Existe um princípio antigo, retratado por Foucault em aula no ano de 1984, de que ‘é preciso dizer a verdade sobre si mesmo’, que se relaciona com um outro, muito conhecido, o socrático ‘conhece a ti mesmo’.

Isso não é tarefa fácil, em especial pelo fato de que se precisa da figura de um outro, que seja sério ou séria e que tenha profundidade em suas reflexões. Pode ser um professor, filósofo ou amigo, mas verdadeiro, amadurecido pelo tempo, tomando-se cuidado com as armadilhas da mente.

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Lembrem-se de Demétrio (citado por Foucault), o Cínico, que era o conselheiro de Thrasea Paetus, um homem importante na vida política romana em meados do séc. I, que suicidou, sendo assistido por ele até o derradeiro instante, dialogando sobre a imortalidade da alma.

Esse outro, conselheiro, de livre escolha, cuidadosa, por quem quer ‘dizer a verdade sobre si mesmo’, terá o papel de discernir a alma, as paixões e afetos. Acima de tudo, não pode ter melindres em dizer a verdade (‘parresía’), coragem deve tomar-lhe por atributo.

Esse ‘parresiasta’, de fala franca, apontará as contradições, erros e inclinações do interessado em se conhecer da própria mentira e falsidade, tão naturais aos que pensam já saber de tudo e de tudo, palpitam. Uma espécie de diálogos socráticos em pleno século XXI, dos quais vence a verdade.

Ao expor seu pensamento sem nada dissimular (Demóstenes, Primeira filípica, cit. Por Foucault in A Coragem da Verdade, trad. de Eduardo Brandão, Martinsfontes), é provável que o ‘parresiasta’ veja diante de si alguém em fuga, fraco, e que pode tomar-lhe por desafeto. Não importa, deve dizer tudo, toda a verdade.

Parafraseando a Euclides da Cunha em Os Sertões (‘Estamos condenados à civilização’): o descobridor de si se condena à verdade. E não há coragem mais doída e aterrorizante que a aceitação das próprias limitações.

Não adianta, também, acertar no diagnóstico e errar na causa. Esta pode ser psicológica, vaidade excessiva, falta de um certo equilíbrio entre o ego e o superego. Disso resulta nos falsos intelectuais e literatos. Pessoas sem o necessário talento, mas fogosas em vender uma falsa imagem. São os idiotas ganhando o mundo, voz, pela internet (Umberto Eco).

A biografia de alguns é uma farsa, apesar dos títulos acadêmicos. As pulsões não podem se transformar em criatividades, antes, devem ser depuradas pelos modelos científicos existentes para se chegar a um resultado satisfatório no campo da verdade.

É preciso dizer a verdade sobre si mesmo, porque a vida é um processo em construção que muito provavelmente se acaba com o fim da existência; e, se continuar para além dela, será sem o corpo passageiro, finito.

Disso resulta numa outra verdade, saber escolher os amigos, os ‘parresiastas’ que tão frequentemente chama a todos à reflexão sobre si mesmos. A camaradagem e uma tal educação não podem servir para escamotear a realidade.

Assim, considerando a excelência de certos ditados populares, não há parto sem dor, ainda que exista a anestesia social (hipocrisia) para aliviar a tristeza em se vê desnudado.

É por aí…

*GONÇALO ANTUNES DE BARROS NETO (Saíto)   é formado em Filosofia e Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT); é da Academia Mato-Grossense de Magistrados (AMA), da Academia de Direito Constitucional (MT), poeta, professor universitário e juiz de Direito na Comarca de CuiabáE é autor da página Bedelho Filosófico (Face, Insta e You Tube).

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