Não é o custeio da inchada máquina pública nos 34 municípios mato-grossenses com menos de 5 mil habitantes que engessa o desenvolvimento estadual. Ele tem sua parcela de culpa, mas é mínima. O quê da questão é a incompetência do governo de Mauro Mendes, o apadrinhamento empregaticio no Palácio Paiaguás, o inaceitável duodécimo da Assembleia Legislativa, a mordomia do Tribunal de Contas do Estado, o excesso de direitos que tanto beneficia magistrados e membros do Ministério Público com astronômicas vantagens remuneratórias.
Extinguir os 34 municípios, como propõe a PEC do Pacto Federativo, para modernizar o Estado, não seria a solução. Paralelamente e indiferentemente a ela, Mauro Mendes tem que ver Mato Grosso como ele é, e não somente enxergá-lo entre o Trevo do Lagarto e o Coxipó da Ponte.
Falta governo a Mato Grosso. Falta a bastante tempo, e inclusive faltou nos quatro anos em que Pedro Taques esteve no poder.
Um Estado que conte com 34 municípios iguais aos ameaçados em Mato Grosso tem um diamante bruto que precisa de lapidação.
No contexto da proposta de extinção dos municípios, alguns exemplos podem contribuir para derrubar essa imbecilidade que se esconde na PEC do presidente Jair Bolsonaro.
Quatro municípios vizinhos e na divisa com Goiás estão na lista do facão da PEC. (no sentido Sul-Norte) Araguainha, Ponte Branca, Ribeirãozinho e Torixoréu são cidades à margem da MT-100, rodovia que é pavimentada a passo de tartaruga, por falta de governo, por incompetência do governo e pela insensibilidade da Assembleia Legislativa e da bancada federal. Em todos, o poder municipal (prefeitura e câmara) são os principais empregadores. O que está por trás disso? A iniciativa privada não tem capacidade de absorver a mão de obra local. Nesse vácuo, para sobreviver o cidadão se apega ao político, e para se eleger, esse emprega aquele que o procura ou lhe interessa.
Sem hipocrisia. Na prática temos que admitir o incesto do empreguismo nos pequenos municípios. No Brasil é assim em todas as esferas, em todos os poderes e seus penduricalhos.
Apesar do incesto, e sobre os quatro municípios citados, se pensarmos que uma vez pavimentada a MT-100 haveria um fluxo grande de veículos pesados transportando commodities produzidas em algumas regiões do Vale do Araguaia para o terminal ferroviário em Alto Araguaia. O incremento do trânsito forçará a construção de postos de combustíveis à margem da rodovia. Ainda no exercício da imaginação, um grande posto em Araguainha geraria mais de 100 empregos em cascata (restaurante, conveniência, borracharia, elétrica etc.) A abertura de 100 vagas de trabalho naquela cidade tiraria a pressão do emprego na prefeitura e câmara, levaria novos moradores àquele lugar, exigiria mais vagas em creche e escola, mas agentes de saúde, mais serviços médicos, mais professores, mais policiais e necessitaria de casas para a residência dos novos moradores.
Um grande posto de combustível em Araguainha seria fator de grande transformação para seus 935 habitantes. Mas, a pavimentação da rodovia vai muito além disso. Trata-se de um trajeto de 240 quilômetros que é a melhor e mais curta rota rodoviária do Vale do Araguaia ao terminal da principal ferrovia Rumo ALL, que é a maior transportadora de produtos agrícolas do Brasil. Essa via é paralela ao rio Araguaia, numa área de imenso potencial turístico, onde a queda de um meteorito fez brotar o famoso Domo de Araguainha.
Em 2003, cobri a passagem do então governador Blairo Maggi pelos quatro municípios citados. Blairo fazia a primeira viagem daquilo que se chamou Expedição Estradeiro. No trevo de Ponte Branca, num discurso carregado de emoção, o governante jurou pelo último pé de soja do mundo, que pavimentaria a MT.100. Blairo governou sete anos; depois dele, Silval Barbosa foi governador cinco anos; mais recentemente Pedro Taques ocupou o Paiaguás por quatro anos; Mauro Mendes chega ao final de seu primeiro ano no poder. Transcorridos 16 anos da palavras emocionadas de Blairo, quem trafega pela MT-100 cruza pontes de madeira e enfrenta poeira e atoleiro em alguns trechos.
Não precismos fechar municípios. Temos que renovar a classe política. Temos que mudar algumas práticas também. Vergonhosamente a Prefeitura de Cuiabá administrada pelo prefeito Emanuel Pinheiro – aquele do deplorável episódio do dinheiro caindo do bolso do paletó – emprega 18 mil servidores. Isso é um crime. É ato de lesa-pátria. Creio que seja mais fácil modernizar as prefeituras dos pequenos municípios, com a substituição do empreguismo pelo emprego na iniciativa privada, do que sanear a gestão pública cuiabana.
Nova Nazaré, também na lista da PEC, é uma pequena cidade à margem da MT-326 que liga Água Boa a Cocalinho e ao vizinho Goiás. Aquele município enfrenta o problema da falta de regularização fundiária urbana e na zona rural, inclusive nos assentamentos da reforma agrária que motivaram sua fundação. Falta Mauro Mendes e falta Assembleia Legislativa em Nova Nazaré.
