ex-companheira”, complementou Roselei da Cruz.

A agressão física presente em 64,73% dos casos, costuma ser intensa. Nas declarações prestadas nos boletins de ocorrência há relatos de situações em que a vítima perdeu a consciência enquanto era agredida ou se deixou agredir, caída no chão, com socos e chutes porque já não tinha mais forças para se defender. Por vezes a mulher agredida relata que não perdeu a vida porque conseguiu se desvencilhar do agressor ou porque pessoas que presenciavam a agressão interferiram.