Ex-técnico do Corinthians, Tiago Nunes falou pela primeira vez sobre sua saída do clube, no começo de setembro. O treinador afirmou que durante seu período no Timão pensou não só em melhorar e transformar a instituição em campo, mas também fora dela. Tiago também disse que esperava contratações de nível europeu e que não sabia das dificuldades financeiras do clube.
Para exemplificar seu pensamento, Tiago usou Ralf e Jadson como exemplos. Os dois foram dispensados por ele, mas poderiam ser úteis. O problema é que “útil”, para Tiago, era pouco.
– Claro que poderiam ser úteis. São atletas de qualidade. Com a bagagem que tem, poderiam ser úteis. Mas ser útil é pouco para o Corinthians. Pensava em jogadores para serem titulares do Corinthians, do Manchester City, Real Madrid, Flamengo… Ser útil é desrespeito com a carreira deles. Percebemos que tivemos buscar dentro do próprio Corinthians para sanar dificuldades. Como encarei a mudança de características de jogo, eles não iriam casar – disse Tiago, à ESPN Brasil.
– Não sabia das dificuldades financeiras. Teve o agravante da pandemia. Acabou dificultando muito o trabalho da direção, que se esforçou para trazê-los. Muitos foram oferecidos, mas precisávamos de nível europeu.
O treinador citou o Flamengo como exemplo:
– Jogadores como o Flamengo vinha fazendo contratações. Não aceitamos muitos que estavam em uma prateleira abaixo para buscar os maiores. Esperávamos maiores e recusamos alguns que poderiam fazer parte desse elenco. Queríamos algo a mais. Vim convicto que Corinthians precisava buscar uma mudança de ideia de jogo e aproveitar a base. Investimos em coisas internas do clube, comunicação, em vários departamentos para se comunicarem. Gastamos mais energia nisso do que na equipe. Isso foi um erro crucial mesmo. Investir na gestão mais do que dentro de campo. Quando divide energia, enfraquece. O lado de campo meu ficou prejudicado.
Veja outros pontos da entrevista do treinador:
Por que o trabalho foi interrompido?
– Sobre a saída, tem coisas que não podem ser direcionadas para mim, mas sim para a direção. O trabalho foi transparente, sempre fui franco e direto. Cobramos quem tínhamos que cobrar, elogiamos quem tínhamos que elogiar. Fomos honestos. Dentro da proposta que nos foi colocada no ano passado, a intenção clara da mudança do método do trabalho, aproveitamento da categoria de base. Tentamos pensar primeiro no clube, no projeto, na continuidade. Tenho certeza, não é só no Corinthians, resultado tem peso fundamental. É natural que aconteça. Mas em um ano de tantas mudanças, seria normal oscilar resultados. Não para o Corinthians. Grande cobrança como o Flamengo, grande popularidade. É difícil imaginar que o torcedor possa aceitar o projeto, que aceite esse tempo e nos fatores que influenciam na oscilação de performance e resultado. Esse processo de mudança não popular vai trazer frutos a longo prazo. Ideias, perfil de jogadores, Corinthians precisa buscar um novo patamar, disputar títulos nacional e internacionalmente. É preciso para voltar a ser o grande clube que é.
Por que o resultado não veio?
– Conceitualmente estavam conseguindo construir boas ideias. Tínhamos retorno dos atletas nas propostas. No momento mais determinante, no jogo, não estava acontecendo. Era o desafio entender a distância entre treino, conversas e campo. Posso afirmar com convicção que não consegue mudar o processo dessa magnitude só com ideias, precisa de mudança dos atletas, de todos que executam. Se não consegue mudar, conduzir o atleta, tem que mudar o atleta e isso não é possível. Não conseguimos mudar de maneira significativa a características dos jogadores. Seria necessário mais tempo ou contratações maiores. Atlético-MG, por exemplo, com mudança radical de jogadores. Flamengo contratou e fez campanha importante. Tenho responsabilidade total sob o trabalho. Acreditei que era possível fazer com a aquele grupo. Corinthians passa por dificuldades tremendas. Jogadores renomados viriam para entregar performance. Buscamos emprestados. O gape entre a prática conceitual entre o treino e o jogo aconteceu. Não tenho uma resposta exata para essa distância.
Elenco não entregou o que se esperava?
– Todos nós não entregamos. E eu me incluo nisso. Imaginava que se devia e podia ter produzido mais. Poderíamos ter vencido alguns jogos e não vencemos, situações que fogem ao controle. Podemos levar em conta a pandemia. Um fator que nem sirva como argumento, mas teve um papel importante a ausência da torcida do Corinthians. Faz diferença significativa competitividade, no adversário dentro do nosso estádio. Sofremos e não resolvemos foi como manter o nível de atuação forte em casa sem o torcedor. Posso falar por esse ano, mas são dois anos de dificuldades no Brasileirão. Foi 13º e 8º. Não é agora. Fomos vice-campeões paulistas sem fazer muita força. Nos preocupamos mais em não sofrer gols e vamos para a final do Paulista. O Paulista não é um grande referencial para o resto. Corinthians vem remando, fazendo apostas com uma base de jogadores experientes dentro do clube, mas precisa de um up a mais para disputar títulos.
