O advogado Rogério Caboclo é bem mais jovem que todos antecessores na CBF. Dos 25 anos de diferença para Ricardo Teixeira até os 40 para José Maria Marín cabem interpretações distintas da mudança de perfil no comando da CBF. Aos 47 anos, ele completou o primeiro dos quatro anos à frente da CBF neste último dia 9. Um início com títulos em campo, bons resultados administrativos – a CBF anunciou faturamento e superávit recordes -, prestígio político com cartolas em dia depois do socorro a clubes e federações, mas também desgaste com o caso Juninho Paulista.
Antigos conhecidos o definem como negociador. Filho de conselheiro vitalício do São Paulo, Caboclo começou no futebol no clube do coração, passou para a Federação Paulista de Futebol, onde se aproximou de Marco Polo Del Nero. Mais discreto que o cartola banido do futebol, Caboclo é pouco afeito a vestiários. Não é boleiro, como se diz no futebol.
Se não tem uma característica comum em cartolas à moda antiga – vivência de vestiário, traquejo de bastidores, o que poderia também significar algumas vezes decisões mais emocionais do que racionais -, ainda assim apareceu nas filmagens da CBF TV “palestrando” e cumprimentando atletas antes ou depois de jogos importantes.
– Ele tem uma equipe muito boa que o orienta. Um escritório muito bom. Pontualmente chama alguém do futebol, para uma reunião individual, pergunta como foi, ouve bem… Mas coisa rápida, não tem muita enrolação. Nós participamos de reunião de diretoria, o que não era comum participar antes – conta Marco Aurélio Cunha, coordenador da seleção feminina e que já o conhecia do São Paulo.
“Liga para ela e contrata”
Ele conta como foi a conversa para contratar Pia Sundhage, depois da demissão do criticado Vadão da seleção feminina. Críticas essas que não encontravam muito eco na cabeça de Cunha.
– Nós ficamos pensando no substituto. Falei para ele que tínhamos duas treinadoras: a Pia e a técnica dos EUA (Jill Ellis), mas essa seria mais difícil. Mas a Pia tinha sido convidado num evento da CBF e nós adoramos ela. Caboclo me disse: “liga para ela e contrata”.
Rogério Caboclo se aproximou de Pia Sundhage quando a sueca participou de congresso na CBF — Foto: Laís Torres/CBF
A paralisação do futebol na segunda quinzena de março impôs o maior desafio no primeiro ano da gestão Caboclo. Como acomodar os interesses de federações estaduais sem prejuízo para o calendário nacional? A CBF estuda o cenário, mas ainda não há resposta. Pressionada a socorrer financeiramente clubes das séries inferiores e o futebol feminino, a CBF anunciou a injeção de R$ 36 milhões – entre adiamentos de taxas a árbitros, repasse para clubes e federações.
O GloboEsporte.com procurou dirigentes de federações e de clubes para falar sobre o início da era Caboclo no futebol brasileiro. Quando quiseram dar entrevistas, os elogios se sobressaíram. Rubens Lopes, da Ferj, que nunca foi aliado de Caboclo, comentou que “tenho a oportunidade de dizer o que penso, de fazer crítica, reclamação, sugestão e aplauso diretamente ao presidente da CBF”.
– Quem o conhecia sabia da capacidade de gestão. São fatos inquestionáveis. Ele conseguiu a maior cota da América Latina, com a Copa do Brasil, conseguiu certificado avançado de métodos de gestão em quase toda a estrutura vertical da CBF e tem sido um forte aliado das federações e clubes. Até na captação de recursos – elogiou Evandro Carvalho, presidente da federação pernambucana, um dos satisfeitos com o primeiro ano de Caboclo.
Diretoria de desenvolvimento não decola
Vice-presidente da CBF, Ednaldo Rodrigues, presidente da Federação Baiana de Futebol, considera a gestão do presidente “coerente e futurista”, porque atendeu a algumas antigas reivindicações. Cita a redução das datas de estaduais de 18 para 16 datas, o que provocou polêmica – e ainda provoca.
– Conseguimos ajustar essas 16 datas para não prejudicar outras competições. Mas ele não quer que os estaduais fiquem como patinho feio do calendário. Passa toda a tranquilidade para que possamos sugerir. Posso dizer que ele é um gestor que dá a condição de cada um externar seus pontos de vista – conta Ednaldo.