Ainda sobre Nova Nazaré, a Ferrovia de Integração Centro-Oeste (FICO), no trecho de 383 quilômetros entre Água Boa e Mara Rosa (GO) começará a ser construída em 2020. A meta é em dois anos criar um corredor ferroviário para escoamento da produção mato-grossense no raio de influência da FICO, para o Maranhão, pela malha ferroviária ancorada pela Ferrovia Norte-Sul. A obra será executada pela mineradora Vale, como parte de um acordo com o governo federal. Todo grande empreendimento no Brasil exige compensação ou ambiental ou social aos municípios onde o mesmo é desenvolvido. Portanto, a Vale investirá, em breve, na cidade de Nova Nazaré.
Nova Nazaré não tem que ser extinto. O que aquele município precisa é de governo estadual para resolver seu problema fundiário, para concluir a pavimentação da MT-326, para lhe repassar em dia os recursos constitucionais que lhes são devidos por terem sido ali arrecadados.
Nova Santa Helena (BR-163), São Pedro da Cipa (BR-163/364) e Conquista D’Oeste são cidades à margem de grandes rodovias e todas tendem ao crescimento.
Poucos lugares no Brasil interior têm tantas belezas quanto Luciara à margem do rio Araguaia e diante da Ilha do Bananal. Ao invés de extinção aquela cidade criada pela ousadia de Lúcio da Luz precisa é de investimento no setor turístico. Lá, falta Mauro Mendes e falta Assembleia. Cadê rodovia pavimentada para se chegar àquele paraíso? Não existe sequer plano de pavimentação. Observem que o vizinho Tocantins quer pavimentar a TO-500, rodovia chamada de Transbananal, para deslocar o fluxo do escoamento agrícola do Araguaia Mato-grossense para o terminal ferroviário de Gurupi. Tocantins faz a parte dele, mas Mauro Mendes nada faz. O asfalto chegará a São Félix do Araguaia, ao lado de Luciara, mas o caos do transporte continuará na nossa área territorial.
Em nome da dignidade política o governador, deputados estaduais e federais, e os senadores jamais poderiam ficar calados diante da ameaça de extinção de Luciara, uma pequena e aconchegante cidade universitária – com campus da Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat) desde 1991 – onde o Araguaia abusa do direito de ser bonito, sendo que eles nada fazem por seu desenvolvimento.
A abordagem os 34 tornaria o texto excessivamente grande, mas que fique claro: a ameaça da PEC é injusta com todos. Não saberia dizer sobre as cidades de outros estados, principalmente do Sudeste, onde municípios centenários estão parados no tempo. Em Mato Grosso, não. Somos um Estado em construção social, que palmo a palmo ocupa seus vazios demográficos.
Sobre a Assembleia faço ressalva. O deputado estadual Dr. Eugênio está no nono mês de seu mandato. Sua principal (e quase única) base eleitoral é o Vale do Araguaia, onde reside. Acompanho sua luta na tribuna e sei o quanto se angustia com determinadas situações, que nem mesmo detentor de mandato parlamentar consegue reverter. Sei que seu posicionamento é em defesa do municipalismo.
Avalio que se houver uma forte resistência cívica o Congresso Nacional não avalizará a proposta de Bolsonaro idealizada pelo ministro Paulo Guedes. Creio até em recuo do presidente. A ameçadora PEC poderá ruir, mas isso nao nos basta. Exorcizado o fantasma da extinção, Mato Grosso precisa dar as mãos em busca de novos conceitos administrativos, de novas posturas parlamentares, de nova relação do poder com o emprego público.
Temos mais que uma causa. Temos 34 boas causas à espera de nossa luta, de nosso posicionamento. Pela revitalização dos municípios mato-grossensses busquemos o amanhã, mas sejamos prudentes e saibamos nos resignar diante de alguns arranjos do empreguismo que existe desde que Cabral aportou na Bahia, mas que não poderemos mais aceitar no amanhã..
O amanhã será novo tempo. Tempo do crescimento de Araguainha. Tempo do desenvolvimento de Tesouro. Tempo do fortalecimento de Santa Cruz do Xingu. Tempo de integrar Rondolândia a Mato Grosso. Tempo de Nova Marilândia exportar frangos para a China. Tempo de Santa Rita do Trivelato continuar ocupando lugar de destaque entre os grandes municípios agrícolas do mundo. Tempo de gritar a todos os pulmões que temos 141 bons municípios. Tempo de entender que a Terra de Rondon não é somente sua região metropolitana. Tempo de separarmos o joio do trigo na política. Tempo que ao invés de ser utilizado para extinguir municípios seja destinado ao banimento dos incompetentes da vida pública.
Não nos acomodemos, pois o momento exige luta. Todos contra a incompetência política. Todos contra o fim das mordomias e das mamatas. Todos pelos 34 municípios.
Eduardo Gomes de Andrade é jornalista e escritor em Mato Grosso. E editor de Boamidia
CONTATO: www.facebook.com/eduardogomes.andrade