Na tragédia “Titus Andronicus” de Shakespeare, o personagem Marcus Andronicus responde ao príncipe Bassianus, que exclamou sustentar ali seu direito e razão pelo trono de Roma: “Suum cuique” (a cada um o que é seu).

 

Dar a cada um o que é seu pode transformar a Justiça em mera peça de uma engrenagem social que finca raízes não na dinâmica ou mudança de suas estruturas, mas na permanência de privilégios dos que são e não querem não ser, ou ao menos dividir o quinhão. Seria dar ao pobre, pobreza; e ao rico, riqueza.

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Diferentemente dos positivistas, que sempre buscaram as leis invariáveis da estrutura social para conservá-la, a dialética marxista introduz na apreensão da realidade o conflito e a contradição, buscando sua mudança e adequação. Como bem observou Heráclito: tudo muda.

 

Ainda que Marx não ignorava o fato de que as pessoas não são árbitros absolutamente livres de seus atos, a ação presente não é determinada pela realidade e é capaz de transformá-la (Minayo, Metodologia de Pesquisa Social, 2004, p. 84).

 

Não existe um modelo de mundo (que me desculpem os pensadores idealistas), mas o mundo real, material, quando o que se quer é entendê-lo, estudá-lo.

 

Na citada obra shakespeariana, a busca pelo poder que leva à glória resume a tragédia da vida dividida entre príncipes e súditos. Os que têm honra (ao menos se fala muito nela) e aqueles que nada têm de sentimento imortal, apenas são plateias. Os que estão com as armas não carregam as bagagens, são depositários da glória.

 

Quando se tranca a porta à ciência e literatura e se descortina na fé os paradoxos e contradições parecem aumentar em progressão geométrica.

 

O Mestre é ou não justiça, liberdade, igualdade, contestação, destemor, revolução e amor forte? Há moral religiosa sem a contrapartida da mudança? Aliás, não se faz o novo com o velho, posto formado por bases pragmáticas e conceituais diferentes. O novo, ao pé da letra, é renascer para uma nova tomada de consciência. É briga interior, reflexão, não é paz, mas inquietação. É “a dor como padrão para a intensidade dos sentidos” (Hanna Arendt).

Se a isso não se conscientizar, especialmente os guardiões da justiça, a rebeldia necessária à transformação, qualquer mudança de paradigma, servirá por mote de sofismas bem estruturados do campo da ilusão.

 

Antonio Gramsci ironiza o pensamento inconsequente: “Meu estado de espírito sintetiza estes dois sentimentos [otimismo e pessimismo] e os supera: sou pessimista com a inteligência, mas otimista com a vontade. Em cada circunstância, penso na hipótese pior, para pôr em movimento todas as reservas de vontade e ser capaz de abater o obstáculo”.

 

Viver é lutar, sempre. Contra o próprio egoísmo, contra a miséria intelectual, o apego às circunstâncias, enfim, viver um novo paradigma é se guiar por mudanças e, uma delas, é a atitude de recusa frente ao cômodo papel de assistentes e ouvintes da mesmice.

 

Então, conclui-se que somente o amor feito punho, forte como o grito dos excluídos, pra quebrar a cara e a resistência dos vivaldinos e gananciosos, excluirá as estruturas da maldade social.

 

A honra e a glória estão naqueles que sobrevivem na luta contra a opressão dos que não sentem compaixão, posto privilegiados e inebriados pelos prazeres advindos de seus bens materiais. A indulgência está à venda?

 

É por aí…

*GONÇALO ANTUNES DE BARROS NETO (Saíto)   é formado em Filosofia e Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT); é membro da Academia Mato-Grossense de Magistrados (AMA), da Academia de Direito Constitucional (MT), poeta, professor universitário e juiz de Direito na Comarca de CuiabáE é autor da página Bedelho Filosófico (Face, Insta e You Tube).

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