Com 95 anos de fundação, o Mirassol está às vésperas da conquista mais importante de sua história. No próximo sábado, às 16h, o time do interior de São Paulo pode até empatar em casa com o Floresta-CE que será o campeão da Série D do Campeonato Brasileiro.
A mudança de status do Mirassol passa pela filosofia de valorização das categorias de base até a construção de um dos mais modernos centros de treinamento do Brasil. E tudo começou graças à venda de um jogador descoberto pelo clube e vendido pelo São Paulo: Luiz Araújo.
Gestão, investimento e ascensão: Mirassol desponta como potência no interior de SP — Foto: Infoesporte
A taça, se conquistada, coroará um temporada épica, com jogos históricos, resultados marcantes e a afirmação no cenário nacional. Do terceiro lugar no Campeonato Paulista ao acesso à Série C, podendo conquistar pela primeira vez um título nacional.
Clube associativo, o Mirassol foi fundado em 9 de novembro de 1925 e se profissionalizou apenas em 1951. De lá para cá, foram dez participações na elite do Campeonato Paulista, 20 na Série A2 e 22 na Série A3. O sucesso é recente.
O clube, que ficou conhecido nacionalmente pela histórica goleada de 6 a 2 sobre o Palmeiras no Paulistão de 2013, desponta agora como uma nova potência do interior de São Paulo.
O grande símbolo da mudança do Mirassol é o centro de treinamento levantado com parte da venda do atacante Luiz Araújo em 2017.
Revelado pelo Mirassol, o jogador logo se transferiu para o São Paulo após chamar atenção nas categorias de base. Ele foi vendido pelo Tricolor ao Lille, da França, em 2018. Como ainda tinha 20% dos direitos, a equipe do interior embolsou uma bolada que foi investida na estrutura.
Do total de R$ 9 milhões colocados na construção do CT, cerca de R$ 6,5 milhões foram da venda do atacante. O local conta com quatro campos, academia, vestiários, sala de imprensa, lavanderia, cozinha e refeitório, rouparia e 20 apartamentos que podem acomodar até 40 jogadores.
CT Mirassol — Foto: Divulgação/Mirassol FC
CT Mirassol — Foto: Divulgação/Mirassol FC
Alojamento no CT do Mirassol — Foto: Divulgação/Mirassol FC
Presidente também é prefeito
Aos 63 anos, Ermenegildo é presidente do Mirassol há 26 anos. Delegado de polícia há quase 40, ele comandou a delegacia local e foi vereador, além de presidente da câmara. Na última eleição municipal, venceu a disputa para prefeito com 11.708 votos, 42,41% do total.
– O município não gasta nem com cal para pintar o gramado do estádio. Há muitos anos o Mirassol banca a manutenção do estádio, o que na verdade me traz um alívio na administração com a concentração de verbas em outras coisas. Não haverá nenhum tipo de repasse da prefeitura para o Mirassol – garantiu o dirigente/político.
Com capacidade para 15 mil pessoas, o estádio José Maria de Campos Maia foi reformado em 2007 e tem o recorde de público na partida entre Mirassol e Palmeiras, pelo Paulistão de 2018, com 11.967 pagantes. A cidade tem 60 mil habitantes.
Edson Ermenegildo, presidente do Mirassol — Foto: Vinicius de Paula / Agência Mirassol FC
Há quase três décadas no comando do clube, o presidente não pensa em deixar o Mirassol, mesmo não recebendo salário. Segundo ele, apenas comissão técnica e funcionários do estafe são remunerados na estrutura desenhada pela atual gestão.
– Responsabilidade e gestão financeira. Sempre gerimos o clube com responsabilidade, com poucas pessoas, mas com a mesma linha de pensamento. Sempre tivemos pés no chão e fizemos de acordo com a nossa realidade financeira. Não tem como fazer um planejamento de continuidade no Mirassol, mas enquanto possível quero continuar colaborando. Tenho vivência como homem público e tudo que vier vou tratar com a maior naturalidade.