Ex-jogador Washington é demitido da CBF após polêmica em Caxias x Botafogo
Washington cumprimenta Rogério Caboclo, presidente da CBF: ex-jogador foi demitido após episódio na Copa do Brasil — Foto: Leandro Lopes/CBF
Em campo, além do principal título com a seleção de Tite na Copa América, a CBF levou para a luxuosa sede da Barra da Tijuca o título mundial sub-17 – depois de cair na fase de classificação do Sul-Americano da categoria e participar da Copa do Mundo apenas porque o Brasil se tornou sede -, um sul-americano sub-15 masculino, outro troféu sul-americano sub-20 feminino e a vaga para os jogos olímpicos de Tóquio – com André Jardine, que substituiu Carlos Amadeu, demitido no início de 2019.
Caboclo chegou à CBF com missão difícil. Descolar a imagem do ex-presidente da CBF Marco Polo Del Nero, banido do futebol pela Fifa, após investigação o apontar como culpado em caso de corrupção na venda de direitos de transmissão de jogos. No discurso de posse, no dia 9 de abril do ano passado, fez menção ao passado de páginas policiais da entidade nacional do futebol ao dizer “não poderia e nem queria esconder de ninguém o grau de consciência que tenho do desgaste de imagem que a CBF passou nos últimos anos.”
– Vou enfrentar essa situação com toda a determinação. Vamos aumentar ainda mais os controles de governança, risco e conformidade. Aplicaremos, com toda a energia, o nosso código de Ética. Não vou tolerar nenhuma prática duvidosa, ou desvio de conduta – dizia.
Caboclo, Tite e Juninho: coordenador da Seleção foi mantido após revelação de documentos que o relacionavam ao Ituano na CBF — Foto: Bruno Cassucci
Por essa determinação expressa nas palavras da posse, o caso Juninho Paulista, atual coordenador da seleção masculina principal, foi o maior ponto de desgaste neste primeiro ano. O assunto é evitado entre os pares de Caboclo. O ex-jogador é visto como gestor competente e de bom entrosamento com Tite. É considerado mais firme e atuante do que o antecessor Edu Gaspar na relação, por exemplo, de equilíbrio do aspecto técnico, na escolha dos adversários para jogos, e comercial com a Pitch, a organizadora dos amistosos do Brasil. Tite criticou abertamente a empresa com respaldo de Juninho.
Há um processo aberto na Comissão de Ética do Futebol Brasileiro desde 18 de fevereiro sobre o caso Juninho Paulista. Anteriormente, Juninho era gestor do Ituano e foi contratado para a diretoria de desenvolvimento ainda com participação na empresa. Depois, tornou-se usufrutuário. Quando a “Agência Sportlight” revelou os documentos desta relação, Juninho anunciou que ia se desligar por completo da empresa. Sobre o tema, a CBF voltou a responder:
– Juninho Paulista prontamente deu as explicações necessárias, tomou as medidas adicionais pedidas e o caso foi superado. Quanto à Comissão de Ética, é um órgão que atua com independência – respondeu a CBF, por meio da assessoria de imprensa.
Rogério Caboclo, presidente da CBF, na reunião do Conselho Técnico: encontros periódicos têm participação de departamento de futebol — Foto: Reprodução / CBF
Juninho chegou para comandar a Diretoria de Desenvolvimento, que teria reuniões periódicas com “Conselho de Craques”, combinado de ex-jogadores para discutir questões do futebol dentro e fora de campo. Com a saída para a Seleção, foi contratado Washington, que deixou o governo do presidente Jair Bolsonaro. Porém, durou pouco a passagem do Coração Valente pela CBF. Ele foi flagrado dentro do gramado, com celular na mão, e mostrando lance de jogo, num pedido de pênalti do Caxias (RS) contra o Botafogo. Foi demitido por telefone e, dias depois, reconheceu que errou.
A CBF ainda não tem substituto para Washington, mas Caboclo diz que considera o projeto deste departamento fundamental. O perfil do cargo é de ex-jogador, com alguma experiência em gestão.
– A Diretoria de Desenvolvimento em breve será preenchida obedecendo aos critérios já adotados. É uma diretoria considerada fundamental para execução de projetos de fomento do futebol brasileiro, como aprimoramento das competições, incremento do futebol de base e projetos sociais. Trabalha em sintonia com outras áreas na condução dos projetos do Fundo de Legado da Copa e do Centro de Desenvolvimento do Futebol Brasileiro. (Globo Esporte)