Era possível essa mudança?
– Eu tentei cumprir o que foi proposto pelo presidente. Cuidar de maneira geral da gestão, formação. Isso acontece em vários clubes. Muitas vezes por culpa dos treinadores que afastam a formação da equipe principal. Às vezes, por resultados. Clubes focam nos mais experientes do que em oportunizar jovens. Quando eu investi energia na melhora da comunicação, não é porque não existia, mas que poderia otimizar. Corinthians tinha uma equipe sub-23. Foi passada uma lista de mais de 50 jogadores que pertenciam ao clube. Repatriamos jogadores, ajudar na saúde financeira. Utilizar a formação, valorizar o sub-23, para pensar no clube como um todo. O que fica como lição é que primeiro você tem que pensar no resultado de campo, entregar uma satisfação pública do trabalho para depois pensar nos processos, gestão interna e comunicação. Não é crítica, é ao futebol todo. Tenho o Corinthians como uma escola. Naturalmente, Corinthians voltará a figurar na parte de em cima. Pressão, torcida e imprensa cobram. Os ciclos vem para que o clube se redescubra para dar a volta por cima.
Dispensa de Ralf e Jadson gerou bastante polêmica… Acha que elenco não gostou disso?
– Minha relação com os atletas sempre foi de altíssimo nível. Profissional. Conversei com todos mais de um vez. O fato da pandemia ter diminuído o contato entre atletas e imprensa também prejudicou. Dizem que quando os resultados não vem, é porque o técnico perdeu o grupo. Dificilmente vi atleta fazer corpo mole por onde trabalhei. Isso prejudica a imagem do atleta. Não quer dizer que sou amigo de todos, como é em qualquer empresa. Existe uma máxima no treinador tem 11 amigos, sete ou oito mais ou menos e outros p da vida. Sobre Ralf e Jadson, acabou vindo para essa responsabilidade. Ralf e Jadson estavam numa lista para perfil técnico. Não quisemos contar com os dois para essa ideias. Falei isso para os atletas e para vocês. Sempre foi com máximo respeito. Não é o técnico que pega o telefone e liga para avisar. Não foi me pedido isso. A direção que fez. Fica meu respeito. Sei que gerou uma polêmica gigantesca. Mas não senti desrespeitando os dois. Foi opção técnica e conceitual em termos de transformação para esse ano.
Tem visto o Corinthians jogar?
– Não só no Corinthians. Vi o Gre-Nal e se achou bom jogo… Vi agora a última rodada inteira do futebol brasileiro e com exceção do Galo, não vi nada de altíssima qualidade. Comparando com 2019, estava muito mais adiantado. Corinthians deveria estar jogando melhor porque é o Corinthians. Tem cobrança para estar jogando melhor. Mas no processo de transformação que vive interno, acho que faz parte. Vai servir de balizador pelo que vem pela frente.
Demissão te surpreendeu?
– Tenho 22 clubes na carreira. Acham que esses cabelos brancos são só genética. Foi muito ônibus de banco duro para entender do futebol. A gente começa a entender com sinais dentro. Coisas começam a falar menos, as coisas começam a se desenhar. Para mim era claro que o trabalho seria interrompido se não tivesse vitória contra o Palmeiras. Contrato implica em rescisão. Poderia ser da minha parte, também. Sabia que o clássico seria balizador. Ao menos tempo, como foi, um expulso no primeiro tempo, pênalti. Perdemos força, autoestima acaba caindo. Confiança é fundamental. Diálogo, discurso, proximidade e também resultado. Resultado é o balizador. Não veio e você percebe que naturalmente se encaminha para um final.
Poderia mudar o sistema de jogo?
– A minha preocupação sempre foi com equilíbrio. Quando optei pelo Ramiro, era como um terceiro meio-campistas. Camacho, Cantillo e ele como o terceiro meia. Para que a gente pudesse ter mais jogadores atrás dele com capacidade de jogo e não tão marcadores. Luan solto e jogadores abertos pela beirada e 9 com liberdade. Iniciamos assim. Mas batemos na tecla da confiança. Chega um momento que você mesmo expressando e mostrando, o jogador se sente perturbado com isso. Tentamos mudar, mas Ramiro se lesionou. Essa transformação toda foi culminando com a parada da pandemia. Eu já tinha colocado o Carlos para fazer o terceiro zagueiro praticamente. Empatamos com Novorizontino, Ituano, parada, organizamos com conferência e voltamos com Carlos, jogamos com Gabriel e jogamos para dar confiança para os jogadores. Não fomos bem, mas vencemos. Vamos para o Red Bull Bragantino e vencemos com maturidade. Mirassol muito difícil. Sofremos pouco atrás, mas o equilíbrio não veio porque não produzimos ofensivamente. Perdemos um jogador muito importante, que dava suporte a Avelar e GIl, dava estabilizada, aumentava estatura. Colocamos o Sidcley, temos dificuldades jogando com Gabriel e Ramiro, volto com Cantillo e Éderson no jogo seguinte. Ficamos oscilando. Chegamos com um dos melhores ataque mas uma das piores defesas. O desafio maior foi achar o equilíbrio. Produzia chance, mas defensiva mal ou vice-versa.
