Gente! De repente, todo mundo se especializou em Direito Penal. Durante a pandemia, milhões se matricularam num curso rápido e, com base nos autos que não leram, sem a menor cerimônia processaram e sentenciaram alguém. De fato, fazer Direito no Brasil é quase tão fácil como fazer um ovo mexido.
Bom, com relação à modalidade culposa do estupro, de fato, não existe. Da mesma forma que as contrafações em geral. Crimes contra a fé pública, noutras palavras. Crimes contra a honra também não admitem a forma culposa. Ninguém difama “sem querer”.
Há possibilidades de difíceis junções entre qualificadoras e privilégios em algumas tipificações (como homicídio, por ex), mas no caso de crimes contra a liberdade sexual, não há as três formas culposas clássicas: negligência, imprudência ou imperícia.
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Gosto muito de casos onde há modelos híbridos como qualificadoras subjetivas e privilégios de ordem objetiva, por exemplo. Os alunos ficam super seduzidos com essas hipóteses raras. A forma putativa é outra grande atração no cardápio penal. Enfim, são questões técnicas das mais instigantes.
Se o Ministério Público sustenta uma modalidade inexistente, o juiz é obrigado a absolver. O estupro exige a conjunção não consentida. Nenhuma presunção é admissível entre maiores, embora a norma penal franqueie a presunção de violência em casos de menores. A diminuição da capacidade cognitiva não leva à presunção (juris et de jure – alguém se lembra?) de que não houve consentimento. Do contrário, todos os parceiros sexuais teriam que se submeter ao bafômetro ou ao teste sanguíneo de alcoolemia.
Você leu o processo? Eu não li. Não acompanhei as audiências. O que tenho certeza? O advogado humilhou a vítima de forma direta. Não se baseou em provas para menoscabar a mulher. Presumiu negativamente sobre o caráter dela, sem qualquer amparo fático.
Do que mais tenho certeza? O Ministério Público derrapou feio no direito material. Feio. É até patético. O juiz? Ora, o juiz não pode aceitar uma tese acusatória que não existe. Se a acusação não provou a intenção, de um lado, e a incapacidade cognitiva, de outro, a absolvição é a única alternativa para o caso. Que venha o CNMP para rever o procedimento do promotor. Que venham os recursos para que o tribunal repare eventual erro “in judicando” (quem se lembra da diferença do error in procedendo?). Aliás, mesmo em ações penais de iniciativa pública, há interesse recursal da vítima, não é mesmo? Sobretudo quanto está habilitada como assistente de acusação.
Gente, não dê pitaco porque está na moda. Não dispare a metralhadora giratória sem critério técnico. Se o promotor fez uma bela cagada, não coloquem no balaio todos os envolvidos. Um pouco mais de critério, ok? Usar broche, mudar o perfil, fazer coro com a claque é simpático. Mas é preciso um pouco (só um pouco) de calma para ponderar racionalmente sobre as coisas.
A gente precisa entender que o não consentimento caracteriza o estupro. Até o presente momento, não há uma presunção de não consentimento. Especificamente no caso de uso de álcool e entorpecentes, uma perícia é recomendada. Não tem perícia? Sobram as testemunhas.
Nunca é fácil um processo dessa natureza. Consentimento e prova negativa de não consentimento são limítrofes. Outras discussões que li são completamente irrelevantes. Se a mulher era ou não virgem; se a mulher trabalhava à noite; se a mulher usava roupas curtas; se a mulher se “insinuava”. Enfim, alegações desse naipe não são jurídicas. Pertencem à retórica da “escrotidão estrutural”.
Mas, juridicamente é isso. Desculpem o mau jeito com o textão. Mas é importante resumir. Se não há estupro presumido (tese de acusação) o juiz deve absolver. Não se condena alguém por presunção quando o ordenamento não tenha a modalidade previamente descrita. Um querido professor de Penal, Fabio Guimarães, ainda falava em latim: nullum crimen, nulla poena sine lege. Mas parece que isso (e tudo o mais) já não tem importância alguma.

*EDUARDO MAHON é advogado e escritor em Mato Grosso; ex-presidente da Academia Mato-Grossense de Letras (AML). Idealizador e diretor da revista Pixé.

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