A caminhada para o segundo ouro olímpico do futebol masculino começa com um adversário à altura do sonho brasileiro. A Alemanha vem de duas finais consecutivas da UEFA EURO Sub-21, base para a geração que disputa esta olimpíada de Tóquio: o vice-campeonato em 2019, quando foi derrotado na final para a Espanha; e o título em 2021, quando venceu Portugal. A análise é de Marcelo Raed, comentarista do Esporte da Globo e Técnico Licença B pela ATFA (Argentina). Confira:

O time do técnico Stefan Kuntz atua no 4-5-1 com características específicas. Seu meio-campo joga em linha, com 5 atletas bloqueando o setor e cobrindo espaços. Muitas vezes a marcação é individual, com atletas acompanhando as corridas dos adversários pelo campo de jogo.

Como joga o time olímpico da Alemanha  — Foto: (ilustração tática: Marcelo Raed)

Como joga o time olímpico da Alemanha — Foto: (ilustração tática: Marcelo Raed)

Os laterais jogam com o “pé trocado”: pelo lado esquerdo o titular é Benjamin Henrichs, destro e lateral direito de origem. Essa manobra facilita o enfrentamento defensivo contra times que jogam como o Brasil, com extremos também com o “pé trocado”. Ou seja, enquanto os pontas do Brasil buscam trazer o jogo para dentro, os laterais alemães defendem o centro da área também com o pé dominante.

O lateral esquerdo Henrichs joga com o pé direito — Foto: (ilustração tática: Marcelo Raed)

O lateral esquerdo Henrichs joga com o pé direito — Foto: (ilustração tática: Marcelo Raed)

Nesta imagem também percebe-se como o jogo alemão é baseado no homem de referência do ataque, com aproximação dos meio-campistas. Os jogadores que atuam pelos lados do campo também variam bastante, centralizando para auxiliar o atacante.

Quando atacado, Kuntz monta a linha defensiva com o recuo de um dos meio-campistas, cobrindo a parte central da grande área. Porém, como faz marcação é individual, permite que os defensores saiam de posição para acompanhar a movimentação do time adversário, muitas vezes deixando espaços defensivos.

Como joga o time olímpico da Alemanha — Foto: (ilustração tática: Marcelo Raed)

Como joga o time olímpico da Alemanha — Foto: (ilustração tática: Marcelo Raed)

Repare o posicionamento do volante, auxiliando a linha defensiva. Mas o que também chama atenção é a forma como a marcação individual é executada, com o lateral saindo de posição para acompanhar o adversário. Com isso, os meio-campistas precisam recuar para a última linha defensiva e fazer a cobertura de posição.

A vaga olímpica alemã veio na UEFA Euro Sub-21 de 2019. Na final contra a Espanha, derrota por 2 a 1, gols de Fabian Ruiz e Dani Olmo, com Amiri descontando para os alemães. Nesta edição a Alemanha teve Luca Waldschimidt como o artilheiro do torneio com 7 gols em 5 jogos, hoje atleta do Benfica-POR e que não está na lista olímpica. Mesmo com o vice-campeonato a Alemanha emplacou 6 jogadores na seleção do torneio, mas destes apenas o lateral Benjamin Henrichs foi convocado para os jogos de Tóquio.

Dois anos depois, em junho de 2021, essa geração alemã conquistou o título europeu Sub-21, com a vitória sobre Portugal por 1 a 0, gol de Nmecha, artilheiro do torneio com 4 gols, atleta do Manchester City-ING, que também não está na lista olímpica.

Onze dos 18 convocados estiveram presentes nas últimas campanhas da Alemenha na UEFA Euro Sub-21. O goleiro Müller; os defensores Henrichs, Pieper, Raum, Uduokhai e Vagnoman; os meias Amiri, Maier, Stach e Lowen; e o atacante Richter. Destes, apenas cinco eram titulares: Henrichs (2019), Pieper (2021), Raum (2021), Amiri (2019) e Maier (2021).

Arne Maier com a faixa de capitão na UEFA Euro Sub-21 — Foto: DFB

Arne Maier com a faixa de capitão na UEFA Euro Sub-21 — Foto: DFB

Arne Maier seja talvez o maior destaque técnico desta geração olímpica alemã. Meia central do Herta Berlim, fez parte das campanhas da Alemanha nos dois últimos campeonatos europeus sub-21, tendo sido eleito para a Seleção do Torneio na edição de 2021. Em Tóquio, Maier usará a camisa 13, a mesma de Michael Ballack. As comparações não param por aí: ele é apontado como sucessor de Toni Kross na seleção alemã. Ainda como base de comparação entre jogadores da mesma função, León Goretzka, hoje destaque do Bayern de Munique, era um jovem promissor do Schalke 04 quando usou a camisa 10 e faixa de capitão na Rio-2016. Uma lesão no ombro, no primeiro jogo da competição, tirou o jogador do resto do torneio olímpico.