– Não voltamos atrás nas ideias. Time que jogava com seu goleiro, chegava com a bola trabalhada no meio-campo. Posse de bola, tivemos maior. Finalizamos mais. Agora, se tem foco maior no Corinthians, Palmeiras, Flamengo. Me pergunto quem está jogando bem hoje no Brasil? Só vejo o Atlético-MG. Não vejo outro que destoe tanto dos demais. Estamos elevando a régua para qual nível? Atletas emendando um jogo no outro, técnico sem tempo para treinar. Em que nível o Corinthians pode chegar e está. Pode sofrer, mas a longo prazo as coisas podem melhorar.
Por que Luan ainda não entregou o que se espera?
– Criamos uma ideia de jogo focada nisso, no Luan. Camacho, Cantillo e Ramiro eram três articuladores para que Luan tivesse liberdade de ocupação de espaço, fosse criativo. Luan também depende do acompanhamento dos colegas. Tem a ver com expectativa. Que ele venha a ser o jogador que foi para o Grêmio em 2017. Foi um momento mágico para o Grêmio. Não demos o suporte ideal a ele. Luan percorre por jogo 12km, corre muito, volume de jogo e movimento, quando chega próximo do gol faz gols porque define bem. Não é velocista e nem forte no arranque, é de movimento. Não pode ser bola rápida, tem que ser bola de pé em pé. Tentamos verticalizar o jogo e deixávamos ele fora. Criamos uma expectativa, mas acho que produzido algo parecido com o que produzido no Grêmio. Talvez eu não tenha tido condição de colocá-lo onde potencializaria o futebol dele.
Acredita em Corinthians na Libertadores?
– Sport ganhou quatro ou cinco jogos e está na zona de classificação. A diferença são duas ou três vitória para você subir na tabela.
Gestão te decepcionou? Teve problemas na relação com Dyego Coelho?
– Vi a declaração, mas não me senti atingido. Sei como é dirigir Corinthians e outros 21 clubes. Muitas coisas a gente se expressa de uma maneira e às vezes as pessoas entendem como querem. Tenho total respeito ao Coelho, faz um trabalho de excelência na base. Fico na expectativa de que conduza o Corinthians a mares mais tranquilos. Mantive uma relação muito boa com a diretoria. Duílio principalmente. Fantástico. Tem que se pensar em Duílio, gestão e suporte ao treinador, relações com os atletas. Torcedor nato, para mim é um cara fantástico. Fez parte do processo de melhores de ajustes. Foi muito forte usar “sucateado”. Era sucateado em relação á comunicação interna. Cifut é fundamental. Não tinha muita autonomia e comunicação. Por minha opção, tomei frente disso. É minha características. Legado não pode ser resultado. Tentei melhorar processos internos, que seja independente dos técnicos e direção que venham. Que ele possa ter uma linha de ação, condução, para que na hora que mude o treinador não tenha que iniciar do dela. Meu papel interno era tentar evoluir nesse sentido. Tive retorno bom das pessoas lá dentro. Vocês tem muitas fontes, fonte é algo muito genérico se tratando de Corinthians. Funcionários, dirigentes, empresários, alguém que fala algo chateado e isso talvez tenha que se ter um cuidado maior. O que se fala internamente toma proporção ruim. Fio de cabelo é boia salva-vidas sem resultado.
O que achou dos protestos desta terça-feira?
– Protesto não é novidade. Torcida gigantesca. Natural que haja uma cobrança. Torcemos que seja em tom de paz. Agressões não fazem bem para ninguém. Sei que é um processo de transformação. Vai ser um ano difícil, mas importante a longo prazo. Daqui a quatro ou cinco anos vão falar que o passo foi dado aqui. Agora, é preciso pagar o preço. Atitudes não eram populares. Cássio e Fagner têm uma história maravilhosa, corintianos, vestem a camisa. Se esforçam ao máximo, se preocupam com o clube e companheiros, estão sofrendo como torcedor.
Quer voltar a trabalhar esse ano?
– Pouco provável que eu trabalhe nesse Brasileiro. É um moedor de treinadores. Bandeira para tudo, ser apedrejado e tudo mais. Pelas cobranças como são feitas. Recebi sondagens de fora do país. Até o final do Campeonato eu não devo trabalhar. Não vou cravar, porque futebol é dinâmico. (Globo Esporte)