Sempre que se ouve a constatação de trabalho escravo, logo vem à mente a escravidão, de tão triste memória, mas que já ficou para a história contar, pois, foi abolida pela Lei Áurea de 13 de maio de 1888.
Era, até então, tolerada a propriedade de uma pessoa por outra. No período colonial era considerado um “bem”, um ativo da pessoa jurídica ou física, e poderia ser negociado como uma, pasmem, mercadoria.
Leia Também:
-Contrato de trabalho verde e amarelo
-O papel do Tribunal de Contas do Estado
-Pai, não quero ser igual a você!
-Cadastro positivo – uma realidade
-Liberação do comércio em qualquer dia e horário
Mas, como felizmente esta grave violação aos direitos humanos foi minimizada com a abolição, restou então a prática da condição análoga a de escravidão, que nos persegue até hoje, e que é reprimida pelas legislações trabalhista e penal.
O artigo 149 do Código Penal Brasileiro preceitua – “Reduzir aquém a condição análoga a de escravidão”.
Pena: reclusão de 02 (..) a 8 (..) anos.
É importante entender o que a lei define por condição análoga a de escravidão.
Os principais elementos que caracterizam o trabalho análogo ao de escravidão são:
– Condições degradantes de trabalho, ou seja, incompatíveis com a dignidade humana;
– Trabalho forçado;
– Jornada exaustiva;
– Servidão por dívida.
O trabalho escravo não se caracteriza somente por infrações trabalhistas. Ele é um crime contra a dignidade humana.
Numa relação de trabalho, qualquer constatação de um desses elementos suso, já é suficiente para configurar trabalho escravo.
Restringir a locomoção do empregado, retendo os seus documentos, em decorrência de dívidas contraídas com o empregador ou preposto, mediante a fabricação de dívidas com alimentação, aluguel de ferramentas de trabalho, transporte e alojamento.
Esta prática era bastante comum, na abertura de fazendas, na febre da expansão agrícola, fazendo o empregado se endividar, e como a distância para chegar em algum povoado era enorme, obrigava-o a ficar trabalhando, cerceando o uso de qualquer meio de transporte, até quitar suas dívidas, mantendo vigilância ostensiva no local de trabalho.
O trabalho forçado, é aquele que o empregado é submetido a trabalho em condições de exploração, sem possibilidade de deixar o local, sob ameaça de violência física ou psicológica, principalmente quando o trabalhador se encontra em local de difícil acesso, isolado geograficamente.
A jornada exaustiva, é outro indicativo de trabalho escravo, quando coloca em risco a integridade física do trabalhador, com intervalo reduzindo entre as jornadas, impossibilitando a reposição de energia, ou desrespeitando o descanso semanal.
Esta prática de trabalho escravo rural era mais comum com homens, pois exigia força física, e por isso ocorria principalmente com homens mais jovens, e semianalfabetos.
Já no meio urbano, esta prática era menos frequente, em face da fiscalização trabalhista mais presente, mas ocorria em confecções têxteis e na construção civil.
Atualmente em raros casos é detectada esta infração com imigrantes haitianos e venezuelanos, na Região Metropolitana de Cuiabá.
Com o objetivo de erradicar o trabalho escravo, o Brasil tem ampliado a fiscalização, coibindo e punindo severamente esses crimes em propriedades privadas, quer administrativamente ou economicamente, com pesadas multas.
No entanto, atualmente se observa um certo exagero por parte da fiscalização. Num determinado acampamento, por falta de saboneteira no banheiro, foi considerado trabalho escravo, o que, convenhamos, é um absurdo.
Hoje os mais visados são os grandes frigoríficos, por permitirem trabalhadores se ativarem em áreas muito insalubres, sem o uso de EPI’s correspondentes, ou por submeterem os empregados às jornadas de trabalho exaustivas.
Vale frisar que a fiscalização do uso de EPI é de responsabilidade do empregador. Não basta fornecer os equipamentos, tem que fiscalizar o seu uso.
Sentimos vergonha toda vez que nos deparemos com notícias da constatação de trabalho em condições análogo à escravidão em nosso Estado.
É preciso nos conscientizarmos de que isto denigre a imagem do nosso Estado em todos os sentidos, principalmente em termos de mercado externo.
O empresário tem que se conscientizar que não há mais espaço para se utilizar desta nefasta pratica para auferir maiores lucros.
Os tempos são outros, felizmente.
Trabalho escravo, nem pensar.
*OTACÍLIO PERON é advogado da Câmara dos Dirigentes Logistas (CDL Cuiabá) e da Federação das Câmaras de Dirigentes Logistas (FCDL) de Mato Grosso