Clube autossuficiente e sem dívidas
A maior conquista do Mirassol nos últimos anos, de acordo com o presidente, foi não depender mais de verbas públicas para se manter. Atualmente, o Leão sobrevive com cotas de televisão e patrocínios, que devem aumentar com as disputas do Paulistão, Copa do Brasil e Série C do Brasileiro simultaneamente.
– Assumimos o clube na época em que disputava a Série A3 do Paulista e dependia de subvenção do governo municipal para a sua manutenção. Era verba pública que mantinha o clube. Com o passar dos anos fomos mudando esse panorama e criando uma autonomia financeira. Há muitos anos não dependemos de verba pública. Entendemos que a salvação dos clubes do interior, de menor poder econômico, é a formação de atletas para dar sustentação financeira. Deu resultado, e o Mirassol se tornou realidade pelo investimento maciço nas categorias de base – relembrou Edson.
Em 95 anos, o Mirassol foi campeão apenas duas vezes: a quarta divisão do Paulista em 1961 e a Série A3 estadual em 1997.
Camilo foi o grande investimento feito pelo Mirassol para disputa do último Paulistão — Foto: Marcos Freitas/Ag. Mirassol
Eduardo Baptista e projeto Série B
Depois de eliminar o São Paulo no Morumbi (relembre no vídeo abaixo) e perder para o Corinthians na semifinal, o Mirassol passou por um desmanche após o terceiro lugar no Paulistão do ano passado.
Para comandar o time na Série D, o clube apostou em Eduardo Baptista (ex-Palmeiras e Fluminense) para a vaga de Ricardo Catalá, que aceitou convite para dirigir o Guarani na Série B.
– Não foi possível renovarmos com o Catalá por estar muito valorizado no mercado. Apresentamos o nosso projeto ao Eduardo Baptista, e ele queria um trabalho a longo prazo. Nossos planos acabaram casando e foi possível trazer o treinador. É muito cômodo sempre jogar em cima do técnico a responsabilidade pela equipe não estar bem, sempre pensamos assim e acho que é o caminho certo. Acho que, assim como minha longevidade deu certo, manter o técnico por maior tempo possível é a chance de dar certo.
Eduardo Baptista, técnico do Mirassol — Foto: Divulgação/Mirassol FC
– Não estou no Mirassol para fazer um bom trabalho, chamar atenção em um Paulistão, por exemplo, e sair para um grande clube. Estou porque planejei um trabalho a longo prazo, de colocar o Mirassol na Série B. E tomara que consiga fazer isso ainda em 2021 – afirmou Eduardo Baptista.
Garotada em destaque
O elenco, recheado de jogadores das categorias de base, foi um dos mais jovens da competição, com média de apenas 25 anos. São dois titulares formados no clube, o zagueiro Danilo Boza (22 anos) e o lateral-direito Vinicius (20 anos), fundamentais na reta final do Paulistão, quando o Mirassol sofreu um verdadeiro desmanche no elenco.
Além da formação em casa, o Mirassol aposta também no “garimpo” de jogadores pelo interior de São Paulo. O centroavante Fabricio Daniel, de 23 anos, é o vice-artilheiro da Série D com 11 gols, um abaixo de Zé Love. O jogador se destacou na Série A3 pelo Noroeste e estava na reserva do Cuiabá quando foi contratado pelo Leão.
Fabricio comemora gol do Mirassol contra o Altos-PI pela Série D — Foto: Marcos Freitas/Mirassol FC
– O trabalho pés no chão vem dando certo e não vamos mudar essa conduta. Todos os recursos seguirão sendo investidos no futebol de acordo com a receita. E assim continuará. Acho que podemos servir de exemplo para outros clubes, com muito planejamento estão chegando no ápice do Mirassol.
Além do Campeonato Paulista, o Mirassol irá disputar a Copa do Brasil e a Série C do Brasileiro em 2021. (Globo Esporte)