Dos três jogadores acima do limite da idade, nenhum com destaque relevante no futebol mundial. O mais experiente é o atacante Max Kruse, de 33 anos, atleta do Union Berlin-ALE. O atacante tem 14 jogos e 4 gols pela seleção principal alemã. O último jogo de Kruse pela seleção foi em outubro de 2015, pelas Eliminatórias da Copa, contra a Geórgia. O último gol foi em junho do mesmo ano, também pelas Eliminatórias da Copa, contra Gibraltar. Na última edição do campeonato alemão Kruse jogou 22 partidas e marcou 11 gols. O Union Berlin terminou a competição no 7º lugar e conquistou uma vaga nos playoffs da Liga Europa.

Max Kruse em jogo da Alemanha — Foto: AFP

Max Kruse em jogo da Alemanha — Foto: AFP

Outro jogador acima do limite da idade é o meia Maximilian Arnold, atleta do Wolfsburg. Pela seleção principal alemã, Arnold entrou em campo apenas uma vez, em amistoso contra a Polônia realizado em maio de 2014, dias antes da convocação final para a Copa do Mundo vencida pela Alemanha.

A última vaga é de Nadiem Amiri, atleta do Bayer Leverkusen, e que terminará a Olimpíada ainda com 24 anos, dentro do limite de idade dos Jogos. Porém, como Amiri nasceu 1996 e completa 25 anos ainda em 2021, só pode participar da olimpíada em uma das 3 vagas de atletas acima do limite de idade. Recentemente Amiri disputou 5 jogos pela seleção principal alemã, o último em novembro de 2020, na vitória por 1 a 0 sobre a República Tcheca. Sua estreia aconteceu em 2019, em amistoso contra a Argentina, quando entrou no segundo tempo da partida em substituição a Julian Brandt, atleta que disputou a Olimpíada Rio-2016 e ficou com a medalha de prata após derrota nos pênaltis para o Brasil.

Amiri, com a camisa do Bayer Leverkusen, pela Liga Europa — Foto: Reprodução / Twitter @bayer04fussball

Amiri, com a camisa do Bayer Leverkusen, pela Liga Europa — Foto: Reprodução / Twitter @bayer04fussball

A equipe é dirigida por Stefan Kuntz, 58 anos, um ex-atacante com passagens pela seleção principal e que conquistou o título europeu pela seleção alemã como jogador e treinador. Kuntz foi titular no título da Eurocopa 1996, formando a dupla de ataque com Jurgen Klinsmann. Também disputou a Copa do Mundo de 1994. Como técnico, está à frente do time Sub-21 desde 2016. Desde então, chegou a 3 finais consecutivas de Euro Sub-21 e conquistou o título duas vezes, em 2017 e 2021.

Stefan Kuntz comemora gol na Eurocopa 1996 — Foto: Peter Mueller/REUTERS

Stefan Kuntz comemora gol na Eurocopa 1996 — Foto: Peter Mueller/REUTERS

Kuntz tem outras curiosidades da época de jogador. Ele é o 8º maior goleador da história da Bundeliga, com 179 gols marcados em 449 jogos. Em 1991 foi eleito o melhor jogador do campeonato alemão ao levar o Kaiserslautern ao título nacional. O atacante disputou 25 jogos oficiais com a camisa da seleção alemã e marcou 6 gols, sem nunca ter perdido um jogo sequer.

Mas nada disso teria acontecido se não fosse o acaso. Kuntz, então com 21 anos, era policial e atuava no time de futebol amador de sua cidade, Neunkirchen, quando chamou atenção do Bochun, que disputava a Bundeliga. O atacante ainda tentou conciliar as duas profissões, mas em vão: o futebol falou mais alto.

Stefan Kuntz era policial no início da década de 80 — Foto: IMAGO/Horsmuller

Stefan Kuntz era policial no início da década de 80 — Foto: IMAGO/Horsmuller

Brasil e Alemanha se enfrentaram quatro vezes na história dos jogos olímpicos, com uma vitória para cada lado e dois empates (ambos com vitória brasileira nos pênaltis). A única vitória brasileira no tempo normal aconteceu no também único confronto entre as seleções em fase de grupos: Gilmar Popoca fez o gol da vitória brasileira, aos 43 minutos do segundo tempo, nos Jogos de Los Angeles-1984. A Seleção, que tinha nomes como Dunga, Mauro Galvão, Gilmar Rinaldi e era dirigida por Jair Picerni, chegou à final e ficou com a medalha de prata, ao ser derrotada pela França por 2 a 0, no jogo que marcou o recorde de público da história dos Jogos Olímpicos, com 101.799 expectadores. (Marcelo Raed/Globo Esporte)